A floresta estava viva. Galhos se retorciam como serpentes antigas, e a névoa dançava entre as árvores feito véus de um ritual proibido. Darius, agora em forma humana, avançava com dificuldade. Cada passo doía como se a terra o testasse.Mas ele sentia. Sentia ela.O cheiro de Aurora estava por toda parte — um aroma agridoce, mistura de flor e sangue. O sangue que ele conhecia melhor que o próprio.Ele emergiu na clareira e... parou.Aurora estava ali. No trono de raízes, cercada pelos membros da Matilha da Lua Negra. Ela usava um manto prateado que reluzia sob a luz da lua, os cabelos soltos como uma cascata negra. Os olhos, antes cheios de brilho e calor, agora eram intensos, duros. Quase frios.Mas o coração dele soube: a alma dela ainda gritava por ele.— Aurora... — ele chamou, a voz rouca de emoção e cansaço.Os guerreiros da Lua Negra se ergueram, mas não avançaram. Um deles — Velho Sangue — fez apenas um gesto com a mão, sinalizando que o laço era intocável.Aurora se levantou
A floresta parecia dormir, mas Aurora não. Havia dias que sua alma oscilava entre a sombra e a luz, entre o que lembrava ser e o que estava se tornando. O treinamento da Matilha da Lua Negra a forjava como ferro sob fogo. A dor era constante, os limites, testados a cada passo. Mas nada era pior do que o vazio que crescia dentro de si.Não o vazio da ausência.Era... poder.Poder que pulsava, se retorcia por baixo da pele. E que, naquele instante, ameaçava escapar.Aurora andava em círculos entre as árvores antigas, sentindo o peso do mundo nos ombros. O frio da noite colava-se à pele úmida de suor, os olhos marejados, o peito em guerra.Ela parou, pressionando o ventre.Um leve calor subiu por dentro, como uma carícia... mas logo se tornou uma pressão brutal. Como se algo dentro dela se recusasse a ficar em silêncio.— O que você está fazendo...? — sussurrou, os olhos arregalados.E então veio o grito.Não o dela.Mas do bebê.Um rugido mudo, um eco ancestral, atravessou o corpo de Aur
O novo território se erguia entre dois vales sagrados, onde a lua parecia mais próxima e a terra pulsava com energia antiga. Um espaço neutro, mas carregado de significado — o ponto de equilíbrio entre a Matilha de Darius e a temida Matilha da Lua Negra. Um lugar onde o passado seria enterrado e o futuro, forjado.As duas matilhas, antes inimigas ou, no mínimo, estranhas entre si, agora dividiam o mesmo ar. Os olhares ainda eram desconfiados, mas ninguém ousava questionar a união. Não quando Aurora andava entre eles com a postura de uma rainha em ascensão e Darius, ao lado dela, como o alfa forjado em batalha que sempre foi.A cerimônia aconteceria sob a Lua Cheia. Era o tempo perfeito, o ciclo completo, o símbolo da plenitude.Os anciãos das duas matilhas estavam reunidos, cada um com vestes cerimoniais, entalhadas com runas esquecidas. O altar era simples, feito de pedra e raízes antigas. Mas o que pairava ali não era simplicidade: era poder.Aurora vestia branco. Não o branco puro e
Quando os dois uniram as mãos ensanguentadas no centro do círculo, o mundo pareceu parar.O sangue de Aurora — espesso, escuro, pulsante como tinta viva — escorreu lentamente pelo pulso dela, misturando-se ao de Darius, que era mais claro, avermelhado como brasas recém-acesas. Ao se encontrarem, o líquido borbulhou, soltando uma fumaça prateada que subiu no ar como um feitiço antigo despertando de um sono profundo.O chão sob seus pés tremeu. Não uma vibração comum, mas um estremecer antigo, como se a própria terra reconhecesse a união de algo que nunca deveria ter se misturado.Do centro do círculo sagrado, raízes começaram a brotar, retorcidas, negras como carvão, se enroscando ao redor dos dois, formando uma espécie de casulo sagrado. A lua acima deles intensificou o brilho, pintando a cena com um tom sobrenatural. As sombras dançavam em volta, como se os próprios espíritos ancestrais observassem aquele momento.Aurora arqueou o corpo de repente, como se uma força invisível rasgass
A cerimônia mal terminara, e o ar ainda estava impregnado da energia selvagem da marca quando Aurora se viu diante da nova realidade: ser rainha não era só ser adorada — era ser julgada, observada, testada. E ela sentia isso no olhar de cada guerreiro, no silêncio tenso entre as duas matilhas agora unidas sob o mesmo território.A clareira que antes servira de palco para a união, agora era o cenário de uma reunião de liderança.Aurora estava sentada ao lado de Darius no grande círculo de pedra onde os alfas antigos tomavam decisões. Mas diferente de antes, agora ela não era mais uma forasteira. Era uma igual. Ou pior — uma ameaça disfarçada de milagre.— Precisamos realocar os grupos de caça e vigia. Os territórios da fronteira sul ainda são vulneráveis — disse um dos betas, tentando manter o tom neutro, mas seus olhos não disfarçavam o desconforto de se dirigir à nova rainha.— Que enviem os lobos mais experientes para o sul. Os mais jovens devem permanecer no centro, protegendo os f
A cena se passa após a cerimônia de união, quando finalmente os dois têm um momento só deles, longe dos olhos da alcateia, agora como Rei e Rainha.A noite caíra espessa sobre o novo território. A lua cheia pendia alta no céu como uma testemunha silenciosa do que se tornaria lenda. Dentro da caverna sagrada, onde as rochas formavam paredes esculpidas pelo tempo, apenas tochas acesas lançavam sombras dançantes sobre as peles estendidas no chão.Aurora estava ali, de pé, diante do espelho d’água que refletia a luz prateada da lua. Sua respiração estava presa no peito. O vestido cerimonial deslizava pelos ombros como se tivesse vontade própria, revelando aos poucos sua pele marcada pelo símbolo antigo que agora brilhava com mais força.Darius entrou em silêncio, os passos felinos, o olhar queimando de desejo contido. Ele a observou por alguns segundos, como se estivesse diante de algo sagrado. E de certa forma, estava.— Está linda — disse ele, a voz rouca, quase reverente.Aurora virou-
A lua estava alta, mas seu brilho parecia opaco diante do que estava por vir. Aurora e Darius estavam envolvidos em uma calmaria que parecia eterna, mas o destino tinha outros planos.Eles estavam ali, abraçados, o calor dos corpos ainda queimando entre as camas de pele, os corações batendo no mesmo ritmo frenético que compartilhavam, quando o ar se tornou mais denso. Aurora fechou os olhos, seus dedos ainda entrelaçados com os de Darius. Mas algo mudara. Algo que ela não conseguia entender, mas que sentia na própria pele.Foi um ruído distante. Quase imperceptível, mas tão cortante quanto uma lâmina. Darius imediatamente se ergueu, o corpo se tenso, os sentidos aguçados. Ele sentiu antes de ver. Algo estava errado. Um pressentimento profundo, uma presença familiar, mas que não fazia sentido naquele momento.Aurora o olhou, confusa. O poder dentro dela se manifestava sem querer, e a marca de seu vínculo com Darius pulsava sob a pele. Algo estava vindo, algo que não podia ser ignorado.
Darius estava paralisado, o ar denso ao redor deles parecia sugar toda a energia, cada palavra da boca de Elena cortando mais fundo que qualquer lâmina. Ela ainda estava ali, em pé, diante deles, como uma sombra que se recusava a desaparecer. A tensão no ar era palpável, mas algo nas palavras de Elena fez a verdade se mover nas profundezas da mente de Darius.Aurora sentiu o corpo de Darius se tencionar ao seu lado. Ele estava segurando algo, como se estivesse tentando se libertar de um passado que não queria mais carregar. Elena, com seus olhos penetrantes e sorriso frio, percebeu isso e riu baixinho.— Você sempre foi tão fácil de manipular, Darius. Eu sabia o que queria desde o começo. O que eu queria… e consegui. Não foi o que você pensava que era, mas ainda assim, você caiu. — Ela deu um passo à frente, seus olhos não deixando o rosto de Darius. — O laço que temos nunca foi real. Foi forjado. Criado pela minha dor e obsessão.Aurora franziu a testa, o coração batendo mais rápido.