A fiel do traficante
A fiel do traficante
Por: Bruna Mattos
1- GABRIELA

Capítulo 1

GABRIELA NARRANDO

Eu sou a Gabriela, tenho 21 anos. Fui criada pela minha avó materna, a única família que conheci de verdade. Minha mãe morreu no parto… e sobre meu pai, ninguém nunca me contou nada. Até que um dia, escondida atrás da porta, ouvi minha avó conversando com a vizinha. Elas falavam baixo, mas eu escutei: meu pai era casado… e traficante. Desde então, tentei arrancar alguma coisa da minha avó, mas ela sempre fugia do assunto como quem foge do diabo.

Com 16 anos, larguei os estudos pra trabalhar e ajudar em casa. Consegui um emprego de garçonete numa lanchonete do shopping e foi lá que conheci Lucas. Ele ficou encantado comigo, ele dizia que eu tinha um rosto angelical e um corpo de parar o trânsito. Me ofereceu um trabalho como modelo fotográfica. No começo, recusei. Mas quando vi o valor do cachê… aceitei.

O dinheiro mudou nossas vidas. Consegui manter a casa, pagar o tratamento da minha vó, que tava lutando contra um câncer, e ainda comprei uma casa maior. Eu tava conseguindo dar conforto pra ela, e isso me dava força pra continuar.

Minha melhor amiga se chama Mayra. Foi criada comigo, tipo uma irmã. Um dia, ela me convenceu a ir num pagode e lá eu conheci Guga, conhecido como Terror. Bastou um olhar. O coração disparou. Trocamos números, começamos a conversar… e em pouco tempo, a gente tava namorando.

Naquela época, Guga era só um vapor, um cara do corre, mas bom de coração. Fazia tudo por mim. Quando minha vó faleceu, fui morar com ele. Uns meses depois, teve uma invasão no morro. O dono e o sub foram mortos. Guga era o braço direito, tava na linha de frente, e acabou assumindo o comando.

Mas junto com o poder… veio a mudança.

Guga virou outro homem. Ciumento, possessivo, paranoico. Me proibiu de trabalhar, de sair, de ter amigas. Comprou a melhor casa do alto do morro, cercou com muros altos, colocou seis seguranças… e me prendeu lá dentro. Eu virei prisioneira do homem que eu amava.

Hoje o dia amanheceu ensolarado. Lindo. Caminhei até a sacada do quarto e olhei pro morro, tentando entender em que momento eu perdi o controle da minha vida. As lágrimas vieram sem pedir licença.

Foi quando ele entrou.

— Tá chorando de novo, Gabriela? Já falei que não gosto de te ver choramingando por aí — ele disse, com aquela cara de mal que me dá arrepios.

— Quando eu vou poder sair de casa, Guga? Eu não aguento mais ficar trancada aqui. Eu vou enlouquecer…

— Tu não vai pra porra de lugar nenhum! Tu é minha mulher e vai ficar aqui, caralh*! Todo dia tenho que repetir isso pra tu?

— Onde foi que eu errei, hein? Eu nunca te fiz mal nenhum! Sempre te amei, sempre estive do teu lado… e você me tranca, me trai, me destrói! — gritei, chorando.

— É melhor tu calar a boca, Gabriela… senão eu acabo quebrando tua cara logo cedo.

Ele saiu batendo a porta. E eu… fiquei ali. Chorando. Me sentindo morta por dentro. Às vezes, acho que morrer seria mais fácil.

Depois que o Julio saiu de casa batendo a porta, o silêncio ficou ensurdecedor. Me arrastei até a cozinha, coloquei a água pra ferver e preparei um café. Cortei um pedaço de cuca que tinha sobrado de ontem e comi devagar, tentando empurrar a angústia junto com cada mordida.

Terminei o café e, como sempre, comecei a rotina de limpar a casa. Lavei o chão, passei pano nos móveis, recolhi a roupa do varal, botei outra pra bater. Quando deu meio-dia, fiz arroz, feijão, ovo frito e salada… e sentei sozinha à mesa, como todos os dias. O Julio quase nunca vem almoçar. Ele prefere comer na casa das amantes, onde não precisa olhar na minha cara.

Lavei meu prato, guardei a comida, e fui direto pro quarto. Me joguei na sacada e fiquei ali… observando o morro aceso lá embaixo, com as luzes dos barracos, os sons da quebrada e o céu pintado de laranja e roxo. Era bonito… mas parecia um presídio disfarçado.

Fiquei pensando em tudo que larguei por ele. Minha vida, meu trabalho, minha liberdade. Larguei a casa que comprei com o dinheiro das fotos, larguei minha amiga Mayra, a única pessoa que se importava comigo. Hoje, vivo trancada, sem celular, sem rede social, sem ninguém pra sentir a minha falta… nem mesmo eu me reconheço mais.

Mas hoje… alguma coisa dentro de mim acordou. Eu preciso sair daqui. Fugir. Viver. Recomeçar.

Lembrei que ainda tenho um dinheiro guardado na minha conta. Grana que juntei na época que modelava. Dá pra eu me virar por um tempo. Só preciso encontrar uma brecha. Uma chance.

Fui pro banho e deixei a água escorrer no meu corpo como se pudesse levar embora o medo. Quando saí, vesti uma legging preta, um cropped soltinho e prendi o cabelo num rabo de cavalo. Calcei um tênis branco, simples, silencioso. O céu já tava escuro… e o Terror ainda não tinha voltado.

Sabia que era agora ou nunca.

Peguei uma mochila e coloquei duas mudas de roupa, minha nécessaire com escova, desodorante e o pouco de maquiagem que ainda me restava. Fui até o cofre dele, que eu conhecia a senha de cor, e retirei um bolo de dinheiro. Enfiei tudo na mochila com as mãos tremendo. O coração parecia que ia sair pela boca, mas a coragem empurrava meu corpo.

Fui até a porta dos fundos, onde a câmera não pegava direito, e observei o comportamento dos vapores da segurança. Estavam distraídos, conversando entre si. Um deles mexia no celular. O outro tava fumando.

Era agora.

Abri a porta devagar, o mínimo possível pra não fazer barulho. Desci a escada por dentro, usando as sombras da lateral da casa, e segui pelo beco estreito que dava pra viela dos fundos. Caminhei sem olhar pra trás, com o peito explodindo de medo, mas com a certeza de que nunca mais queria voltar.

Desci devagar pro primeiro andar, com o coração batendo tão alto que parecia que os vapores lá fora iam escutar. Fui até a cozinha, respirei fundo e segui até a porta dos fundos. Abri com cuidado, em silêncio, só o bastante pra passar. O ar da noite me deu um arrepio, mas eu nem sabia se era de frio ou de medo.

Fui até o fundo do quintal e arrastei uma cadeira até o muro dos fundos — o único lugar sem câmera. Me apoiei nela e me estiquei toda pra olhar por cima. Vi dois vapores do Julio parados perto da entrada principal, conversando e rindo baixo, provavelmente distraídos com alguma besteira.

Fiquei ali observando, parada, esperando a hora certa. Minhas mãos tremiam tanto que precisei respirar fundo umas três vezes. Quando percebi que os dois estavam indo pra frente da casa, me movi. Apoiei o pé no encosto da cadeira, segurei firme no topo do muro e me empurrei com força.

Pulei.

O impacto foi seco, o chão duro e irregular. Um dos meus pés virou na hora, e senti uma dor aguda subir pela perna.

— Ah, merda… — sussurrei, mordendo os lábios pra não gritar.

Mesmo com a dor latejando, eu não podia parar. Era agora ou nunca.

Levantei mancando, sentindo o tornozelo pulsar, e corri do jeito que dava, apoiando mais num pé do que no outro. Me embrenhei no mato que ficava atrás do morro, sem olhar pra trás. Os galhos arranhavam meus braços, minha blusa enroscava em tudo, mas eu só pensava em uma coisa: liberdade.

O mundo parecia girar, e a respiração vinha curta. Mas eu segui. Correndo. Fugindo. Sobrevivendo.

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