CAPÍTULO 3

Finalmente, o movimento cessou, deixando um silêncio ensurdecedor. Abri os olhos e pisquei diante da escuridão que nos cercava. Fiquei presa entre os ferros retorcidos, o cinto de segurança exercendo uma pressão implacável no meu peito. Ao meu lado, mamãe permanecia imóvel, com os olhos fechados, como se estivesse em um sonho.

Mãe! A minha mente gritava em desespero. As minhas mãos se moviam no ar, buscando alívio de uma linguagem que agora parecia inútil. A minha visão ficou turva com lágrimas não derramadas, e um soluço silencioso escapou da minha alma.

Mãe. Gritei por dentro, desesperada.

Ao meu redor, o mundo parecia ter parado. O vento sussurrava através das janelas quebradas, levando consigo a minha felicidade e meus sonhos despedaçados.

Com um esforço monumental, libertei o meu braço e consegui alcançar a fivela do cinto de segurança. Cada movimento era uma batalha contra a dor. Finalmente, com um estalo, o cinto cedeu, libertando-me de seu abraço opressivo. Virei-me para a minha mãe, cada batida do meu coração era uma chicotada que me impulsionava.

Mãe! Agarrei a mão dela, fria e indiferente. Toquei o seu pescoço, não havia pulso, peguei o seu pulso, não havia nada que indicasse que ela ainda estava viva.

Não, não, por favor, mãe.

Chorei inconsolavelmente, a minha mãe, a minha luz, o meu tudo, estava morta, mas me recusei a deixá-la ir. Eu não poderia.

Uma vontade de ferro brilhou em meus olhos enquanto eu lutava para acordá-la. Eu sabia que não podia perdê-la, não agora. Não quando havia tanto pelo que lutar.

De repente, um rangido ecoou por perto, o meu coração disparou, uma mistura de medo e desespero.

O eco dos tiros ainda ecoava no ar enquanto eu dava o meu último suspiro no rosto da minha mãe. Toquei a sua bochecha mais uma vez, desejando que o frio que invadia a sua pele fosse embora como um pesadelo. Senti o vazio crescendo em meu peito e as lágrimas fluindo silenciosamente, incontrolavelmente.

Apesar do medo e da dor, eu sabia que tinha que sair dalo. Era apenas uma questão de tempo até que eles nos alcançassem.

As últimas palavras da minha mãe me vieram à mente enquanto o meu pulso acelerava de forma quase irreal. Eu estava com tanto medo e com tanta dor que ninguém poderia imaginar. E a minha mãe não pôde mais me defender.

Comecei a remover desesperadamente os cacos de vidro da janela. Cada pedaço afiado que eu removia era um triunfo doloroso marcado por pequenos cortes nos meus dedos.

Quando consegui passar pela estreita abertura, um pedaço de vidro atingiu minhas costas. Mordi o lábio até sentir o gosto metálico do sangue, tentando abafar o grito que tentava escapar. Mas essa dor foi um lembrete que manteve o meu instinto de sobrevivência vivo.

Uma vez lá fora, rastejei pelo chão com uma urgência desesperada. A floresta surgiu diante de mim. Eu tropecei de galho em galho, sentindo cada golpe em meus ossos.

De repente, o chão pareceu desaparecer sob mim e eu caí. Rolei morro abaixo, a minha pele encontrando pedras e espinhos que rasgavam impiedosamente. A queda era interminável, deixando-me à mercê da força da gravidade que me puxava para dentro do matagal.

A dor na minha perna e nos meus braços era aguda. Achei que esse era o meu fim e desejei com todas as minhas forças que fosse assim para não ter que suportar a dor profunda de saber que minha mãe estava morta.

Finalmente o meu corpo parou abruptamente, deixando-me abandonado entre folhas e terra úmida. Tentei permanecer consciente, forçando-me a respirar apesar da dor intensa que sentia e do sutil gotejamento do meu próprio sangue nutrindo a terra. Meu choro oprimia meu peito, minha garganta.

Naquele momento, um murmúrio chegou aos meus ouvidos, e percebi que não estava sozinha e que aquilo ainda não havia acabado. Percebi imediatamente as vozes se aproximando.

A floresta era minha única aliada agora, ela continha o resultado desse jogo mortal do destino.

Não havia tempo para lamentar a dor que me dominava, tanto física quanto emocionalmente. Cada batida do meu coração me lembrava da próxima ameaça, enquanto as vozes dos homens se aproximavam, ecoando no ar parado da floresta.

Agachei-me, sentindo cada fibra do meu corpo protestar, e procurei desesperadamente por um lugar seguro, um esconderijo que me escondesse daqueles que me perseguiam. As folhas estalavam sob os meus pés enquanto eu tentava não fazer barulho, cada barulho era uma potencial indicação da minha presença.

Ao longe, destacava-se uma árvore antiga, com uma cavidade na lateral grande o suficiente para alguém do meu tamanho e constituição física. O meu coração saltou de alívio momentâneo. Não era grande coisa, mas era alguma coisa.

Com minhas últimas forças, avancei em direção à árvore, escorregando ao entrar na estreita cavidade que me oferecia abrigo. O interior cheirava a terra úmida e seiva.

Eu me encolhi no escuro, abraçando os joelhos contra o peito. Cobri a boca com as mãos, com medo de que até a minha respiração pudesse me trair. A opressão do medo me envolveu, e o mundo exterior parecia desaparecer atrás das paredes de madeira que me protegiam.

As vozes estavam se aproximando, inconfundíveis e perigosas. Rezei em silêncio, com os olhos bem fechados, esperando que não me encontrassem. Revivi as memórias que me mantiveram viva: o riso da mamãe, a sua ternura, cada momento passado ao seu lado, e chorei, chorei silenciosamente.

Agarrei-me à esperança com todas as minhas forças, rezando ao Deus que tantas vezes questionei, desejando que naquele exato momento a sua proteção me alcançasse, que o seu manto caísse sobre mim, fazendo com que aqueles homens passassem por mim.

O tempo se arrastava naquele abrigo improvisado. Cada segundo que passava era um presente ilusório, mais um breve momento que eu poderia manter seguro. Os passos se aproximavam, os murmúrios eram um lembrete da ameaça que representavam.

‍‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌‌O tempo no meu esconderijo passou como um sussurro eterno, cada batida do coração ressoando como um tambor. Finalmente, quando as vozes desapareceram na distância, ousei me mover. A cada movimento, os meus músculos protestavam, um lembrete persistente do perigo que eu havia corrido.

Fiquei sentada encurvada por um momento, permitindo que uma segurança momentânea penetrasse o meu ser. O chão sob os meus pés tremia levemente, como se a própria floresta estivesse prendendo a respiração ao meu lado. No entanto, eu sabia que o tempo era meu inimigo e que ficar lá por muito tempo era um luxo que eu não podia pagar.

Saí da árvore, meus passos testando o chão com cautela. Olhei ao redor, meus olhos se ajustando ao exterior mais uma vez e com profundo alívio, notei que os homens tinham ido embora, pelo menos pensei que o perigo havia acabado.

Respirei profundamente o ar fresco que se misturava ao cheiro da terra úmida. Mas no meio desse alívio, uma dor aguda surgiu de repente na minha têmpora, turva e ardente.

Agarrei a cabeça com as mãos, o mundo começou a girar, como se a terra quisesse me devorar, me fazer sua. Minha visão ficou turva, girando até que tudo ficou escuro. Senti o meu corpo ceder sob o peso da escuridão, o chão avançando para me receber. Cada pensamento foi arrancado da minha mente, deixando-me sozinha no abismo.

Quando acordei, senti um peso imenso nas pálpebras. Tentei abri-las lentamente, mas os meus olhos não se acostumavam com a luz do quarto. As paredes brancas me cercavam, um “mundo” clínico que contrastava com a escuridão da floresta. A minha respiração acompanhava o som rítmico das máquinas. O cheiro do remédio e o sinal sonoro fraco tornaram a minha nova realidade evidente: eu estava em um hospital.

Cada respiração trazia consigo perguntas sem respostas e uma dor aguda que percorria o meu corpo. Tentei me mover, mas os fios que saíam do meu braço me prendiam à cama. Obriguei-me a ficar parada, permitindo-me lembrar de como cheguei ali.

Naquele momento, um silêncio tenso e familiar foi quebrado enquanto o meu olhar vagou para o final da cama. A figura do meu pai, ereto e carrancudo, gradualmente se tornou mais clara. A sua presença confirmou o que eu temia: não tinha sido um sonho, era tudo real.

A sua expressão refletia uma luta interna entre preocupação e distância, uma dicotomia que sempre definiu o nosso relacionamento.

Ele não disse nada a princípio, os seus olhos explorando os meus como se procurassem respostas que eu nem sabia. Eu lutava para lembrar quem me trouxe aqui.

Pai. Tentei sinalizar para ele de alguma forma.

— Verena. Foi tudo o que ele disse.

Ele se aproximou, ficando de pé ao lado da cama, com as mãos quase me tocando. Mesmo que ele não o fizesse, a sua proximidade era uma oferta silenciosa de conforto que eu não ousava aceitar.

Eu queria pedir-lhe muitas explicações, mas minhas forças me faltaram.

Mãe. Eu sinalizei. Eu odiava ser muda, queria gritar e falar com o meu pai, mas nada saía dos meus lábios. Ele olhou para mim com olhos vermelhos e inchados.

— Você deve ser forte, pequena, a sua mãe não sobreviveu ao acidente. Ele respondeu, com a voz rouca e quebrada. Senti um vazio imenso no peito, como se uma parte de mim tivesse sido arrancada. Lágrimas escorriam pelo meu rosto enquanto eu balançava a cabeça em descrença.

Não foi um acidente, pai. Eu queria gritar a plenos pulmões. O meu pai apenas olhou para mim, como se se tivesse entendido o que eu queria dizer. Ele nunca entendeu.

— Claro, Verena, foi um acidente. Os pneus da caminhonete estouraram, ela capotou e você foi jogada pela janela, enquanto a sua mãe ficou presa. Ele explicou em voz baixa, como se estivesse tentando me convencer de algo que não era verdade. Mas eu sabia, eu sentia isso bem no fundo. Havia algo mais, algo que ele não estava me contando.

Eles começaram a atirar na gente. Havia outros homens que não eram os nossos guardas. Eles me perseguiram pela mata. Eu caí do penhasco. Eu sei o que aconteceu. Não sou louca, pai. Eu disse, movendo os dedos apressadamente. O meu pai, sem dizer nada, levantou-se da cama onde eu estava deitada e me deu as costas.

O silêncio no quarto ficou ainda mais denso, carregado de segredos e mentiras. Senti um arrepio percorrer o meu corpo quando vi sua reação. Eu sabia que ele tinha entendido. Por que ele não acreditou em mim? Por que ele se recusou a aceitar a verdade? A sensação de desamparo tomou conta de mim quando percebi que estava sozinho nessa.

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