Capítulo 5
— A patrulha será dobrada imediatamente. Quero guardas nos limites e sentinelas nos pontos altos. — Cael se levantou, a voz ressoando com autoridade. — Preparem uma equipe de rastreadores. Se houver qualquer vestígio de invasão, quero saber primeiro. Outro líder de uma das casas da matilha se aproximou, a voz mais baixa agora. — E quanto a Aurora? Cael o olhou de soslaio, os olhos escurecendo levemente. — Ela é minha Luna. Houve um burburinho leve entre os conselheiros, mas ninguém ousou contestar. O lobo apenas assentiu. — Faremos os preparativos. *** De volta ao quarto, Aurora acordava lentamente. A ausência de Cael ao seu lado foi sentida antes mesmo que ela abrisse os olhos por completo. O lugar era estranho, mas cheirava a ele, madeira, terra molhada, e algo que fazia seu peito doer e aquecer ao mesmo tempo. Ela se sentou com dificuldade, sentindo o corpo ainda fraco. As lembranças voltavam aos poucos. O calor do toque dele. A segurança. As palavras que ele murmurara. Minha Luna. A porta se abriu devagar, revelando um lobo de cabelos escuros e olhos atentos. Jared. — Bom dia, Luna — disse ele, com um leve sorriso respeitoso. — Cael pediu para eu ficar de guarda. Ele precisou ir ao conselho, mas voltará em breve. Aurora olhou para ele, surpresa. — Você me chamou de Luna. — Porque é o que você é. — Jared se aproximou, mas manteve distância respeitosa. — A ligação entre você e Cael é forte. Todos sentimos. Aurora corou, confusa. — Eu… não sei o que isso significa ainda. — Significa que você nunca mais estará sozinha. Nem ele. — Jared inclinou levemente a cabeça. — E que a matilha está com você, mesmo que demore para aceitar isso por completo. Antes que ela pudesse responder, a presença de Cael se impôs no corredor. A porta se abriu e ele entrou, com o olhar imediatamente fixo nela. Jared se afastou discretamente, deixando-os a sós. — Você acordou — disse ele, aproximando-se com passos longos e silenciosos. Ela assentiu, os olhos se encontrando com os dele. — Você voltou. — Eu prometi que voltaria — respondeu ele, sentando-se ao seu lado e pegando sua mão novamente. — Como está se sentindo? — Fraca, mas... segura. Cael sorriu com suavidade. — Sempre, minha companheira. Aurora sentiu o calor se espalhar por seu peito. Pela primeira vez em muito tempo, ela acreditava nessas palavras. E quando ele a puxou suavemente contra o peito, envolvendo-a com seus braços, ela soube que seu lugar era ali. Ao lado dele. A rotina da matilha seguiu com sua rigidez habitual, mas dentro dos muros da residência do Alfa, o tempo parecia ter parado. Cael e Aurora mergulharam num mundo que pertencia apenas a eles, como se o universo lá fora não tivesse pressa alguma de recomeçar. Os primeiros dias foram marcados por silêncio e cuidado. Aurora acordava tarde, sempre envolta em lençóis brancos que carregavam o cheiro de Cael, e ele estava sempre por perto, sentado perto da lareira, lendo relatórios da matilha, ou trazendo refeições com as próprias mãos, recusando-se a delegar aquela tarefa a qualquer um dos empregados. — Você sabe que tem dezenas de lobos para isso, certo? — ela comentou certa vez, com um sorriso fraco, ao vê-lo entrar com uma bandeja de madeira equilibrada nas mãos, carregada de frutas, pão, mel e chá. — Eles não sabem o que você gosta. Eu, sim. — Ele se aproximou, colocando a bandeja sobre o colo dela. — E quero cuidar de você. Era estranho para Aurora, no início. A intensidade com que ele a observava, a forma como ele lia cada mínima expressão sua, como se estivesse gravando cada nuance para nunca esquecer. Mas aos poucos, ela passou a desejar aquele olhar. Cael, por sua vez, era um mistério fascinante. O temido Alfa de Ironfang, conhecido por sua frieza e brutalidade em campo de batalha, transformava-se diante dela. Gentil. Atento. Protetor. Ele falava pouco sobre si mesmo, mas ouvia tudo o que Aurora dizia com uma paciência que surpreendia até a si mesmo. — Você sempre foi assim? Tão calmo? — perguntou ela, certa noite, enquanto os dois estavam deitados no sofá junto à lareira. Ela repousava com a cabeça no peito dele, os dedos traçando linhas invisíveis sobre o tecido da camisa. — Não. — Ele hesitou por um momento, antes de continuar. — Só depois que te conheci. Antes… eu era caos. Fúria. Eu vivia pela força, pela liderança, por manter minha matilha viva e em ordem. Mas você... você me trouxe paz. Aurora ficou em silêncio por um tempo, absorvendo aquelas palavras. O coração dela ainda batia com receio do passado, mas a presença de Cael era como um bálsamo, um lembrete constante de que ela estava, enfim, em terra firme. Eles passaram horas conversando. Aurora contou histórias da infância que conseguia lembrar, sobre como aprendia a fugir e se esconder, como decorava caminhos por instinto. Contou sobre as vezes que pensou em desistir. E Cael... Cael a escutava com os olhos turvos, lutando para não deixar a raiva consumi-lo cada vez que ela mencionava o nome de Lucian ou falava dos grilhões que a prendiam àquela prisão mascarada de aliança. — Eu não sabia que o mundo podia ser silencioso — ela disse, em uma dessas conversas, deitada ao lado dele, os olhos fixos no teto. — Eu só conhecia o medo, o som da respiração presa, o ranger das correntes... Cael se inclinou, beijando sua têmpora com doçura, como quem pede desculpas pelo que o destino lhe causou. — Nunca mais, Aurora. — Ele disse com os lábios contra a pele dela. — Enquanto eu respirar, ninguém encosta em você. E ela acreditava. Porque os olhos dele não mentiam. Os dias se transformaram em noites, e as noites se dissolveram em manhãs calmas. Aurora começou a caminhar pelo quarto com mais força, depois pelo corredor, e logo pelos jardins internos. Cael a acompanhava sempre, mas sem sufocá-la. Ele se mantinha perto, presente, atento, mas nunca forçava nada. Ela ria mais. Ria do jeito rabugento como ele tentava cozinhar ovos, ou das expressões dele quando ela insistia em provocá-lo com pequenas piadas. Ele aceitava tudo, quase com adoração. Até as falhas dela, as inseguranças, as dúvidas. Na manhã do sétimo dia, Aurora acordou antes dele pela primeira vez. Ela o observou dormir, os traços fortes suavizados pela calma do sono. Era bonito. Forte. E, de forma quase impossível, gentil. Ela estendeu a mão e tocou seu rosto. Ele não se mexeu, mas a pele sob seus dedos estava quente. E foi naquele instante que ela percebeu: estava apaixonada por ele. Não pelo instinto. Mas por ele.