A babá do MAFIOSO
A babá do MAFIOSO
Por: A.S.Amor
Cap 1

O herdeiro

Meu nome é Enrico, sou o próximo Don da família Grecco, tenho 27 anos e essa é a história da minha vida, de como eu virei capo e como foi tudo até aqui. Na verdade, minha história não foi muito diferente dos outros herdeiros da máfia, mas eu sempre quis que fosse. Assim eu não ia experimentar esse sofrimento que carrego dentro do peito. Como um doce dado para uma criança e arrancado logo em seguida. Só que junto com o doce, tinha meu coração arrancado dentro do peito e vivia ou sobrevivia quebrado.

Dizem que o sofrimento transforma as pessoas, faz com que elas deixem de acreditar nas coisas do alto e só olhem para o próprio umbigo, que elas deixem de ter esperança, de sonhar.

Eu nunca almejei herdar o trono do meu pai, mas como primogênito, não teve outro jeito. Só se sai da máfia morto, e eu preferia viver fingindo que estava tudo bem e sem exercer meu verdadeiro propósito, além de conviver com o vazio do luto, do que perder a vida.

Sempre invejei o meu irmão Giancarlo, ele sim, podia fazer o que quisesse, sempre que quisesse, pois o peso da coroa não lhe vestia a cabeça, mesmo ele tendo nascido a apenas alguns minutos após a mim.

Eu achava que isso tudo era história da idade da pedra, essa história de herança da máfia.

Eu vivia de achismo, até o momento que a vida decidiu que já era hora de aprender e na base da porrada mesmo, depois de me dar o gostinho do amor. O meu coração estava quebrado, eu achava até que nem tinha mais um coração, só um pedaço de pedra no meio do peito que de alguma forma tinha estacionado ali apenas para bombear o sangue para os meus órgãos e não mais para sentir.

Nem mesmo crescer no meio da guerra da máfia, nem mesmo crescer na casa com sala de tortura no sótão, banhada em morte e esquemas me fez enxergar o sofrimento real da vida.

Patrizia, esse era o nome da minha prima que também foi o amor que a vida me presenteou e minha família honrou e aceitou. Tudo para continuar no poder, mas para nós era mais uma questão de sentimento mesmo.

Patrizia, e ela era uma mistura de furacão com calmaria, determinação e carência, tinha a pele branca como a neve e com cabelo escuro como a noite. Era filha do irmão do meu pai, Giuseppe. O homem não tinha medo de nada, seu serviço era limpo e eficiente. Já a mãe dela eu não conheci, quando eles vieram para a Sicília ou voltaram, sua mãe não veio no pacote, só os dois mesmos. Uma família pequena, de pai e filha.

Na máfia uma mulher não pode crescer sem uma influência feminina para lhe ensinar os bons modos e costumes a seguir. Por mais que ela fosse se casar comigo e eu estivesse pouco me lixando para tudo isso, a moglie de um capo precisa se portar como tal e impor respeito ao respirar. Então Linda, a minha mãe, a criava junto com meu pai, eu e meu tio em nossa casa.

Me lembro da marca de terra em suas mãos, porque a menina adorava se sujar no parquinho da escola. Também me lembro de pedir meu lanche duplicado, todas as vezes que percebia que aquela menininha furacão tinha se esquecido de pegar o seu lanche em cima da mesa da cozinha e eu, mais que de depressa, oferecia o meu.

Me lembro de, conforme os anos foram passando e nós chegamos no ensino fundamental, naquela mesma escola seleta, onde apenas a herança da máfia podia se instalar quando preferia não abrigar professor particular em suas casas, perceber que a Patrizia tinha tanta dificuldade em matemática quanto eu, e de me esforçar para aprender só para ter mais tempo com ela, depois que eu me gabei que sabia a matéria toda e podia ensinar a minha menina nas horas vagas.

Me lembro do seu dengo quando me dizia que estava cansada, que só queria tirar uma sonequinha depois do almoço e depois, se acabar de assistir seus desenhos favoritos enquanto eu insistia para que ela ficasse comigo e só comigo, antes que eu saísse para o meu treinamento. Mas depois ela cuidava de cada machucado quando eu voltava do meu treinamento e ela já tinha terminado suas aulas de etiqueta.

A Patrizia foi o que chamam de meu primeiro amor desde o primeiro dia em que eu a vi.

No meu aniversário de 18 anos, eu descobri o que era coragem e foi por causa dela. Eu fiquei dias me preparando para aquela ocasião especial, uns dois eu acho, mas para a minha ansiedade, foi mais que uma vida inteira. Meu pai não tinha o costume de ficar fazendo festa, nem mesmo para impor seu poder, dizia que não gostaria que seus inimigos descobrissem a localização da nossa família, que nada era mais importante que a nossa segurança. Isso colocando os seus filhos e esposa sempre a frente e que nunca, por consciência, nos colocaria em risco, mas naquele ano foi diferente.

Naquele dia, eu a vi chegando com um embrulho todo convencional a mão, uma sacola em papel cru, toda envergonhada e tentando se justificar que quem tinha embrulhado meu presente tinha sido a mulher da loja e que ela não conseguiu fazer nada de muito elaborado. Sua cara de indignação era tamanha, onde já se viu uma pessoa que é paga para trabalhar no ramo, só conseguir colocar o item escolhido dentro de uma sacolinha, ao invés de escolher um papel artístico, todo especial? Mas, em suas palavras, o importante era o que estava dentro.

Imagina a minha expressão espanto, a pequena de 16 anos de idade, me conhecendo melhor do que qualquer um e na preocupação de que eu ia reparar naquele embrulho, eu estava feliz só em ver aquele sorriso estampado em sua face. Fiquei tão desnorteado com a sua beleza que ela até teve que me lembrar de abrir o meu presente, me dando um leve empurrão com os ombros.

Pincéis e tinta . . . Aquela do tipo óleo, a que eu mais gosto para viajar no mundo das telas, aquela que eu já tinha lhe feito inúmeros quadros.

Como se um sonho sendo realizado, era o material que eu me acabava de pedir para o meu pai, mas que ele achava que era frescura demais para o filho do capo, que viagens, roupas de grife, carros do ano, mesmo eu nem tendo idade para dirigir ou até mesmo uma arma, era mais apropriado, mal sabia ele o que aquelas coisas simples demais significavam para mim.

O talento era de um artista reconhecido, não apenas por pertencer a uma casa de nome, mas pelo meu talento, daqueles tipos Picasso, de chamar a atenção aonde quer que fosse, de ser requerido por muitas e muitas galerias, reconhecido internacionalmente. Eu ia ser o melhor pois eu sou bom mesmo. Sei reconhecer as cores, visualizar e captar a essência das coisas, os detalhes, transformar uma coisa bruta em diamante, eu sabia sonhar dentro do mundo da pintura e a Patrizia viu isso, acreditou nisso tanto quanto eu.

Eu me lembro de não conseguir segurar a minha felicidade dentro do peito e sorte era que todo mundo estava ocupado, nesse meu momento de sorte que parti para o meu primeiro beijo.

A Patrizia furacão só ficou lá, parada, recebendo aquilo que eu queria dar, eu? Eu gostei de uma sensação estranha no meu corpo, uma coisa molhada na minha boca e um calafrio como se tivesse visto fantasma correu da ponta dos meus pés até o topo da minha cabeça.

A partir daquele dia, a Patrizia era minha, com sete anos de idade, com quinze, com vinte. Ela cresceu do meu lado, junto comigo, dentro do meu coração e fora dele também, o meu amor de infância evolui e nós iríamos nos casar.

Ela era diferente e eu gostava disso, colada em mim, a extensão do meu corpo, do meu pensamento, eu nem precisava dizer as coisas até o fim, porque ela sempre sabia onde era o ponto final na sua mente. Conforme fomos crescendo, que todos ao nosso redor foram vendo que a minha namoradinha de infância foi feita para ser moglie do capo, que nós não conseguíamos nos afastar por nada, acabaram por aceitar e enxergar vantagem. O que eu sentia por ela foi crescendo na mesma medida, era intenso, real, doloroso e grande de um jeito que eu não conseguia explicar.

De manhã ela era o meu primeiro pensamento, de noite ela era o último e isso, depois de passar o dia inteiro do meu lado, me incentivando naquilo que eu queria ser. Imagina, ser um capo nunca esteve nos meus planos, mesmo meu pai querendo me passar o maldito trono, mesmo me treinando para valer, me fazendo ver coisas que até o diabo dúvida ser possível, mesmo ele tendo na mente que, para mim não havia outra opção, muito menos ser um maldito artista indignado, mas pra ela sim, para a Patrizia eu podia ter o mundo inteiro, mesmo que fosse apenas dentro do nosso quarto, da nossa casa.

O sonho dela era mais simples, daqueles que só envolvia eu, ela, dois filhos e um cachorro... ela me dizia que, contanto que eu conseguisse viver em paz e lhe trazer paz, que ela estivesse ali para ver tudo de bom que eu podia proporcionar para a nossa família, ela ia estar feliz.

Tão simples... um vestido branco, sem a famosa grinalda que todas as mulheres querem tanto ter se arrastando todo pelo chão, indo contra a todo o glamour da Nostra Casa, só um vestido mais soltinho do corpo mesmo, uma coroa de flores em diamantes, fina na sua cabeça, segurando o tule, todo furadinho e bordado que descia pelo seu rosto, proporcionando um charme a mais, um buquê com muitas de flores campestres, simples, mas lindas, como a minha Patrizia. Esse era o sonho dela que eu fiz questão de realizar, mesmo recebendo olhares tortos da máfia por quebrar mais um protocolo.

Eu vi a felicidade no rosto da minha menina, vi o seu semblante se iluminando, eu a vi vivendo o sonho dela e agradecendo aos céus, todas as manhãs, porque tinha se tornado a mulher mais feliz de todo o mundo e tudo do meu lado. Mas aquilo não foi nada perto da luz que eu vi quando apareceu, numa fitinha azul e branca, um risquinho a mais que ela chamou de positivo, e também nada quando ela sentiu o primeiro chute dentro da barriga e aquele remexer que eu duvidava imensamente ser uma coisa normal, a barriga dela se transformava em bola quando o meu filho dava uma de jogador naquele espaço tão pequeno, e aquela luz nem se comparou a que tomou todo o quarto no dia em que, no meio da dor de quebrar ossos, ela trouxe o meu menino para o mundo.

Tudo por causa da minha Patrizia, porque só ela tinha o poder de transformar o meu desespero em brisa suave.

Só que m*****a da vida me escolheu para aprender com a dor e todos os dias, eu me perguntava o porquê tinha que ser eu, o porquê eu tinha que ser tão feliz só para depois, cair do meio do penhasco sem ter a mão da Patrizia para me puxar para cima.

Foi naquele dia que eu me esqueci que vivi dias de minha felicidade e comecei a quebrar, de uma vez só. Foi tudo tão rápido, a fraqueza, a perda de apetite, todas aquelas tonturas e desmaios, a correria para não deixar o meu filho ver nada daquele sofrimento. Mas a determinação estava ali, ela nunca quis colocar a vida da nossa filha em risco, aquela que estava na sua barriga, a da minha princesinha, por isso evitou muito remédio.

Podia ter sido tudo diferente, eu podia estar sim com a minha mulher do meu lado, me entregando mais para os meus filhos, mimando todo mundo e me reconhecendo na frente do espelho. Podia ter sido tudo diferente, mas a vida decidiu assim, foi ela que levou a minha Patrizia depois de quinze meses de luta, foi ela que fez os meus filhos saírem cópia exata da minha mulher, principalmente a minha princesa, foi ela que me trouxe essa dor que eu não consigo fazer adormecer, só acalmar e isso quando me permito descontar a minha raiva em cima dos inimigos, que insistem em me testar.

Foi assim que a vida que me quebrou e onde existiam sonhos, agora só existe escuridão.

Eu não tenho mais vontade para olhar nos olhinhos inocentes dos meus filhos, eu não tenho mais vontade para reconhecer a minha Patrizia naqueles rostos, eu não tenho mais vontade para ficar de pai com minha prole como eu fazia quando a minha mulher estava do meu lado, caminhando comigo, sendo a minha felicidade.

Agora amargurado com a vida, eu me transformei no capo que meu pai se empenhou tanto para que eu me tornasse. Aquele artista clássico morreu junto com a Patrizia, a única tela que eu pinto, são as faces dos meus inimigos com o seu sangue. Para quem já participou de tortura comigo, ou os mais íntimos, me chamam de Pintor e é nesse estilo que eu pinto agora, e só assim, eu consigo me acalmar um pouco.

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