A Proposta Inacreditável
O dia estava cinza, uma bruma leve cobria os prédios altos enquanto Artur Montenegro estacionava seu carro alugado em frente a uma escola pública de arquitetura antiga e desgastada. O homem que antes fora capa de revistas de negócios agora estava parado dentro do carro enquanto observava a entrada de crianças com mochilas coloridas e olhares agitados. Em uma folha dobrada no bolso, lia-se o nome que havia perseguido em pensamentos por dias: Lara Matos. Desceu do carro como se o chão fosse estranho. As calçadas rachadas e os muros rabiscados com frases infantis e corações lembravam-no de um mundo do qual sempre esteve distante, e ele nunca pensou em se aproximar. Mas era ali que ela estava. A mulher que, numa noite qualquer, estendeu a mão sem pedir nada em troca. A secretária olhou com desconfiança para aquele homem de aparência descuidada, olhar perdido. — Posso ajudar? — Estou procurando a professora Lara Matos. — Assunto? — Particular. A mulher avaliou-o por mais um segundo antes de discar um ramal. Depois de um breve silêncio: — Ela vai te atender no pátio. Está no intervalo. Artur seguiu o caminho indicado até encontrar uma cena curiosa: Lara sentada no chão ao lado de um menino que repetia padrões com blocos de montar. Com voz suave, ela dizia: — Isso, Leo! Muito bem, agora vamos tentar o azul? O menino não respondeu, mas olhou para a peça azul e, hesitante, estendeu a mão. O gesto singelo foi suficiente para que Lara sorrisse com os olhos marejados. Ao perceber Artur, ela levantou-se devagar, sem pressa, ajeitando a blusa branca de mangas arregaçadas. Os olhos ainda carregavam um brilho de cansaço e doçura. — Artur? — Oi, Lara. Acha que podemos conversar? Ela hesitou, mas acenou com a cabeça. Guiou-o até um banco sob uma árvore frondosa. — O que faz aqui? — Preciso de ajuda. Ela arqueou uma sobrancelha. Não era surpresa, de certa forma. Ele parecia à beira de algo, talvez do fundo. — Não tenho dinheiro. Disse ela, direta. — Se for isso… — Não é isso. É… um casamento. Lara soltou uma risada breve e seca. — Desculpa, o quê? — Eu preciso me casar até o fim do mês. Senão, perco tudo. A presidência da empresa, a herança, os bens. Meu pai está irredutível. Quer ver responsabilidade. Uma esposa. Ela o olhou como se ele tivesse acabado de propor uma viagem à Lua. — E você pensou em mim? — Pensei em alguém real. Alguém que me viu quebrado e não virou as costas. Você é forte, é inteligente. E confesso que me senti pequeno do seu lado. Isso é raro! Lara cruzou os braços, firme. — Isso é absurdo. Você está me oferecendo dinheiro pra fingir ser sua esposa? — Um ano. Um contrato. Um milhão de reais. Sem obrigações pessoais. Só aparência. — E por que acha que eu aceitaria? Artur ficou em silêncio por um segundo. Então, como se puxasse coragem do fundo da alma: — Porque eu pesquisei sobre você. Sei que você é especialista em educação especial, que trabalha com crianças com autismo. E sei sobre o Gabriel. A dor passou como um relâmpago nos olhos dela. Aquele nome era uma ferida aberta. — O que sabe sobre ele? — Que era seu filho adotivo. Que tem autismo nível três de suporte. —Que você o criou com amor e dedicação por seis anos. —E que foi tirado de você pelo pai biológico e a amante dele. Não creio que seja por amor. Já que a criança estava sobre sua responsabilidade, Mas para te punir. Para te fazer sofrer. Lara apertou os lábios, tentando conter a emoção. As palavras dele não eram cruéis, eram verdadeiras. — Eles levaram o Leo pra frança. Me disseram que ele seria “melhor assistido lá”. Mas eu sei. Sei que ela não o suporta. Que o trata como peso. E mesmo assim, fizeram de tudo pra me arrancar dele. Porque eu fui a mulher que ela nunca conseguiria ser. Artur abaixou o olhar. — Eu posso te trazer o Gabriel de volta. Posso te oferecer poder. E, com isso, e bons advogados você possa lutar por ele de novo. Lara respirou fundo, os olhos fixos em algum ponto no horizonte. — Você está me oferecendo um casamento por interesse. Um teatro. — Estou te oferecendo um contrato. E uma chance. — E como vou saber se é verdade? Que você é esse tal bilionário caído? — Hoje à noite. Jantar na casa do meu pai. Ele vai querer conhecer minha noiva. Você vai ver com seus próprios olhos. Ela hesitou, ainda incrédula. — Isso é loucura. — Talvez. Mas você é a única pessoa que me faz pensar que ainda posso ser alguém melhor. Mais tarde, ao se vestir para o jantar, Lara sentiu uma estranha firmeza no peito. Não era vaidade, tampouco ambição. Era como se, por um momento, estivesse tomando de volta o controle da própria narrativa. Vestiu-se com o único vestido mais elegante que possuía: Azul-marinho, discreto, mas que marcava sua presença. Prendeu o cabelo, passou um batom claro e respirou fundo diante do espelho. A mansão Montenegro era um monumento à opulência. Portões de ferro, jardim perfeitamente aparado, escadarias que pareciam saídas de um filme. A campainha tocou, Artur estava a porta de sua casa simples com a postura impecável e o rosto mais sereno do que ela lembrava. — Está linda. — Está tudo certo com essa loucura? — Está prestes a começar. Ao chegarem na mansão Montenegro, foram recepcionados por empregados uniformizados e o olhar de um homem que impunha respeito apenas com a postura: Josué Montenegro. — Pai te apresento Lara Matos, minha noiva! — Seja bem vinda Lara. Então esta é a moça corajosa que aceitou enfrentar a missão de te modificar Artur? Lara sustentou o olhar. — Sou, senhor. E mais do que coragem, tenho limites. Respeito é um deles. O velho Montenegro riu pela primeira vez em meses. — Já gostei dela. O jantar seguiu com perguntas afiadas e respostas ainda mais afiadas. Lara não tentou impressionar. Foi ela mesma. Falou de sua vocação, da luta pelos direitos de crianças com deficiência, e do amor por Leonardo, sem dramatizar. Quando a noite terminou, Josué Montenegro olhou para o filho e disse, com um tom mais brando: — Essa mulher tem mais caráter do que toda a sua geração junta. Se ainda há salvação pra você, está ao lado dela. Lara, por sua vez, saiu com uma sensação estranha no peito. Não era vitória. Nem derrota. Era o começo de algo que ela ainda não compreendia. Mas que, por algum motivo, não queria evitar.Capítulo 4 – A Inquietação de JosuéO relógio marcava 21h30 quando Josué atravessou o amplo hall da mansão Montenegro, o chão de mármore refletindo a luz amarelada dos lustres antigos. O ar estava pesado, impregnado do perfume marcante de incenso e do eco distante de passos apressados. Ele apertou o paletó contra o corpo, tentando conter o frio que lhe corria pela espinha. Ao seu lado, Artur surgia no corredor, trajando um smoking impecável, mas com uma gravata frouxa e o olhar perdido. A imagem de um homem adulto, rico e inconsequente, despertava em Josué um misto de raiva e preocupação.Desde o jantar de apresentação, as atitudes de Artur o faziam questionar o senso de responsabilidade do rapaz. Ele abrira mão de toda a compostura daquela noite só para encarar um copo de uísque, engolindo goles longos, como quem esperasse encontrar a salvação no fundo da taça. Cada tilintar de gelo agitava a mente de Josué: “Será que ele realmente vai honrar o casamento?” A dúvida o corroía
Capítulo 5 – O Inferno FrancêsA brisa gelada que soprava pelas janelas altas do apartamento em Paris parecia carregar um lamento.Gabriel, de nove anos, sentiu o arrepio percorrer a pele fina dos braços, abraçou-se como para se proteger do frio e das sombras que pareciam se agigantar no teto. O espaço, antes descrito como um refúgio promissor de tratamento, mostrava-se, a cada dia, uma jaula de crueldade e traições.O chão de parquet antigo rangia a cada passo, o teto alto ecoava o som dos móveis deslocados e, nos corredores, o perfume cansado de lavanda escondia odores mais pesados: O bafo de raiva de Raquel, a madrasta designada para cuidar dele. Em sua mente infantil, Gabriel recordava com nitidez a despedida de Lara:Ela tinha lhe dado um ursinho azul e dito para ser corajoso. Agora, a saudade brotava como uma ferida aberta: o coração dele apertava-se em cada recordação do carinho verdadeiro.O dia começara cinzento, quase sem sol. Gabriel acordou com um suspiro de tédio e a
O Grito SilenciosoO apartamento amanheceu envolto por uma névoa úmida. Lá fora, o som distante de sirenes misturava-se ao canto rouco de pombas nos parapeitos. Gabriel acordou antes mesmo dos raios de sol. O braço latejava, mas a dor era menor que o aperto no peito. Os olhos pesados avistaram, na escrivaninha, o vidro de um calmante que Raquel deixara estrategicamente ao alcance, como se fosse uma ordem para mantê-lo calmo.Ele recusou o comprimido, sacudiu a cabeça e tentou ignorar a mão invisível que apertava seu coração. Era sexta, dia de terapia. Mas Raquel disse a Ronaldo, na frente do menino, que a sessão era supérflua que ali, em casa, ela cuidaria.— Ele não precisa de mais uma madrasta babá, declarou Raquel, em tom de conselho. — É coisa da psicóloga, essa choradeira.Ronaldo acenou, desviando o olhar. Gabriel sentiu a humilhação quente como chama. Apertou o ursinho e saiu de casa para caminhar na sacada, pendurado no corrimão metálico. Lá embaixo, a rua parecia um ri
O UltimatoO sol ainda estava tímido no céu quando Artur Montenegro, aos quarenta e três anos, acordou com a boca seca, o gosto amargo da ressaca colado na língua e o zumbido irritante do telefone vibrando sobre a mesa de cabeceira.O quarto de hotel cinco estrelas, ainda mergulhado pela escuridão protetora das cortinas pesadas, cheirava a uísque caro, perfume feminino e decepções repetidas. Mulheres eram odiosamente necessárias. Sempre dizia que quem gostava de mulher eram os gays, homens gostavam de sexo.Ele se espreguiçou, os olhos queimaram ao tentar focar no visor do aparelho. Era o pai.Outra bronca às sete da manhã? Mas que saco. Estou com dor de cabeça, fala logo!— Esta é sua última chance, Artur. Se você não se casar até o final deste mês, perde tudo. Presidência da Montenegro Empreendimentos, parte da herança, os carros, os cartões, tudo!— Casamento? Pai, pelo amor de Deus, isso é um absurdo! —Eu nem tenho uma namorada!— Absurdo é ver o nome da nossa família sendo a
A Centelha da Ideia.Perguntou ainda em pé ao lado da mulher que havia lhe ajudado a pouco. Ela puxou o maço da bolsa, entregou o cigarro e o isqueiro, mas continuou olhando para o nada com os olhos marejados. — Obrigado. Artur se sentou ao lado dela e enquanto compartilhavam o cigarro, contaram histórias que ainda feriam um ao outro.O nome dela era Lara. Professora de crianças com deficiência intelectual. Recém-divorciada, o coração ainda está em pedaços. Contou que tinha descoberto ali que o marido com quem foi casada por oito anos tinha uma amante há cinco. — Ele vai levar o meu filho com eles e nem sei o que mais me machuca, se é a traição dele ou saber que fui uma idiota por tanto tempo. Ela jantava na minha casa, ia comigo ao shopping e eu ajudava ela escolher a lingerie que ela usaria com o namorado. Um sorriso amargo se misturou a lágrima. — O meu marido! Era o meu marido. Artur não tinha ideia do que dizer, achava que a criança ir com o pai era o melhor, assim Lara