A viagem de volta para casa da costureira foi silenciosa enquanto os homens do papai nos guardavam. Estávamos sempre vigiadas, nunca saíamos sem proteção. Quem era o papai? Eu me faço essa pergunta todos os dias desde que consegui pensar razoavelmente, mas ninguém me deu uma resposta real. A resposta é sempre "Um homem importante"
Mas o vestido, que eu ainda segurava carinhosamente nas pernas, me lembrava da vida linda que papai e mamãe me deram durante esses dezoito anos.
Toquei o tecido macio, acariciei-o com os dedos e pensei em como seria ser uma adulta.
Procurei o olhar da minha mãe. Ela sorriu para mim, mas por trás daquele sorriso havia uma tristeza que ela não conseguia esconder. O meu coração se apertou de preocupação e fiz sinal para dizer que eu a amava.
Sem dizer nada, mamãe estendeu a mão e acariciou o meu rosto com os seus dedos quentes antes de depositar um beijo em minha bochecha, perto das sobrancelhas, onde apareceram as minhas primeiras linhas de expressão, produto de tantas emoções conflitantes.
Fechei os olhos, querendo guardar aquele gesto na memória. Os seus lábios formaram as palavras que eu tanto desejava ouvir: estou feliz porque hoje você está se tornando uma adulta. Mas, a sua expressão dizia o contrário, expressando medos que ela não compartilhava comigo.
Enquanto olhava pela janela, pensamentos sobre o meu pai tomaram conta da minha mente. A sua vida era um enigma que eu nunca consegui entender completamente. Havia rumores e sussurros na vila, sussurros que sugeriam que ele estava agindo de forma desonesta, coisas sobre as quais ninguém falava abertamente. Mas eram apenas rumores. E, no entanto, lá estava ele, garantindo que sempre tivéssemos o que precisávamos.
De repente, um som seco e perturbador perfurou a tranquilidade do ar. Foi um tiro. Seguido por outros. A caminhonete parou bruscamente e a minha mãe instintivamente me abraçou, a sua expressão congelada em uma careta de terror. Virei rapidamente a cabeça para o vidro traseiro, tentando entender o que estava acontecendo.
Através do vidro, vi como o veículo que nos protegia havia sido atingido. O carro estava balançando na beira da estrada. Os guardas, que até pouco tempo nos forneciam proteção, estavam agora presos em um veículo que explodia impiedosamente.
Cobri a boca com a mão e minha mãe engasgou ao ver isso.
O meu coração batia freneticamente, cada batida parecia um tamborilar ensurdecedor em meus ouvidos. Senti a necessidade de agir, mas, o meu corpo não respondeu ao comando da minha mente. Mamãe me segurou firmemente, tentando incutir em mim uma calma que ela mesma parecia não possuir.
O motorista acelerou novamente, e a ordem do companheiro ao lado era urgente. O motorista manobrou a caminhonete para tentar resolver o conflito, e a velocidade com que estávamos viajando de repente era insuportável.
— Baixem a cabeça, não se levantem. Gritou o guarda ao lado do motorista. Mamãe gesticulou rapidamente em direção a ele, desesperada para nos guiar para um lugar seguro. Os seus lábios se moviam incessantemente, murmurando uma prece que só ela conseguia ouvir em meio ao tumulto.
Meu olhar fixo em nossos arredores. Meu coração batia tão rápido que parecia que ia explodir.
A caminhonete acelerou o mais rápido que pôde, e eu segurei o assento com mais força. Todos os meus sentidos estavam despertos, a energia do medo percorria todo o meu corpo. Tudo o que eu queria naquele momento era que estivéssemos seguros.
Mãe. Tentei dizer, mas nada saiu dos meus lábios. Eu não conseguia nem gritar. Mamãe entendeu e se agarrou a mim como um escudo.
— Tudo ficará bem, meu raio de sol.
O tiroteio parecia interminável, nossos movimentos rapidamente se coordenavam com os do motorista, mas nada acalmava a tempestade que se formava em meu peito. Umedeci meus lábios, tentando processar o que estava acontecendo.
A luta pela sobrevivência havia começado, e eu sabia que aquele dia, aquele exato momento, marcaria para sempre o curso de nossas vidas.
— Escute-me com atenção, Verena, não importa o que aconteça, fuja e se esconda, não olhe para trás, não se preocupe comigo. Lágrimas escorriam dos meus olhos como cachoeiras, neguei as palavras da mamãe. Ela segurou minha cabeça entre as mãos.
— Você vai ficar bem, Verena, eu te amo, meu raio de sol, sempre estarei com você onde quer que eu esteja.
Mãe, não, por favor, mãe, não me diga isso, eu imploro. eu queria gritar para ela, mas apenas os meus dedos se moviam para tentar transmitir a minha angústia, meu desespero. Era como se ela soubesse o que iria acontecer.
— Você é forte, meu sol, muito forte. Ela beijou a minha testa. Senti como se fosse uma despedida e me recusei a aceitar.
Tudo aconteceu tão rápido que mal tive tempo de reagir. O som estridente do tiro ecoou pelo ar, e o motorista caiu para a frente, com o corpo mole contra o volante. O cara ao seu lado tentou dirigir, mas não adiantou.
Naquele momento, o eco das balas atingiu o alvo nas rodas do caminhão e eu soube que nosso destino estava em jogo.
Mamãe gritou com um desespero que cortou o ar, e embora eu não conseguisse emitir nenhum som, dentro de mim eu também gritava com um medo primitivo que me consumia. Senti a sua mão segurar a minha, buscando uma conexão que pudesse nos sustentar diante do abismo que se abria diante de nós.
O veículo perdeu o controle e capotou com uma violência assustadora. Cada curva era um turbilhão de metal e caos, enquanto nosso mundo inteiro desmoronava. Segurei o cinto de segurança com todas as minhas forças, fechando os olhos e desejando que tudo aquilo fosse um pesadelo do qual eu queria acordar.