Serafina Gmork
— Pare de rir. Estou falando sério.
O homem está praticamente gargalhando quando digo que ele poderia ter carreira usando sua beleza de outro mundo.
— Desculpe. Me imaginei nesse papel e achei engraçado. Eu, Anto... — Ele arregala os olhos e para de falar. Se levanta, parece nervoso. Observo dar passos pelo lugar, até que para ne minha frente. — Percebi que não nos apresentamos. Seu nome é Serafina, certo?
— Sim, Serafina Gmork.
— Prazer, Antônio Lombardi. — Ele toca o meu rosto, passando o polegar pelo meu queixo. Deusa, isso é muito excitante. Me esforço para não fechar os olhos e gemes. — Posso te fazer uma pergunta. — Assinto, ainda sob seu toque. — Quando eu a trouxe aqui, parecia que você não tinha para onde ir. Está tudo bem?
Sorrio.
— Está sim. Eu tenho casa e emprego. É só mais uma das tradições. O companheiro deve prover casa e alimento até a cerimônia de casamento. Todos os casais na mesma cerimônia. — Dessa vez eu é que sento na cama. — Mas não se preocupe, te libertarei disso. Só preciso ter certeza que não sairá ferido ou morto. Enquanto isso, encontrarei uma forma de nos manter...
— Não sou inútil, Serafina. — Ele parece bravo. — Falarei com Oliver para me conseguir um emprego. Ser um mendigo é provisório, só precisava de oportunidades.
— Posso te conseguir uma vaga. Não tenho influencia assim, mas ao menos uma entrevista consigo para você. Com esses braços deve ser bom em trabalho pesado. E se tiver alguma formação...
— Sou formado em arquitetura e tem alguns cursos de paisagismo.
Sorrio involuntariamente.
— Estou estudando arquitetura.
— Acho que foi destino que nos uniu nessa tal caçada. E não pretendo te deixar ir tão fácil. Vou conseguir um emprego, uma casa e ser seu companheiro. — O encaro. Parece tão decidido. — Oliver me fará esse favor.
Uma suspeita sobre algo me faz perguntar.
— Seu amigo é Oliver Moreau?
— Ele mesmo, conhece?
— Não é da minha conta, mas por que ele não te ajudou a ter um emprego? Por acaso, você não quis?
— Ele ia me ajudar com isso, mas seu chefe...
— Tinha que ser aquele babaca! — levanto irritada.
— Babaca? É assim que chama seu alfa? — Ele parece surpreso, até mesmo um pouco indignado.
— Desculpe por isso. Estou conhecendo um lado do meu líder que só ouvia dos outros. Não tem nada a ver com você.
— Posso saber o que houve?
— Agora não. Estou exausta. Preciso dormir as poucas horas que me restam.
— Quando você me interrompeu, eu ia dizer que o chefe do Oliver pretende me conceder um cargo na minha área.
— Deve ser o meu.
— O que disse?
— Nada. Não me leve a mal. Eu não sou o tipo que fica falando mal de outras pessoas. Só estou muito chateada com ele no momento. — Ele abre a boca para falar algo, mas imploro. — Podemos dormir agora? Teremos tempo para conversar depois.
Ele se demora me olhando, como se buscasse resposta. Eu junto as mãos em súplica. É madrugada. Depois de tudo que vivi nas últimas horas, meu corpo está quase desligando.
Antônio se rende.
— Ok. Chega de conversa por hoje. — Ele aponta a cama. — Só tem essa cama. Como quer fazer?
— Vai ficar apertado, mas não quero dormir no chão, nem quero que você durma. — Cruzo os braços com seu gesto de morder o lábio e o sorrisinho safado. — Se não for se comportar, prefiro dormir no chão.
— Eu vou me comportar... por enquanto.
Ignoro o comentário final. Esse sorrisinho é perigoso.
Me deito e encolho o máximo contra a parede. Ainda bem que é lisa. Não me machuca. Ele se senta na cama e deita, se ajeitando como pode no pequeno espaço que sobra.
— Seria mais espaçoso se nos abraçássemos.
— Engraçadinho!
Assim que falo ele se levanta bruscamente e vai até o baú. Fico feito idiota o encarando enquanto me cobre com uma manta.
— Não quero que passe frio.
— Mas é você?
— Estarei mais que aquecido só pela sua presença, meu brilho da lua.
Pronto. Foi aqui, nessas exatas palavras, que me apaixonei por esse humano. Com ou sem elo, meu corpo, minha alma e meu coração, simplesmente se entregaram de bandeja com um simples “meu brilho da lua”.
Assustada com os sentimentos, finjo não ouvir e fecho meus olhos, forçando para dormir. Demora, mas consigo.
*
Quando acordo, estou sozinha no lugar.
Levanto e dou uma olhada no ambiente. Tento entender de onde vem a luz, já que a chama das lamparinas acabaram. Observo a estrutura com curiosidade. Tudo muito bem feito... para ser um abrigo, um esconderijo.
— O que será que Oliver anda aprontando? — me pergunto enquanto analiso tudo. O beta de Anton é muito centrado, apaixonado pela esposa e dedicado ao seu líder, então acho que se trata de alguma coisa para o Alfa.
Sobre uma mesinha de madeira onde tem um botija de água encontro um bilhete.
“Não fuja. Volto em breve.”
Sorrio. Um sorriso que some quando me lembro das circunstâncias que nos trouxeram aqui.
Deixo um longo suspiro escapar.
— Será que ele vai fugir assim que essa magia de primeiro momento acabar? — murmuro para o lugar vazio.
Quando ele disse que queria ser meu companheiro, só pensei em dizer sim e viver isso. Mas há a chance dele estar apenas encantado por toda essa situação, de estar agradecido por tê-lo salvo.
Eu não sei o que pensar.
Passo um longo tempo rodando pelo espaço pequeno e conversando sozinha. No final não cheguei em nenhuma conclusão.
Preciso conversar com Nania. Minha amiga sempre me diz a coisa certa. Isso, vou até Nania agora mesmo.
Decidida, subo a escada. Quando vou abrir a porta o susto me faz perder o equilíbrio. Braços fortes me amparam.
— Estava fugindo, brilho da lua?
Meu coração está disparado, e não é só pelo susto.
— Se está pronta para sair, vamos. Quero te mostrar nossa nova casa.
Ainda estamos na escada, meu corpo suspenso apenas seguro pelos seus braços.
— Casa? — o encaro sem entender.