O Ultimato
O sol ainda estava tímido no céu quando Artur Montenegro, aos quarenta e três anos, acordou com a boca seca, o gosto amargo da ressaca colado na língua e o zumbido irritante do telefone vibrando sobre a mesa de cabeceira. O quarto de hotel cinco estrelas, ainda mergulhado pela escuridão protetora das cortinas pesadas, cheirava a uísque caro, perfume feminino e decepções repetidas. Mulheres eram odiosamente necessárias. Sempre dizia que quem gostava de mulher eram os gays, homens gostavam de sexo. Ele se espreguiçou, os olhos queimaram ao tentar focar no visor do aparelho. Era o pai. Outra bronca às sete da manhã? Mas que saco. Estou com dor de cabeça, fala logo! — Esta é sua última chance, Artur. Se você não se casar até o final deste mês, perde tudo. Presidência da Montenegro Empreendimentos, parte da herança, os carros, os cartões, tudo! — Casamento? Pai, pelo amor de Deus, isso é um absurdo! —Eu nem tenho uma namorada! — Absurdo é ver o nome da nossa família sendo arrastado pela lama enquanto você torra dinheiro com mulheres e bebidas. —Chega, Artur. Se não apresentar uma esposa em trinta dias, está fora. É minha última palavra. O ruído de que a chamada tinha sido encerrada soou em seguida. Artur ficou sentado na cama, tentando entender se aquilo era um pesadelo ou apenas mais um dia comum na sua vida desregrada. A sobriedade se apresentou como uma tirana. Passou as mãos nos cabelos grisalhos e se levantou, meio cambaleando até o frigobar. Mais uma dose resolveria aquele problema, sempre resolvia. Três dias depois, a discussão havia escalado para um confronto pessoal. Artur foi até a mansão dos Montenegro, disposto a resolver aquilo à sua maneira, com charme e arrogância. O que encontrou, porém, foi um pai decidido e implacável. — VOCÊ VAI SAIR DESTA CASA HOJE, ARTUR. AGORA. — Não está falando sério, pai! Eu sou seu filho. — Estou. Os cartões já estão bloqueados. A conta do banco, também. Vai aprender a dar valor à vida, à responsabilidade. —Quando estiver pronto, com uma mulher ao seu lado, voltamos a conversar e nem ouse me apresentar uma das putas com quem anda saindo. Uma mulher do nível da nossa família Artur. Uma mala foi posta em seu carro, ao menos isso ainda poderia ter. Artur, atordoado, se viu na rua com apenas uma mala, um celular e um carro que, talvez, em breve também seria retirado. Nunca havia trabalhado, não de fato. Costumava tomar decisões, mandar em pessoas e fazer contratações de peso. Ligou para o vice-presidente do grupo Montenegro. — Reinaldo. — Eu sei seu nome, liguei para o seu telefone. — Artur, vejo que seu humor está tão bom quanto a sua reputação. — Nem brinca, preciso que fale com o meu velho. Ele enlouqueceu, estou sem ter onde dormir. — Eu sei, mas para um homem com a sua idade, morar com o pai não deveria ser uma prioridade. Pode começar alugando um flat, tem alguns ótimos na região central. — Boa! Pode me emprestar algum, só até o meu pai voltar a si. Ele vai se arrepender. — Isso não vai dar não. Seu pai vai mandar embora qualquer um que te deixar entrar na empresa ou te ajudar com alguma coisa. Está por conta própria meu amigo. Nos dias seguintes, o que se seguiu foi uma verdadeira espiral de decadência. Motéis baratos, bares de esquina, mulheres que desapareciam antes do amanhecer. Tentava manter o estilo de vida, mesmo sem recursos. Um a um, os cartões deixaram de funcionar. Naquela sexta-feira, a última garrafa foi paga em dinheiro vivo, uma nota de duzentos dólares amassada. Mas assim que estava de saída esbarrou em uma mulher. Não era qualquer mulher, os olhos pareciam conter uma chama de desejo que ele ousou imaginar. O órgão se apresentou para a batalha e ela não recuou. — Perdida princesa? Bêbada Laís respondeu com um sorriso. — Mais do que imagina. — Posso fazer você se perder ainda mais. Que acha da gente conversar lá fora? Depois te levo para casa. Assim, sem rodeios, Laís topou um motel nos arredores da cidade e Artur adorou saber que ainda tinha charme e poder. A noite foi comum, sem muitos mistérios e com bem pouco charme, ela não tinha nada de especial, na verdade a achou até um pouco tímida. Mas no momento de pagar, nada. Nenhum dos cartões passou. Tentou três, quatro vezes. Ficou nervoso, envergonhado. O recepcionista já o olhava com desdém. — Eu pago! A voz fez com que Artur virasse para trás, uma moça com roupas simples e olhos inchados estava esperando para ser atendida. Não parecia o tipo de pessoa que frequentaria um motel. — Não precisa A loira que estava ao lado de Artur jogou cinquenta dólares sobre o balcão. E falou com impaciência. — Metade da conta e faça o que quiser com esse lixo, nem gozei. Não vou pagar a conta toda. Artur ficou irritado, vermelho, mas a desconhecida ao seu lado falou com a voz suave ao recepcionista. — Por favor, cobre os dois quartos daqui. Entregou o cartão e quando recebeu de volta a nota Artur já estava sozinho. Sorriu, tentou o seu melhor, mas não conseguia ir muito além, havia passado a pior noite de sua vida. O marido a levou para aquele lugar e pediu o divórcio. Contou que estava apaixonado pela secretária e que eles iriam se casar. Pretendiam se mudar para a França e levar Leonardo, o bebê que ela havia criado como se tivesse saído do seu ventre, mas infelizmente, era filho do primeiro casamento dele. Focou em Artur, viu o constrangimento daquela situação. — Considere um favor de uma desconhecida. Ela pagou, e ele, sem ter para onde ir, acabou seguindo a mulher. Artur olhou para ela e ficou se perguntando sobre o motivo de uma mulher sair sozinha de um motel e se sentar para fumar em um banco de concreto em uma praça pública. — Pode me dar um trago?A Centelha da Ideia.Perguntou ainda em pé ao lado da mulher que havia lhe ajudado a pouco. Ela puxou o maço da bolsa, entregou o cigarro e o isqueiro, mas continuou olhando para o nada com os olhos marejados. — Obrigado. Artur se sentou ao lado dela e enquanto compartilhavam o cigarro, contaram histórias que ainda feriam um ao outro.O nome dela era Lara. Professora de crianças com deficiência intelectual. Recém-divorciada, o coração ainda está em pedaços. Contou que tinha descoberto ali que o marido com quem foi casada por oito anos tinha uma amante há cinco. — Ele vai levar o meu filho com eles e nem sei o que mais me machuca, se é a traição dele ou saber que fui uma idiota por tanto tempo. Ela jantava na minha casa, ia comigo ao shopping e eu ajudava ela escolher a lingerie que ela usaria com o namorado. Um sorriso amargo se misturou a lágrima. — O meu marido! Era o meu marido. Artur não tinha ideia do que dizer, achava que a criança ir com o pai era o melhor, assim Lara
A Proposta InacreditávelO dia estava cinza, uma bruma leve cobria os prédios altos enquanto Artur Montenegro estacionava seu carro alugado em frente a uma escola pública de arquitetura antiga e desgastada. O homem que antes fora capa de revistas de negócios agora estava parado dentro do carro enquanto observava a entrada de crianças com mochilas coloridas e olhares agitados. Em uma folha dobrada no bolso, lia-se o nome que havia perseguido em pensamentos por dias: Lara Matos.Desceu do carro como se o chão fosse estranho. As calçadas rachadas e os muros rabiscados com frases infantis e corações lembravam-no de um mundo do qual sempre esteve distante, e ele nunca pensou em se aproximar. Mas era ali que ela estava. A mulher que, numa noite qualquer, estendeu a mão sem pedir nada em troca.A secretária olhou com desconfiança para aquele homem de aparência descuidada, olhar perdido.— Posso ajudar?— Estou procurando a professora Lara Matos.— Assunto?— Particular.A mulher avaliou-
Capítulo 4 – A Inquietação de JosuéO relógio marcava 21h30 quando Josué atravessou o amplo hall da mansão Montenegro, o chão de mármore refletindo a luz amarelada dos lustres antigos. O ar estava pesado, impregnado do perfume marcante de incenso e do eco distante de passos apressados. Ele apertou o paletó contra o corpo, tentando conter o frio que lhe corria pela espinha. Ao seu lado, Artur surgia no corredor, trajando um smoking impecável, mas com uma gravata frouxa e o olhar perdido. A imagem de um homem adulto, rico e inconsequente, despertava em Josué um misto de raiva e preocupação.Desde o jantar de apresentação, as atitudes de Artur o faziam questionar o senso de responsabilidade do rapaz. Ele abrira mão de toda a compostura daquela noite só para encarar um copo de uísque, engolindo goles longos, como quem esperasse encontrar a salvação no fundo da taça. Cada tilintar de gelo agitava a mente de Josué: “Será que ele realmente vai honrar o casamento?” A dúvida o corroía
Capítulo 5 – O Inferno FrancêsA brisa gelada que soprava pelas janelas altas do apartamento em Paris parecia carregar um lamento.Gabriel, de nove anos, sentiu o arrepio percorrer a pele fina dos braços, abraçou-se como para se proteger do frio e das sombras que pareciam se agigantar no teto. O espaço, antes descrito como um refúgio promissor de tratamento, mostrava-se, a cada dia, uma jaula de crueldade e traições.O chão de parquet antigo rangia a cada passo, o teto alto ecoava o som dos móveis deslocados e, nos corredores, o perfume cansado de lavanda escondia odores mais pesados: O bafo de raiva de Raquel, a madrasta designada para cuidar dele. Em sua mente infantil, Gabriel recordava com nitidez a despedida de Lara:Ela tinha lhe dado um ursinho azul e dito para ser corajoso. Agora, a saudade brotava como uma ferida aberta: o coração dele apertava-se em cada recordação do carinho verdadeiro.O dia começara cinzento, quase sem sol. Gabriel acordou com um suspiro de tédio e a
O Grito SilenciosoO apartamento amanheceu envolto por uma névoa úmida. Lá fora, o som distante de sirenes misturava-se ao canto rouco de pombas nos parapeitos. Gabriel acordou antes mesmo dos raios de sol. O braço latejava, mas a dor era menor que o aperto no peito. Os olhos pesados avistaram, na escrivaninha, o vidro de um calmante que Raquel deixara estrategicamente ao alcance, como se fosse uma ordem para mantê-lo calmo.Ele recusou o comprimido, sacudiu a cabeça e tentou ignorar a mão invisível que apertava seu coração. Era sexta, dia de terapia. Mas Raquel disse a Ronaldo, na frente do menino, que a sessão era supérflua que ali, em casa, ela cuidaria.— Ele não precisa de mais uma madrasta babá, declarou Raquel, em tom de conselho. — É coisa da psicóloga, essa choradeira.Ronaldo acenou, desviando o olhar. Gabriel sentiu a humilhação quente como chama. Apertou o ursinho e saiu de casa para caminhar na sacada, pendurado no corrimão metálico. Lá embaixo, a rua parecia um ri