O sol já estava mais alto quando Duncan se posicionou na varanda, a expressão impassível e o olhar fixo na trilha poeirenta que levava até sua propriedade. Ao longe, dois cavaleiros se aproximavam. O primeiro, um homem de meia-idade com postura relaxada e um chapéu bem ajustado, tinha mais cara de prefeito de cidade pequena do que de xerife. O segundo, mais jovem, tinha o rosto rígido e os ombros tensionados, visivelmente desconfortável enquanto hesitava em desmontar.Duncan não se mexeu quando eles pararam diante da cerca. Ficou ali, encostado no batente da varanda, os braços cruzados. O vento agitava levemente a aba de seu chapéu, e sua sombra se estendia como uma sentinela até a madeira gasta da escada. Sua presença bastava para manter os dois homens a uma certa distância.— Duncan — disse o homem mais velho, tocando a aba do chapéu com dois dedos. O rapaz ao lado dele ainda não sabia se descia ou não do cavalo, os olhos dançando entre a casa e o companheiro, como se esperasse inst
Duncan permaneceu na varanda até os dois cavaleiros desaparecerem completamente na linha do horizonte. Só então desceu os degraus com um impulso contido, atravessou o quintal num silêncio feroz e foi direto ao poço.A terra ainda guardava o peso dos cascos e a poeira mal tinha assentado quando ele alcançou a tampa. Seus passos, geralmente lentos e deliberados, agora tinham pressa contida — a fúria de um homem que havia sido obrigado a dissimular por tempo demais. O maxilar cerrava, as narinas infladas. O ódio era frio. E concentrado.Sem cerimônia, ergueu a tampa com força, quase arrancando a dobradiça. O som metálico cortou o ar como um trovão. O interior escuro o encarou de volta, e por um instante, ele apenas ficou ali, os olhos se ajustando à escuridão. O cheiro de mofo e umidade subiu, denso, viscoso, como se o poço respirasse de volta.Lá embaixo, Melody estava encolhida, agarrada ao cabo de vassoura atravessado, os dedos entorpecidos. O frio já havia ultrapassado a pele e se in
O aroma do chá se espalhava pela cozinha como um sopro quente num dia de inverno. A chaleira ainda sibilava levemente quando Ida serviu as xícaras com mãos firmes. O vapor subia, formando espirais entre as pessoas em volta da mesa. O ambiente estava aquecido pelo fogo e pela tensão recém-cessada — o tipo de calor que nasce não da tranquilidade, mas da sobrevivência.Melody sentou-se com os cabelos ainda úmidos, vestida com uma roupa de tecido grosso que Ida deixara sobre a cama. As mangas eram longas demais, os ombros um pouco largos, mas traziam o consolo imediato de algo seco e quente. Seus dedos ainda estavam ligeiramente trêmulos ao segurar a xícara, mas ela os escondeu envolvendo o corpo da porcelana com as mãos como se buscasse ali uma desculpa para o gesto.Duncan se sentou à cabeceira, Rose no colo. A menina mordiscava um pedaço de pão enquanto observava todos com seus olhos grandes e curiosos, os cabelos bagunçados colados à testa. Ele parecia calmo, mas o maxilar ainda traba
O dia seguinte amanheceu promissor, o céu limpo e o ar carregado de um calor ameno que parecia convidar à estrada. Após o almoço, Duncan selou o cavalo sem dizer para onde ia e saiu montado com a tranquilidade meticulosa de quem carrega um plano completo na cabeça. Melody o observou partir da varanda, o vulto dele se afastando na trilha até sumir na poeira dourada que o sol projetava.Ida comentou, sem levantar os olhos do pano de prato que torcia:— Foi buscar Bill.Melody não sabia quem era Bill, mas pelo jeito de Ida, ele era importante. A mulher parecia mais aliviada por saber que o cozinheiro estava a caminho do que pela partida antecipada em si.Quando o sol já começava a tombar no horizonte, Duncan voltou. Exausto, empoeirado, com a barba por fazer e alguns embrulhos amarrados na cela. Desceu do cavalo sem pressa, mas com o corpo inteiro denunciando o cansaço. Jantou em silêncio, deu um beijo rápido em Rose e foi dormir cedo, sem mencionar o conteúdo dos pacotes.No final da ta
O sol ainda nem pensava em nascer quando a cozinha da casa grande já fervia de movimento. Ida, com a destreza de quem comandava batalhões famintos, preparava um bule de café do tamanho de um pequeno barril. O aroma forte preenchia cada canto, misturado ao cheiro de couro, poeira e expectativa.Doze homens se espremiam ao redor da mesa maciça: Bill, Billy, Cal e mais nove contratados vindos das redondezas. Homens duros, de fala pouca e olhos treinados para o trabalho pesado. As canecas de café, cheias quase até a borda, o bule passava de mão em mão, enquanto Duncan, em pé à cabeceira, dava as últimas ordens.Melody, escondida no próprio quarto, ouvia cada palavra através da porta entreaberta. O coração batia forte no peito, como se quisesse acompanhar o ritmo da partida.Duncan falava com a voz baixa, mas firme:— Cal e Tom vão na frente. Vocês abrem caminho e mantêm o gado alinhado. Nada de correr demais, não vamos perder cabeça por pressa.Dois homens assentiram. Cal, o de sempre, e
O sol recém-erguido dourava a terra seca, e a boiada já se movia em ritmo moroso, como um rio marrom de corpos vivos. Cada passo dos animais levantava uma poeira fina que flutuava no ar, turvando o horizonte como uma cortina de névoa dourada. Mesmo avançando devagar, o peso combinado do gado fazia a terra estremecer sob as rodas do carroção de apoio.Bill mantinha as rédeas frouxas nas mãos calejadas, os olhos semicerrados contra a poeira. Melody, sentada ao seu lado, puxava o lenço sobre o rosto, ainda tentando se acostumar com o cheiro forte de terra, couro e suor. Havia uma beleza brutal naquele cenário: a marcha constante, a paciência imposta pelo calor, o zumbido das moscas acompanhando o movimento como um coral desafinado.— Devagar, moça — disse Bill, num tom que soava mais como uma filosofia de vida do que um aviso prático. — Se apressa esse bicho, ele perde peso. Gado magro não vale nada em Belmonte.Melody assentiu, absorvendo a lição. A cidade ainda era uma promessa distant
O carroção gemeu sob o peso dos suprimentos enquanto Bill puxava as rédeas até o local indicado por Duncan. Uma pequena clareira de terra batida, com um fio de água lambendo as pedras a alguns metros de distância. O som tímido do arroio parecia zombar da sede que a poeira havia deixado nas gargantas.Bill esticou as costas, soltando um estalo alto.— Hora do batente, Srta. Thorne — disse, descendo com a agilidade de quem já carregara carroções a vida toda. — Esses pobres coitados vão chegar famintos como lobos.Sem esperar resposta, Bill começou a desamarrar os fardos no carroção. Melody hesitou apenas um segundo, então prendeu o cabelo em um coque desajeitado e arregaçou as mangas da blusa.Ela ajeitou a saia, ajustando também a calça que usava por baixo — peças que haviam pertencido a Esperanza. Não sentia mais qualquer escrúpulo quanto a isso. Tinha roupas boas agora, roupas que aguentavam a poeira, o sol e a marcha pesada. E isso era bom. Era prático. Era vida real.Puxou a barra
A refeição tinha sido farta e rápida, mas Melody não conseguia relaxar. Sentada na boleia do carroção, fingia observar o movimento dos vaqueiros ao redor da fogueira, quando, na verdade, mal conseguia se concentrar.A necessidade física começava a se tornar desesperadora.Mordeu o lábio inferior, torcendo as mãos no colo, tentando encontrar coragem para pedir a Bill que a acompanhasse para longe da luz. Não era seguro sair sozinha no escuro, e era ainda menos seguro aguentar por muito mais tempo.Ela ajeitou a saia inquieta, olhou para os lados, medindo a distância até a margem das árvores.Foi quando ouviu passos firmes.Duncan surgiu do nada, como se a tivesse lido de longe. Não disse nada de imediato. Apenas parou ao lado dela, os olhos verdes piscando à luz fraca da fogueira.— Me acompanhe — disse ele, seco como sempre.Antes mesmo que o cérebro de Melody processasse o pedido, o corpo já estava obedecendo. Desceu do carroção, tropeçando um pouco no próprio pé, mas recuperando o e