Capítulo 5. A bola

Mais uma vez, engoli minhas opiniões. Tentei me lembrar que eu era uma contratada, logo, descartável.

O que eu achava sobre como ele cuidava dos filhos não era da minha conta. Minha função era garantir o bem-estar das crianças, não ficar dando lição de moral para o meu chefe.

— Me desculpe, isso não vai mais acontecer — eu disse.

— Eu espero que não aconteça mesmo. Pode ir agora — ele me dispensou com a rispidez de sempre.

Ainda não tinha se passado uma semana, e minha relação com as crianças estava ótima. Elas nem eram assim tão diferentes de outras crianças, eu não sabia o que fazia as babás correrem de lá. Mas isso era algo que eu iria descobrir na manhã seguinte.

Com o pai em casa, Davi foi o primeiro a acordar, tomar banho e descer para o café. Os gêmeos também estavam mais agitados, e Alice insistiu para vestir um vestido rosa de fada.

— O papai acha bonito — disse ela, toda meiga e sorridente.

Carmem serviu o café na mesa de jantar, com Eduardo sentado no meio e as crianças ao lado, falando sem parar. Seria uma cena normal de café da manhã, se o homem não estivesse com a cara séria de sempre. Ele não sorria para os filhos, falava e respondia como se fosse uma reunião de negócios.

— Olha meu vestido, papai! Não é bonito? — Alice deu um rodopio antes de eu pegá-la para colocar na cadeirinha.

— É muito bonito, filha — ele respondeu com um tom de voz mais suave do que o normal, mas ainda assim, sério.

— Mostra as asas Alice - eu falei rindo com a graça dela, que pegou as asas do vestido e abriu e ainda assim ele não esboçou um sorriso. 

Eu estava com vontade de pegá-lo pelos ombros e chacoalhar, perguntar qual era o problema, por que ele não podia dar um sorriso para a filha vestida de fadinha. Onde estava o coração desse ser?

— Pai, quer jogar bola? — Davi perguntou ansioso. 

— O Davi me ensiou a chutar no gol — Arthur falou todo empolgado. 

— Hoje preciso trabalhar e amanhã vou viajar cedo, vou falar com a avó de vocês para irem depois no parque. — Ele disse finalizando o café da manhã e indo para o escritório. 

Percebi como as crianças ficaram tristes, mas elas já estavam resignadas com o fato de que, quando o pai estava em casa trabalhando, não podiam atrapalhar.

Porém, entendi por que as coisas ficavam difíceis. Elas não podiam impedir o pai de trabalhar, então faziam de tudo para chamar atenção e tirá-lo do escritório.

O resultado disso? Antes do meio-dia, eles tinham brigado aos gritos pelo mesmo brinquedo, Alice e Arthur choraram sem nenhum motivo aparente, quebraram um vaso e, quando os levei para fora, tentando criar uma brincadeira que gastasse toda aquela energia, a situação piorou.

Davi quis jogar bola, e meu instinto gritou. Eu sabia, por experiência própria, quando alguma coisa estava sendo tramada. 

— Podemos fazer outra coisa, nadar na piscina, por exemplo — Era um sugestão desesperada, já que não tínhamos ido ainda para a piscina e eu nem sabia nadar. — Eu quero jogar bola.  —  Ele disse cruzando os braços. 

Eu podia negar, mas por algum motivo não fiz. Então não foi nenhuma surpresa quando ele chutou a bola direto no escritório do pai.

E o menino era bom de chute. A bola entrou como uma bala, quebrando o vidro e fazendo um estrondo.

A partir daí, foi caos e confusão. Um Eduardo irado saiu do escritório e começou a gritar com o menino, que ficou assustado e com lágrimas nos olhos diante dos gritos do pai.

— Eu já falei para não jogar bola aqui! Mas parece que você não escuta, não consegue prestar atenção em nada!

— Calma, não precisa falar assim com ele — falei, interrompendo a bronca. — Davi, vá para o seu quarto. Carmem, leve os gêmeos, por favor.

A cozinheira tinha saído para ver o que tinha acontecido e assistia à briga com a mão no coração — ela gostava muito das crianças.

— O que você pensa que está fazendo? Esqueceu qual é o seu lugar?

— Não, eu não esqueci. Fui contratada para cuidar das crianças e garantir o bem-estar delas. É o que estou fazendo.

— Cuidando tão bem que foi incapaz de evitar que um menino de nove anos chutasse uma bola na janela do meu escritório.

— Ele só fez isso para chamar a atenção do pai que mal olha na cara dele.

Eduardo ficou sem resposta por um instante, eu tinha acertado em algum ponto sensível dentro dele, pude ver por um breve momento, um sentimento de culpa, mas o homem não ia dar o braço a torcer tão fácil e se recuperou rapidamente. 

— A minha relação com os meus filhos não é da sua conta, eles têm tudo que precisam, graças ao meu trabalho. Meu filho é um menino mimado que precisa aprender que tenho responsabilidades maiores do que perder tempo com brincadeiras. 

— É isso que você fala para si mesmo cada vez que coloca a cabeça no travesseiro? Cada vez que está longe? Que seus filhos estão bem? Afinal eles estão nessa mansão enorme, abrigados, com um monte de gente contratada para cuidar deles, mas deixa eu te falar uma coisa que você não deve ter percebido, nenhum de nós aqui somos a família dele, no fim tudo que ele quer é a família. 

Eu sabia que tinha ido longe demais, não fazia nem uma semana que estava ali, provavelmente tinha acabado de decretar minha demissão, mas eu precisava falar, Eduardo parecia não entender qual era o problema, ou preferia ignorar. Pensei que ele fosse continuar a gritar, mas ele apenas me encarou em silêncio, mais uma vez me peguei pensando o quanto era um homem bonito, e o quanto era inapropriado pensar isso no momento. 

Por fim, como desistisse da discussão, ele se virou de costas e seguiu para casa, me deixando ali, sem saber o que ia acontecer. 

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