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ARIEL MACEY
— Setenta mil dólares, senhorita Macey. — A voz do médico não era cruel, apenas profissional, o que não tornava a situação nada melhor. — A válvula cardíaca da sua avó não vai aguentar mais que algumas semanas. O seguro cobriu a internação básica, mas os especialistas e o procedimento cirúrgico estão fora da rede de cobertura. Precisamos desse depósito para agendar.
Setenta mil dólares. Eu tinha trezentos na conta e um aluguel atrasado.
— Eu... eu vou conseguir. — Minha voz saiu trêmula. — Por favor, doutor, mantenha ela estável. Eu vou arrumar esse dinheiro.
Me despedi antes que ele pudesse duvidar da minha promessa. Minha avó era tudo o que eu tinha. A mulher que me criou. Eu não a deixaria morrer.
Saí do hospital correndo, o céu da cidade já estava escurecendo com aquelas nuvens escuras que prometiam uma tempestada.
Preciso falar com Liam.
Nós morávamos juntos há seis meses em um apartamento no centro. Liam vinha de família estável financeiramente. Ele sempre dizia que "nós" éramos um time. Ele tinha economias e poderia me emprestar, eu pagaria cada centavo com juros, trabalharia em três turnos se precisasse. Mas ele me ajudaria. Ele me amava.
Peguei um táxi, gastando um dinheiro que não deveria, mas era urgente. O trânsito de hora do rush estava um inferno, buzinas e fumaça, mas minha mente estava presa no quarto de hospital e no rosto pálido da minha avó.
Quando cheguei ao nosso prédio, o porteiro nem me olhou, acostumado com minha presença. Subi as escadas de dois em dois degraus. Enfiei a chave na fechadura do apartamento 4C, girando com pressa.
— Liam, amor, eu preciso de voc...
A frase morreu na minha garganta. A sala estava bagunçada, roupas de grife espalhadas pelo caminho até o quarto, cuja porta estava escancarada. Mas não foi a bagunça que me paralisou.
Foi o som. Gemidos. Altos e claros. E uma voz feminina que definitivamente não era a minha, gritando o nome dele.
Avancei porque meu cérebro se recusava a processar a informação sem a confirmação visual.
Parei assim que alcancei a porta e vi Liam por cima de uma mulher loira, as mãos dele apertando os quadris dela com uma possessividade que ele raramente demonstrava comigo ultimamente. Eles estavam frenéticos, suados, a cama rangendo num ritmo obsceno.
— Que porra é essa?!
Liam parou seus movimentos, mas não houve susto, nem pulo de culpa. Ele apenas parou o movimento, respirando pesado, e virou o rosto para mim. A mulher embaixo dele soltou um risinho abafado, puxando o lençol para cobrir os seios, mas sem nenhum sinal real de vergonha.
— Você não sabe bater, Ariel? — Liam perguntou. O tom dele era de irritação, como se eu tivesse interrompido algo banal, não uma traição nojenta na nossa própria cama.
— Bater? No meu próprio apartamento? — Entrei no quarto, com as mãos fechadas em punho. — Minha avó está morrendo, Liam! Eu vim aqui pedir sua ajuda, e encontro você fodendo essa... essa vadia na nossa cama?!
A mulher se sentou, apoiando as costas na cabeceira.
— "Vadia" não, querida. Brenda. E pelo visto, o apartamento é mais dele do que seu, já que quem paga o aluguel integralmente há dois meses é ele.
Olhei para Liam, esperando que ele a mandasse calar a boca. Esperando que ele dissesse que foi um erro, um deslize estúpido. Qualquer coisa.
Mas ele apenas saiu de cima dela, pegou a boxer no chão e começou a vesti-la, sem nem olhar na minha cara.
— Ela está certa, Ariel. Você virou um fardo. "Liam, paga a conta de luz", "Liam, preciso de ajuda com as compras". E agora, ia me pedir quanto? Dez mil? Vinte mil dólares? Para aquela velha que já devia ter morrido?
O tapa que eu dei na cara dele foi instintivo. Minha mão ardeu, mas a satisfação durou pouco.
Liam virou o rosto devagar de volta para mim e segurou meu braço com força, apertando até doer.
— Você nunca mais encosta em mim, sua parasita ingrata.
Ele me jogou contra o guarda-roupa. Minhas costas bateram na madeira dura e eu deslizei até o chão, atordoada.
— Sai. — Ele apontou para a porta.
— O quê? — perguntei, tentando recuperar o fôlego.
— Sai do meu apartamento. Agora. Acabou, Ariel.
— Liam... eu não tenho para onde ir... minha avó...
— Problema seu. — Ele foi até a sala, pegou minha bolsa que eu tinha largado no sofá e, sem cerimônia, abriu a porta do apartamento e a jogou no corredor do prédio. — Você tem cinco minutos para pegar suas roupas, ou eu jogo tudo pela janela.
— Você é um desgraçado! — gritei, levantando e indo para cima dele novamente. Eu queria machucá-lo, queria que ele sentisse uma fração da dor que estava me causando.
Mas ele era mais forte. Apenas riu, segurou meus pulsos e me arrastou até a porta.
— Vai chorar suas mágoas em outro lugar. Amanhã suas roupas estarão na porta, busque ou dou aos mendigos.
Ele bateu a porta na minha cara. Fiquei parada no corredor, ouvindo as risadas dos dois lá dentro recomeçarem. Peguei minha bolsa do chão, me sentindo um lixo, e desci as escadas.
Quando pisei na calçada, o céu desabou.
A água gelada encharcou minhas roupas em segundos, colando o tecido no meu corpo, misturando-se com as lágrimas quentes que eu não conseguia mais segurar.
Caminhei sem rumo pelas ruas movimentadas.
Setenta mil dólares. Sem casa. Sem namorado. Sem dignidade.
— O que eu vou fazer? — sussurrei para o nada. — Vó, me perdoa...
Eu estava na orla de uma avenida movimentada, onde os prédios empresárias e condomínios de luxo se amontoavam.
Quando vi do outro lado da rua um vulto pequeno. Uma garotinha. Não devia ter mais de cinco anos. Vestido rosa florido, cabelos molhados pela chuva e correndo.
Não sei o que ela viu, ou talvez estivesse fugindo de algo, mas ela se lançou para a avenida movimentada sem olhar para os lados.
Um carro vinha em alta velocidade, meus pés reagiram antes do meu cérebro e me lancei no asfalto.
Foi um salto desesperado. Meu corpo colidiu com o dela com força. O impacto nos tirou do chão e voamos para o canteiro central. Caímos rolando. A lama fria e suja entrou na minha boca. Tentei proteger a cabeça da menina com meus braços, girando meu corpo para que eu recebesse o impacto do meio fio.
Senti uma dor aguda no ombro quando batemos, e paramos.
Fiquei deitada por um segundo, ofegante. A chuva caía impiedosa sobre nós.
— Ei... ei... — Tentei falar, cuspindo terra. Me sentei com dificuldade, sentindo meu ombro pulsar.
A menina estava encolhida nos meus braços, chorando, mas parecia inteira. Suja de lama da cabeça aos pés, o vestido rosa agora marrom, mas viva.
— Você se machucou? — perguntei, passando a mão no rosto dela para limpar a sujeira.
Antes que ela pudesse responder, ouvi pneus cantando. O som de freios travando no asfalto molhado, seguido por uma porta de carro sendo aberta com violência.
— LUNA!
Olhei para cima, limpando a lama dos olhos.
Um homem alto vinha em nossa direção. Vestia um terno de aparência cara, que estava sendo arruinado pela chuva sem que ele parecesse se importar.
Ele era intimidante. Ombros largos, maxilar travado, olhos escuros que pareciam prestes a me engolir. Ele chegou até nós e, sem dizer uma palavra para mim, arrancou a menina dos meus braços. Ele a examinou rapidamente, virando o rostinho dela, checando os braços e pernas.
O homem a abraçou com força, por um segundo um alívio visível relaxou seus ombros, mas durou pouco. Ele a colocou no chão, atrás de suas pernas, protegendo-a com o próprio corpo e então seus olhos se voltaram para mim.
Eu ainda estava sentada na lama. Minha roupa estava destruída, meu cabelo era uma maçaroca suja, meu rosto devia estar irreconhecível sob a sujeira. Eu devia parecer uma sem-teto.
— Senhor, eu só... — comecei a explicar.
— Quem te contratou para sequestrar a minha filha, sua golpista?!







