O silêncio do corredor soava ensurdecedor quando Aurora desceu do elevador privativo do hospital. Passara algumas horas em casa, horas eternas, na tentativa inútil de se recompor, de respirar. Mas o vazio que a corroía por dentro parecia maior que tudo. Ele acordara e não a reconhecia.
Ela soube pela enfermeira, pelo olhar aflito do médico... e pelas ordens frias que ele dera.
"Ela não entra."Aurora parou diante da porta do quarto. O segurança particular de Enrico, um homem que ela conhecia há meses, que a tratava com respeito e até carinho, agora lhe bloqueava o caminho com visível constrangimento.
— Senhora Au
O silêncio do escritório de Enrico era sufocante, ele havia saido do hospital naquela manha e ido direto para casa. Aurora estava de pé, com os olhos marejados, enquanto ele folheava com descaso a cópia da certidão de casamento que ela lhe entregara. O documento tremia levemente nas mãos dele, não por emoção, mas por raiva contida.— Impressionante — ele disse, sarcástico. — Confesso que, se realmente fui eu quem assinou isso, devo ter bebido até perder a alma... — Os olhos frios dele subiram lentamente até os dela. — Mas ao menos tive o bom senso de fazer um acordo pré-nupcial.Ele arremessou o papel sobre a mesa como se fosse lixo.— Não se preocupe — continuou, venenoso. &mdas
O cheiro de maresia era forte naquela cidade pequena, escondida entre morros e ruas silenciosas. Era um lugar onde ninguém a conhecia, onde podia tentar colar os pedaços de si mesma sem medo de ser julgada ou olhada com pena.Aurora passou os primeiros dias hospedada na pousada simples da dona Carmem, uma senhora simpática, de olhos atentos demais para o gosto dela. Era gentil, mas observadora e Aurora não queria olhares de compaixão. Queria silêncio, queria desaparecer.Assim que conseguiu, alugou uma pequena casa de madeira, simples, mas limpa. Tinha um quintalzinho com pés de hibisco que alguém um dia plantou. Talvez alguém como ela, que precisou se reinventar onde ninguém a conhecesse. Ela passava os dias em longas caminhadas pela praia deserta. O vento forte batendo no rosto, levand
“Ele tinha tudo, ele sempre teve tudo.”Era o que todos diziam quando ele reapareceu no circuito social de Las Vegas, o Enrico Mancini de antes, de volta ao seu trono de luxo, controle e arrogância. As noites voltaram a ser feitas de festas discretas, jantares silenciosos em restaurantes exclusivos, taças de vinho encostadas em lábios desconhecidos. Mulheres desfilavam à sua volta como se ele fosse o prêmio mais desejado, e talvez fosse.Mas ele não sentia nada, o prazer era mecânico, o riso ensaiado, o olhar... vazio. Ele não sabia explicar. Era como se algo vibrasse dentro dele, um desconforto persistente, uma ausência que não deveria estar ali, porque, racionalmente, não faltava nada. E, mesmo assim... Faltava tudo.Na madrugada fria daquele sábado, Enrico se largou no sofá da sua cobertura de solteiro, afrouxando a gravata, o paletó atirado sobre uma cadeira qualquer. A cidade piscava pelas janelas de vidro, impassível, luxuosa, distante.Ele passou a mão pelos cabelos, exausto. O
Havia semanas que Aurora vivia em uma corda bamba de medo e esperança. A gravidez delicada exigia dela uma força que ela já nem sabia de onde vinha. Em uma madrugada, quando nem contava sete meses de gestação, ela acordou sobressaltada, sabendo que algo não estava bem.A dor começou baixa, um incômodo tímido no ventre que logo se transformou em contrações fortes demais para o estágio em que estava. Aurora correu para a pequena clínica da cidade, com o rosto pálido e as mãos sobre a barriga, sussurrando uma prece desesperada:— Aguenta, meu amor... fica comigo... por favor...Dona Carmem a acompanhou, aflita, segurando sua bolsa, tentando amparar a jovem que mal conseguia caminhar direito.— Calma, filha... já estamos chegando...Na sala de emergência, o médico plantonista, um homem simples e cansado, examinava-a com o cenho franzido.— Está entrando em trabalho de parto prematuro, precisamos agir rápido.O coração de Aurora gelou.— Não... ele é tão pequeno... ele não pode nascer agor
Fazia um ano. Doze meses em que Enrico viveu como se caminhasse dentro de um deserto interminável, onde tudo era seco, árido, sem cor. Nada o preenchia. Nem o trabalho, nem os carros novos. Nem as mulheres que tentaram ocupar um espaço que ele sequer reconhecia como vago. Ele continuava sem se lembrar.As imagens de Aurora eram sombras em sua mente, flashes desconexos, fragmentos de perfume, sussurros no escuro dos sonhos que o faziam acordar suado, desorientado, o peito apertado de uma saudade que não sabia nomear. Mas a sensação era sempre a mesma: ele precisava dela. E era por isso que ele estava ali.Após meses de investigação discreta, porque admitir para si mesmo que precisava encontrá-la já era humilhante demais, finalmente soube onde ela estava. Uma pequena cidade do interior,
Aurora jogou as chaves sobre o aparador e apoiou-se na parede da sala, soltando um suspiro longo. Ainda conseguia vê-lo.A figura dele saindo da loja do mesmo jeito que entrou: abrupto, intenso, como se o mundo lá fora não existisse. Ela fechou os olhos, passando as mãos pelo rosto. Por que ele tinha vindo? Por que agora?A casa pequena parecia ainda menor com as lembranças daquele dia latejando por todos os cantos. Cada detalhe daquele encontro inesperado ficava mais vivo dentro dela conforme o silêncio da noite caía. Aurora bufou, largando-se no sofá surrado da sala.Claro que a notícia não demorou a correr pela cidade, nem poderia. Minutos depois que Enrico saiu, a loja virou um desfile de vizinhos e curiosos, cada um com uma teoria mais absurda
Enrico se recostou na cadeira de couro escuro do escritório, iluminado apenas pela luz suave que vinha da janela, criando um ambiente sombrio, refletindo o clima da conversa. Seu olhar estava fixo nos papéis que Lucius havia colocado sobre a mesa, como se já estivesse antevendo a vingança se concretizando diante de seus olhos. Ele esfregou as mãos, uma sensação de prazer quase palpável nas pontas dos dedos.Lucius, por outro lado, parecia cada vez mais desconfortável, os óculos escorregando sobre o nariz enquanto ele tentava não demonstrar a crescente indignação. Sabia o quanto Enrico era capaz de fazer para atingir seus objetivos, mas aquilo ia além de qualquer coisa que ele já havia imaginado. O tom de voz de Enrico era calmo, mas havia um gelo nas palavras que deixava claro que a decisão estava tomada. No fundo, Lucius também sabia que seria tolo em tentar dissuadi-lo, mas o peso da ética ainda o incomodava.— Eu entendo que você esteja arrasado por tudo o que aconteceu, Enrico. Ma
Enrico Mansini era, sem dúvida, uma das figuras mais enigmáticas e influentes do setor de hotelaria e entretenimento de luxo, e sua ascensão ao topo não foi obra do acaso. Nascido em uma família de imigrantes italianos que se estabeleceram nos Estados Unidos, ele cresceu em um ambiente onde negócios e lealdades familiares se entrelaçavam de forma indissociável. Seu pai, um homem reservado e estrategista, foi quem fundou os alicerces do império de hotéis e cassinos, sempre mantendo uma estreita ligação com o submundo do crime organizado. Enrico, desde jovem, percebeu a importância dessa relação, e, ao contrário de muitos herdeiros que se distanciaram do legado familiar, ele mergulhou de cabeça nas complexas dinâmicas da máfia italiana, transformando essa herança em uma das maiores fontes de poder e influência do seu tempo.Sua habilidade de negociar com figuras do submundo, ao mesmo tempo que mantinha uma fachada impecável de empresário sofisticado, foi a chave para seu sucesso. Enrico