Melody amou Clide com toda a força de uma jovem apaixonada… e ele a abandonou sem olhar para trás. Perdida na poeira de Encanto, uma cidade esquecida no coração do Velho Oeste, ela não teve escolha senão buscar abrigo na Casa do Sol Nascente, o único bordel da região. Mas, ao contrário do que todos presumiam, ela nunca cruzou aquela linha. Ainda muito jovem quando chegou, foi poupada do destino das outras mulheres e passou os anos trabalhando nos bastidores — varrendo pisos, servindo bebidas, evitando olhares famintos. Só que agora, ela havia crescido, os dotes de mulher surgiram e não dava mais para esconde-los, os olhares estavam ficando insistentes demais, e a proteção que um dia existiu começava a se desfazer. Fugir não era mais uma opção — era uma questão de sobrevivência. E foi assim que, escondida em uma carroça, Melody caiu nos domínios de Duncan Sinclair, o temido dono do Rancho Aurora. O povo de Encanto sussurrava que ele matou a esposa, que era um homem bruto e que agora vivia sozinho, com uma filha recém-nascida e um coração endurecido pelo luto. Talvez houvesse um acordo a ser feito. Um negócio que poderia salvar os dois de seus próprios abismos. Mas se Melody não aprendesse a trancar o próprio coração, o amor poderia arruinar tudo… mais uma vez.
Ler maisO balde de água suja derramou mais uma vez sobre o piso que ela havia acabado de limpar. O líquido imundo escorreu pelas ranhuras das tábuas de madeira, formando pequenas poças que refletiam a pouca luz do fim de tarde. Melody apertou os olhos, cerrando os dentes com força para não praguejar. Não adiantava. Não importava quantas vezes ela esfregasse aquele chão, ele sempre pareceria sujo. Como tudo ali. Como ela mesma.
Num suspiro profundo, ela ergueu o balde mais uma vez. O vestido molhado na barra estava pesado, grudento. Seus cabelos platinados, presos em um coque apertado, grudavam na nuca suada. A faixa enrolada ao redor do peito lhe estrangulava a respiração, castigando os seios em um aperto torturante. Mas era necessário. Tudo isso era necessário.
A dor nos rins pulsava, irradiando pela coluna, e Melody soube que suas regras estavam para chegar. Talvez fosse melhor assim. Qualquer coisa era melhor do que ter que encarar o que poderia acontecer se deixasse de ser invisível. Melhor carregar baldes pesados, esfregar aquele chão maldito e se enfiar na cozinha fumegante. Melhor isso do que o outro tipo de trabalho que as mulheres da Casa do Sol Nascente exerciam noite após noite.
Quando se abaixou novamente para enxugar as velhas tábuas de madeira, um gosto ácido subiu por sua garganta. Clide. A lembrança dele era amarga como fel. Melody sentiu a boca se encher de saliva, um reflexo instintivo de repulsa.
Desgosto.
Desgosto por lembrar da conversa mole de um apostador, de sua voz baixa e sorridente, prometendo coisas que ela queria acreditar, desgosto pelo homem que a vendeu ao bordel de beira de estrada para pagar uma apsota perdida.
Desgosto por ter acreditado no desgraçado.
E agora ali estava ela, adulta, marcada, trabalhando como uma mula num bordel. Limpando, passando, lavando e cozinhando.
Ela torceu o pano com força, espremeu a água suja sobre o balde e soltou um suspiro longo. Quando finalmente terminou de secar o chão, arrastou-se até o espelho do corredor. Precisava verificar se a maquiagem ainda estava no lugar. As mulheres se maquiavam para parecerem belas, mas Melody fazia o oposto. Aplicava lama no rosto para fingir sardas, franzia os olhos para se fingir vesga. Os cabelos? Lavados apenas uma vez por mês. A cada dia que passava, mais se misturava à paisagem.
Ninguém olhava duas vezes para uma garota comum. Uma garota sem atributos.
Quando Clide a abandonou, ela não passava de uma adolescente magrela. E sabia que, para continuar segura, precisava continuar assim. Precisava evitar os olhos de Madame. Se houvesse qualquer beleza nela que pudesse ser explorada, Melody jamais conseguiria fugir.
Mas agora... agora, faltava pouco.
O coração acelerou com a esperança. Anos de trabalho duro, de misérias engolidas em silêncio. E, finalmente, ela tinha quase o suficiente. Logo poderia pegar uma diligência e partir... quse tinha todo dinheiro que precisava para ir pra casa, sentia falta de sua mãe, sentia falta de sua irma menor... e sentia falta de si mesma.
Com essa ideia em mente, ergueu-se com nova determinação. Pegou o balde cheio de água suja e foi até os fundos do bordel para despejá-lo. O cheiro da manhã começava a mudar, o céu se tingia de um alaranjado profundo. Mas algo no ar a fez parar por um segundo.
Um arrepio desceu por sua espinha.
Os olhos sobre ela estavam mais insistentes ultimamente, algo em seu disfarce parecia não fazer mais efeito, talvez fossem as pernas longas e a cintura fina que tentava disfarçar usando vestidos folgados, os homens começavam a olhar para a pequena Melody como se ela fosse algo merecedor de ser visto.
E isso era um problema.
O acampamento estava silencioso, iluminado apenas pela luz amarela e trêmula da fogueira. Um ou outro estalido da madeira molhada rompia o ar quieto, junto com o som dos grilos e o chiado baixo da carne na grelha improvisada. Os homens comiam devagar, conversas curtas, risadas espaçadas, a paz de quem percorreu meio dia de trilha sem nenhum imprevisto. Melody sentia o corpo leve. Aquela paz era rara, mas naquele instante, real.Ela estava sentada sobre uma manta dobrada, o prato de estanho sobre o colo, as botas ao lado. Bill dedilhava sua gaita com notas doces, e Duncan, mais afastado, afiava a faca de carne com movimentos rítmicos e sem pressa.Half estava calado. O olhar dele queimava demais para ser ignorado. Melody percebeu, mas evitou. Fingiu não ver. Não queria chamar atenção nem levantar sombra onde havia luz. O jantar era leve. Raro. Ela o deixaria assim.Quando terminou de comer, esperou um momento. Olhou discretamente para Duncan, que estava ocupado com Cal limpando as sela
A manhã nasceu preguiçosa, com céu limpo e vento manso. O tipo de dia que não tem pressa, que não exige nada, que parece ter sido feito sob medida pra começar de novo.Duncan foi o primeiro a acordar. Como sempre. Como se o corpo dele funcionasse por relógio próprio — um relógio que não tocava sinos nem precisava de luz pra entender a hora certa de levantar. Tomou café sem alarde, ajeitou a sela como quem penteia o próprio cabelo, e mandou que preparassem o carroção para a partida.Melody ainda estava vestindo a blusa quando ele bateu de leve na porta.— Vamos sair logo. É melhor andar enquanto o dia tá fresco.Ela respondeu com um “sim” abafado, mas o coração já batia num ritmo ansioso.Diferente da vinda, agora não havia pressa. Não havia gado berrando, poeira demais, tensão demais. O comboio era menor, os cavalos mais leves, e o destino... o destino agora era casa. E mais do que isso: era um lugar onde ela era esperada. Onde ela tinha nome.Melody subiu no carroção com a ajuda de B
Capítulo 69 — A volta com a cabeça erguidaO sol já pendia torto no céu, com aquele tom laranja queimado de fim de tarde, quando Melody voltou ao hotel. Não havia pressa nos passos dela. Não dessa vez. Billy carregava os pacotes atrás, andando com certo orgulho de estar escoltando a esposa de Duncan Sinclair — ainda que não dissesse isso em voz alta. No fundo, todo mundo na cidade já sabia. E Billy, bem... não era bobo. Sabia reconhecer uma mulher diferente quando via.Melody subiu os três degraus da varanda como se fossem degraus de igreja. Um, dois, três — e ela não sentia mais vontade de desviar o olhar, nem de se encolher. A sombrinha nova, fechada com capricho, balançava leve na mão direita. Os cabelos estavam presos de um jeito simples, mas bonito, com uma fita verde discreta que combinava com o bordado do vestido azul. O vestido, aliás, ganhava nova vida agora que ela o usava como uma escolha — e não como um disfarce.Quando entrou no saguão principal, a sensação foi imediata.
Melody estava nervosa. Muito mais do que gostaria de admitir. Parada na calçada de terra batida diante do pequeno armazém de Belmond, as mãos crispadas no tecido do vestido, sentia a garganta seca e o estômago revolto como se tivesse engolido uma dúzia de borboletas desorientadas. Podia ser o calor, podia ser o dia abafado, mas ela sabia que era mais do que isso. Era medo. Medo de ser reconhecida, de ser julgada, de ser olhada como aquela mulher, a que um dia trabalhou na Casa do Sol Nascente. Seu peito se apertava ao imaginar cochichos, olhares enviesados, algum riso abafado por trás de um lenço floral.Estava arrumada com esmero, vestia o melhor vestido que levara consigo para Belmond — um azul pálido de mangas curtas e saia rodada, com pequenos bordados de linha branca no busto, uma das últimas adaptações feitas por Ida, costureira de Esperanza, inspirada nos modelos mais discretos usados pelas mulheres da igreja local. O vestido não dizia quem ela fora, dizia apenas quem ela queri
Entrar pela porta da frente do hotel sem qualquer tipo de disfarce era algo quase antinatural para Melody. Se fosse sincera consigo mesma — e ela raramente era, pelo menos em voz alta — fazia muito tempo que não passava pela entrada principal de lugar nenhum. Suas chegadas, nos últimos anos, tinham o hábito de serem silenciosas, discretas, quase clandestinas. Portas de fundos, corredores de serviço, cozinhas fumacentas ou estábulos em silêncio eram sua zona de conforto. A entrada principal era território de outras mulheres, daquelas que podiam ser vistas, olhadas, julgadas... desejadas.Mas agora, ali estava. No centro do salão de Belmonte, sob a luz clara de fim de tarde e o som súbito de silêncio, vestida com um vestido improvisado de noiva, segurando o braço de Duncan Sinclair. Casada. Assinada. Nome trocado.O efeito foi imediato. Todos os olhares se voltaram como se alguém tivesse atirado uma moeda no chão de madeira encerada. O burburinho cessou com uma precisão quase crue
Entrar pela porta da frente do hotel sem qualquer tipo de disfarce era algo quase antinatural para Melody. Se fosse sincera consigo mesma — e ela raramente era, pelo menos em voz alta — fazia muito tempo que não passava pela entrada principal de lugar nenhum. Suas chegadas, nos últimos anos, tinham o hábito de serem silenciosas, discretas, quase clandestinas. Portas de fundos, corredores de serviço, cozinhas fumacentas ou estábulos em silêncio eram sua zona de conforto. A entrada principal era território de outras mulheres, daquelas que podiam ser vistas, olhadas, julgadas... desejadas.Mas agora, ali estava. No centro do salão de Belmonte, sob a luz clara de fim de tarde e o som súbito de silêncio, vestida com um vestido improvisado de noiva, segurando o braço de Duncan Sinclair. Casada. Assinada. Nome trocado.O efeito foi imediato. Todos os olhares se voltaram como se alguém tivesse atirado uma moeda no chão de madeira encerada. O burburinho cessou com uma precisão quase crue
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