A Centelha da Ideia.
Perguntou ainda em pé ao lado da mulher que havia lhe ajudado a pouco. Ela puxou o maço da bolsa, entregou o cigarro e o isqueiro, mas continuou olhando para o nada com os olhos marejados. — Obrigado. Artur se sentou ao lado dela e enquanto compartilhavam o cigarro, contaram histórias que ainda feriam um ao outro. O nome dela era Lara. Professora de crianças com deficiência intelectual. Recém-divorciada, o coração ainda está em pedaços. Contou que tinha descoberto ali que o marido com quem foi casada por oito anos tinha uma amante há cinco. — Ele vai levar o meu filho com eles e nem sei o que mais me machuca, se é a traição dele ou saber que fui uma idiota por tanto tempo. Ela jantava na minha casa, ia comigo ao shopping e eu ajudava ela escolher a lingerie que ela usaria com o namorado. Um sorriso amargo se misturou a lágrima. — O meu marido! Era o meu marido. Artur não tinha ideia do que dizer, achava que a criança ir com o pai era o melhor, assim Lara ficaria livre para reconstruir a vida. Professoras não ganham bem, ele sabia. Resolveu mudar de assunto. — Por que me ajudou? — Porque também já estive no fundo do poço. E sei como é duro quando ninguém estende a mão. Artur ficou em silêncio. Pela primeira vez na vida ele se sentiu pequeno. Humano! Aquela mulher de olhos cansados, mas cheios de luz, mexeu com algo dentro dele que não sabia mais que existia. Naquela noite, não houve sexo. Houve conversa. Troca. Verdade. Dormiram em camas separadas. Pela manhã, ela já não estava. Deixou um papel com o nome da escola onde trabalhava. Artur ficou com o papel entre os dedos, olhando para o teto, sentindo uma estranha vontade de ouvir a voz dela de novo. Talvez pudessem ser amigos e então, lhe veio a ideia! O quarto onde Artur acordou naquela manhã era pequeno, alugado por aplicativo, com paredes descascadas e um leve cheiro de mofo que insistia em permanecer, apesar das tentativas de camuflá-lo com aromatizadores de lavanda. Nada ali lembrava o luxo ao qual estava acostumado. Sentado na beira da cama, com o bilhete de Lara entre os dedos, ele observava o nome da escola rabiscado com uma caligrafia firme, quase maternal. Aquela mulher o intrigava. Havia algo em seus olhos marejados que o perseguia desde a noite anterior. Uma mistura de dor e força. Um paradoxo que despertava nele um interesse raro, não o tipo carnal que ele conhecia bem, mas algo mais profundo, quase incômodo. Ela era real. E isso era perigosamente novo. Ligou para Reinaldo, o vice-presidente da Montenegro Empreendimentos. A voz do outro lado veio seca, mas ainda leal. — Fale rápido, estou em uma reunião. — Preciso que descubra tudo sobre uma mulher. Nome: Lara. Professora. Trabalha com crianças com deficiência. — Artur, você está mesmo pedindo isso? Está espionando alguém agora? — É diferente. Ela…Fez uma pausa, irritado com a vulnerabilidade que ameaçava escapar — Ela me ajudou. Isso sim é novidade. Artur desligou antes que Reinaldo pudesse fazer piadas. A partir dali, seus dias passaram a ter um objetivo. Visitou a escola de longe, observando. Era uma construção simples, com um jardim bem cuidado e desenhos infantis nas paredes. Viu Lara chegando, roupas modestas, postura ereta, cercada de crianças que corriam até ela com sorrisos abertos. Uma delas agarrou suas pernas, e ela se abaixou para abraçá-lo com ternura. Artur engoliu em seco. Não entendia aquele tipo de afeto. Parecia tão distante do mundo que conhecia, onde toques eram trocas de favores, e sorrisos vinham com segundas intenções. Naquela tarde, soube do passado dela: O casamento, o filho adotivo que fora arrancado de seus braços por pura crueldade, não por amor à criança, mas para puni-la. O ex-marido era influente, e a amante tinha conexões na justiça. Lara não tinha chances. Aquilo acendeu algo em Artur. Um sentimento que nunca ousara nomear: Indignação por alguém que não fosse ele mesmo. Foi nesse momento que a ideia começou a se formar. Como uma névoa se dissipando devagar. Se ela precisava de estabilidade… e ele precisava de uma esposa… Na mesma noite, no flat desajeitado que agora chamava de lar, Artur abriu o notebook velho que Reinaldo lhe emprestara e começou a redigir os primeiros esboços de um contrato de casamento. Cláusulas liberais para ele: liberdade sexual, privacidade, contas separadas, ausência de obrigações conjugais. Para ela: Proteção jurídica, Uma quantia mensal generosa, E, se aceitasse, ele se comprometia a ajudá-la na briga pela guarda do filho. "Não quero amor, Lara" Pensou enquanto escrevia "quero um acordo." A proposta era louca, claro. Mas também era sua única saída! Do outro lado da cidade, Lara caminhava em seu apartamento de dois cômodos. O silêncio era espesso, quase agressivo. Pegou a caneca vazia que Leonardo deixara cair no chão dias antes de partir. Apertou contra o peito, sentindo o vazio ecoar. A lembrança de Artur surgiu, quase como uma provocação. A vergonha que ele sentira, a maneira como escutou suas dores sem julgamentos. Diferente de todos os homens que conheceu. Mal sabia ela, o destino não tinha terminado com os dois. Na manhã seguinte, Artur voltou à escola. Esperou o turno dela acabar, encostado em seu carro já empoeirado, com o contrato dobrado dentro do bolso interno do paletó. Quando a viu, o coração, aquele que acreditava já ter se transformado em pedra, deu um pequeno salto. Ela arqueou as sobrancelhas, surpresa. — Perdeu o caminho do motel, bonitão? — Não. Perdi o caminho da sanidade mesmo. Você tem um minuto? Ela cruzou os braços. — Estou ouvindo! — Preciso de uma esposa até o fim do mês. E você precisa de uma forma de lutar pelo seu filho. Tenho uma proposta pra te fazer. Mas primeiro… Artur puxou o envelope do bolso e balançou. — Que tal um jantar comigo? Hoje. Na casa do meu pai. Ele vai adorar conhecer minha futura noiva. Lara soltou uma risada, irônica. — E você acha que eu sou idiota o suficiente pra acreditar nisso? — Não. Acho que você é inteligente o suficiente pra duvidar… e esperta o bastante pra querer ver se é verdade. Ele sorriu. Um sorriso diferente. Humano. E ela, contra todas as certezas que ainda tentava manter de pé, sentiu a curiosidade lhe corroer por dentro.A Proposta InacreditávelO dia estava cinza, uma bruma leve cobria os prédios altos enquanto Artur Montenegro estacionava seu carro alugado em frente a uma escola pública de arquitetura antiga e desgastada. O homem que antes fora capa de revistas de negócios agora estava parado dentro do carro enquanto observava a entrada de crianças com mochilas coloridas e olhares agitados. Em uma folha dobrada no bolso, lia-se o nome que havia perseguido em pensamentos por dias: Lara Matos.Desceu do carro como se o chão fosse estranho. As calçadas rachadas e os muros rabiscados com frases infantis e corações lembravam-no de um mundo do qual sempre esteve distante, e ele nunca pensou em se aproximar. Mas era ali que ela estava. A mulher que, numa noite qualquer, estendeu a mão sem pedir nada em troca.A secretária olhou com desconfiança para aquele homem de aparência descuidada, olhar perdido.— Posso ajudar?— Estou procurando a professora Lara Matos.— Assunto?— Particular.A mulher avaliou-
Capítulo 4 – A Inquietação de JosuéO relógio marcava 21h30 quando Josué atravessou o amplo hall da mansão Montenegro, o chão de mármore refletindo a luz amarelada dos lustres antigos. O ar estava pesado, impregnado do perfume marcante de incenso e do eco distante de passos apressados. Ele apertou o paletó contra o corpo, tentando conter o frio que lhe corria pela espinha. Ao seu lado, Artur surgia no corredor, trajando um smoking impecável, mas com uma gravata frouxa e o olhar perdido. A imagem de um homem adulto, rico e inconsequente, despertava em Josué um misto de raiva e preocupação.Desde o jantar de apresentação, as atitudes de Artur o faziam questionar o senso de responsabilidade do rapaz. Ele abrira mão de toda a compostura daquela noite só para encarar um copo de uísque, engolindo goles longos, como quem esperasse encontrar a salvação no fundo da taça. Cada tilintar de gelo agitava a mente de Josué: “Será que ele realmente vai honrar o casamento?” A dúvida o corroía
Capítulo 5 – O Inferno FrancêsA brisa gelada que soprava pelas janelas altas do apartamento em Paris parecia carregar um lamento.Gabriel, de nove anos, sentiu o arrepio percorrer a pele fina dos braços, abraçou-se como para se proteger do frio e das sombras que pareciam se agigantar no teto. O espaço, antes descrito como um refúgio promissor de tratamento, mostrava-se, a cada dia, uma jaula de crueldade e traições.O chão de parquet antigo rangia a cada passo, o teto alto ecoava o som dos móveis deslocados e, nos corredores, o perfume cansado de lavanda escondia odores mais pesados: O bafo de raiva de Raquel, a madrasta designada para cuidar dele. Em sua mente infantil, Gabriel recordava com nitidez a despedida de Lara:Ela tinha lhe dado um ursinho azul e dito para ser corajoso. Agora, a saudade brotava como uma ferida aberta: o coração dele apertava-se em cada recordação do carinho verdadeiro.O dia começara cinzento, quase sem sol. Gabriel acordou com um suspiro de tédio e a
O Grito SilenciosoO apartamento amanheceu envolto por uma névoa úmida. Lá fora, o som distante de sirenes misturava-se ao canto rouco de pombas nos parapeitos. Gabriel acordou antes mesmo dos raios de sol. O braço latejava, mas a dor era menor que o aperto no peito. Os olhos pesados avistaram, na escrivaninha, o vidro de um calmante que Raquel deixara estrategicamente ao alcance, como se fosse uma ordem para mantê-lo calmo.Ele recusou o comprimido, sacudiu a cabeça e tentou ignorar a mão invisível que apertava seu coração. Era sexta, dia de terapia. Mas Raquel disse a Ronaldo, na frente do menino, que a sessão era supérflua que ali, em casa, ela cuidaria.— Ele não precisa de mais uma madrasta babá, declarou Raquel, em tom de conselho. — É coisa da psicóloga, essa choradeira.Ronaldo acenou, desviando o olhar. Gabriel sentiu a humilhação quente como chama. Apertou o ursinho e saiu de casa para caminhar na sacada, pendurado no corrimão metálico. Lá embaixo, a rua parecia um ri
O UltimatoO sol ainda estava tímido no céu quando Artur Montenegro, aos quarenta e três anos, acordou com a boca seca, o gosto amargo da ressaca colado na língua e o zumbido irritante do telefone vibrando sobre a mesa de cabeceira.O quarto de hotel cinco estrelas, ainda mergulhado pela escuridão protetora das cortinas pesadas, cheirava a uísque caro, perfume feminino e decepções repetidas. Mulheres eram odiosamente necessárias. Sempre dizia que quem gostava de mulher eram os gays, homens gostavam de sexo.Ele se espreguiçou, os olhos queimaram ao tentar focar no visor do aparelho. Era o pai.Outra bronca às sete da manhã? Mas que saco. Estou com dor de cabeça, fala logo!— Esta é sua última chance, Artur. Se você não se casar até o final deste mês, perde tudo. Presidência da Montenegro Empreendimentos, parte da herança, os carros, os cartões, tudo!— Casamento? Pai, pelo amor de Deus, isso é um absurdo! —Eu nem tenho uma namorada!— Absurdo é ver o nome da nossa família sendo a