Antonella Bellini
Dois anos depois
Já passava da metade da manhã quando o som dos saltos de Scarllet ecoou pelo corredor. Ela corria apressada pela casa, transbordando energia. — Ele está vindo! — gritou, com entusiasmo tão vibrante que me fez erguer os olhos do livro. Parecia prestes a tropeçar nas próprias pernas de tanta agitação. A alegria de Scarllet era inconfundível.
Com seus cabelos loiros claros e olhos azul-oceano arregalados, ela parecia mais animada do que nunca. O celular em mãos mal conseguia esconder a empolgação.
Deitada no chão da sala, tentava me manter concentrada no livro Como Convencer Alguém em Noventa Segundos. Apesar de ser a mais velha, era Scarllet quem transformava qualquer acontecimento em um espetáculo, como uma adolescente em dia de festa.
— Ele está voltando! — repetiu, como se mal acreditasse.
A minha dúvida era: quem? Com Scarllet, qualquer chegada ganhava ares de evento histórico, e eu sinceramente não compartilhava do mesmo ânimo.
Lancei-lhe um olhar breve, tentando voltar ao livro. Mas sua empolgação era contagiante demais. Sabia que se tratava de Geovani, seu eterno noivo ausente, o homem que ocupava seus pensamentos e conversas — mas não, sua presença nunca havia sido uma realidade palpável.
— Scarllet, calma — falei, tentando manter o foco. — Quem é esse "ele" que está voltando? — perguntei, fazendo um gesto com as mãos para marcar a importância da pergunta.
Ela me olhou com ainda mais brilho nos olhos, os saltos batendo impacientes no piso. Nossa mãe entrou na sala, vindo da cozinha e secando as mãos no pano de prato.
— O Geovani! O Geovani, irmã, mamãe, o Geovani está de volta! — anunciou como se o mundo estivesse prestes a mudar.
Soou como déjà vu. A cada semestre, Geovani "voltava", e os encontros sempre se desvaneciam. Para mim, era só mais um capítulo de uma história de amor não correspondido.
Segurei o livro com mais firmeza. Mamãe sorriu, tentando conter a empolgação da filha. A casa estava em festa. Eu, por outro lado, me deitei novamente no tapete, afastando-me mentalmente da euforia.
— Filha, calma! — disse minha mãe com paciência, paciência essa que já me escapava.
— Ella? Você não está feliz? — perguntou Scarllet, com aquele tom que esperava reciprocidade.
— Vejo que é importante para você — respondi, tentando não soar fria. — Espero que desta vez tudo dê certo — falei, folheando para a próxima página.
— Claro que vai! Ele está vindo, mãe, ele está vindo! — disse Scarllet com urgência. Tudo bem, eu compreendia: ela queria se casar, ter uma penca de filhos e, finalmente, tornar-se a Sra. Ferreti.
— Vai sim, meu amor, claro que vai! — Mamãe respondeu, sorrindo para Scarllet, mas me lançando um olhar firme, como se quisesse me convencer também.
— Óbvio que vai! — completou, ignorando minha expressão de ceticismo. Já sabíamos.
Scarllet sorriu ainda mais, radiante, e correu para o quarto, provavelmente para preparar cada detalhe da recepção. Suspirei e olhei para minha mãe, que permanecia parada, me observando.
— Você não acredita mais que ele venha, não é? — perguntou com preocupação.
Três anos de noivado e Geovani nunca apareceu. Nem ao enterro do próprio pai compareceu. Se ele surgisse agora, ainda estaria em atraso.
— É um pouco difícil — respondi, voltando ao livro. Por mais que ame minha irmã, a arte da persuasão parecia mais confiável que a presença de Geovani.
Mamãe me olhou com um misto de tristeza e resignação. Eu entendia a necessidade de Scarllet de acreditar, mas para mim, a ausência dele era uma lembrança constante de que promessas são fáceis de fazer.
Enquanto tentava retomar a leitura, os pensamentos me levaram ao verdadeiro caos que assolava a cidade desde a morte do Don.
Sem sua liderança, a cidade mergulhou em desordem. A ausência de comando criou um vácuo que logo foi ocupado por um grupo rival — se é que se pode chamá-los assim. Eram apenas oportunistas, sem visão, sem honra. Aproveitaram-se da fragilidade do momento para instaurar um reinado de terror.
As regras antigas, que mantinham o equilíbrio entre as famílias, foram ignoradas. Territórios disputados, extorsões, violência e desordem se tornaram o novo normal. A estrutura que antes funcionava com precisão, agora era apenas um monte de escombros em chamas.
O comércio local sofria, as alianças ruíam. A cidade estava à deriva. Sem um Don, sem leis. Apenas medo.
Mas nas sombras, começaram a se formar pequenos núcleos de resistência. Facções descontentes, herdeiros esquecidos, aliados em silêncio. Tudo se preparava para uma nova era. Um novo jogo de poder. A pergunta era: quem seria capaz de virar o jogo?
A chegada de Geovani podia representar essa mudança. Se ele tivesse a inteligência e a frieza do pai — o que ainda era uma incógnita — talvez houvesse esperança. Mas tudo ainda era muito incerto.
Enquanto isso, dentro de casa, a agitação de Scarllet se intensificava. Sua ansiedade, ainda que compreensível, se tornava insuportável. Eu só queria um dia tranquilo com meu livro, e ela estava transformando tudo em um espetáculo nervoso.
Com a chegada iminente da futura sogra, Scarllet fazia idas e vindas pela casa. A tensão acumulava. Decidi que era hora de sair. Pela minha sanidade mental e pela paz do meu dia.
Peguei meus pertences e saí. Caminhei pelas ruas em busca de refúgio — um lugar onde pudesse finalmente respirar.
Apesar de tudo, a cidade ainda escondia pequenos oásis de tranquilidade. Encontrei um café discreto entre os prédios e me sentei em uma mesa isolada. Precisava de silêncio. Precisava de mim.
E enquanto o aroma do café preenchia o ar e as páginas do livro se abriam diante de mim, por um momento, esqueci Geovani, a máfia, e até mesmo Scarllet. Pelo menos por agora.