II- Aurora

— O que houve com os seus sapatos? — Um homem gordo com um chapéu branco de pano na cabeça questionou ao me ver, apontou com uma colher de pau para os meus pés, eu também olhei para os meus pés. — Ela veio da aldeia, sabe como é esse povo.

— Bichos do mato. — Este foi o primeiro contato que tive nesta casa. Andando por lugar em lugar, vendo o que cada um fazia, eu não disse uma palavra no primeiro dia, quando chegou a grande sala, de longe ouvia-se o som, era divino, algo tão mágico como aquilo eu nunca escutei na vida, quando a porta foi aberta, imaginei que não existia mais nada a conhecer, só queria saber de onde vinha tal som. — Querida se não me disser seu nome...

— Aurora, meu nome é Aurora como o nascer do sol. — Disse com a voz trêmula, meus olhos afiados por tanta beleza que vi, aquela casa não era um lugar nem de longe imaginado em cada paragrafo, cada texto que li, cada livro, ela me apresentava a magia dos livros, a magia dos contos de fadas. Até as paredes tinha desenhos, arebescos dourados. A música causava certo borbulhamento no estomago, era algo incomum. — Esta bem Aurora, você tem um lindo nome, fala pouco, e tem um bom rosto, eles irão gostar de você.

Sorri fraco, quando a porta foi escancarada, a mulher a meu lado ajoelhou-se, parecia recolhesse, e uma mulher de cabelos cinza entrou num vestido azul de cor mais viva e mais linda que eu já poderia ter visto na vida. — Ajoelhe-se. — A do meu lado disse, e como ela eu fiz, meu cérebro se acelerava em curiosidade, não apenas pelo que vi, como pelo que eu queria ver ainda. — É a...? — Ao ouvir a voz ia levantar a cabeça, mas sentir medo.

— Sim senhora, o nome dela é Aurora, ela tem quinze anos, sabe ler senhora, e escrever. — Disse sobre a minha vida quase tudo. — Também sei bordar senhora. — A minha voz saiu num sussuro, a verdade é que eu não era tão boa nisso como disse, mas era algo a acrescentar, nos livros as mulheres sempre bordam, pintam, sempre fazem alguma coisa. — Bom, bom isto é bom, Aurora... — Ao ouvir ela dizer, a mulher do meu lado tocou-me com o cotovelo.

 Naquela mesma tarde, tive a infeliz escolha de mudar o meu destino. Eu não ia mais poder crescer na vila, apesar de ser a mais velha das filhas, mas entre poder ajudar em casa ou deixar todos morrerem de fome, escolheria este cruel destino mil vezes. A caroça velha de madeira trepidou pelo caminho até a porta da casa enorme branca, havia alguns adornos nas janelas, como mini varadinhas, a cidade diferia, mas nada me encantava.

 As olhei ainda da caroça, aquilo tudo não era nem de longe, a vida que eu levava na aldeia. Uma mulher de roupas amarelas e cinza veio correndo, abriu o portão branco, meu pai desceu para falar com ela, eu ainda agarrava a minha trouxa com firmeza, era tudo que eu podia dizer ter, seus olhos se esticaram para mim desde que ela surgiu do portão. 

— As roupas podem ficar, poderá usar as roupas que a senhoria não quiser mais. — Ouvi ela dizer, ao me olhar, meu pai me olhou mais uma vez, pelos cabelos brancos meio que faltosos em sua cabeça, a testa cheia de linhas, meio enrugada, com bastante manchas, os seus olhos verdes tinham tristeza, ele não gozava de alegria como mostrou todo o caminho.

Estendeu a mão para mim, que segurei com força e pulei da carroça, a seu lado. — Toda semana poderá passar aqui, lhe daremos o acertado pela moça, não poderá ficar muito tempo, se um dos meus senhores lhe pega aqui irá me reclamar, e quando vier venha pelo outro lado. — Meu pai afirmou a tudo, quando a mulher de cabelo meio cor de fogo me olhou, apenas alguns fios vazavam para fora da touca.

Dando conta de saber que o seu cabelo era daquela cor, mas os seus olhos eram azuis, apenas me mantive firme, vendo ela lhe entregar uma pequena quantia em dinheiro, as últimas palavras da minha mãe ainda ecoava em minha cabeça, dizendo-me para esquecê-la como tal, e nunca mais lembrar o caminho de casa, só me fazia sofrer ainda mais, mas em relação a tudo aquilo eu não poderia dizer nada, quando a mulher terminou de me olhar, descalça, vestido de manga caído no ombro meio que mostrando os seios, engoliu em seco. — Vamos!

Foram as suas palavras de Boas-vindas, foi naquele findar que meu pai pegou a minha mão, pensei que ele seguraria minha mão, mas ele pegou a trouxa, sem jeito, tentei olhar em seus olhos que ele manteve baixo, parecia haver perdido dias de labuta na plantação, mas não, ele não me olhou nos olhos e nem disse adeus, só pegou a trouxa meio cabisbaixo, e subiu no montante de madeira.

Tocou o cavalo para ir embora. — Sempre são difíceis as despedidas querida, como é seu nome? — Meus olhos ainda estavam no caminho que meu pai tomou, até que ela me levou para trás daquelas grades e um cheiro delicioso inundou meu nariz, atrás daquelas grandes havia um lindo jardim. — Qual o seu nome? — Andei perdida pelas flores, e quando dei por mim, chegamos a uma parte da casa.

Alguns como ela me olharam, uma dela segurava lençóis, estes tão claros como eram descritos nos livros, alvos como nuvens que servem de enfeites no céu. — Será a acompanhante da madame? — Questionou uma jovem mulher, era mais jovem do que a que estava de pé, meus olhos ainda se perdiam na beleza daqueles tecidos em suas mãos. — Sim, veremos se ela servirá para o serviço.

— O que houve com os seus sapatos? — Um homem gordo com um chapéu branco de pano na cabeça questionou ao me ver, apontou com uma colher de pau para os meus pés, eu também olhei para os meus pés. — Ela veio da aldeia, sabe como é esse povo.

— Bichos do mato. — Este foi o primeiro contato que tive nesta casa. Andando por lugar em lugar, vendo o que cada um fazia, eu não disse uma palavra no primeiro dia, quando chegou a grande sala, de longe ouvia-se o som, era divino, algo tão mágico como aquilo, eu nunca escutei na vida, quando a porta foi aberta, imaginei que não existia mais nada a conhecer, só queria saber de onde vinha tal som. — Querida, se não me disser seu nome...

— Aurora, meu nome é Aurora como o nascer do sol. — Disse com a voz trêmula, meus olhos afiados por tanta beleza que vi, aquela casa não era um lugar nem de longe imaginado em cada parágrafo, cada texto que li, cada livro, ela me apresentava a magia dos livros, a magia dos contos de fadas. Até as paredes tinha desenhos, arabescos dourados. A música causava certo borbulhamento no estômago, era algo incomum. — Esta bem Aurora, você tem um lindo nome, fala pouco, e tem um bom rosto, eles irão gostar de você.

Sorri fraco, quando a porta foi escancarada, a mulher a meu lado ajoelhou-se, parecia recolhesse, e uma mulher de cabelos cinza entrou num vestido azul de cor mais viva e mais linda que eu já poderia ter visto na vida. — Ajoelhe-se. — A do meu lado disse, e como ela eu fiz, meu cérebro se acelerava em curiosidade, não apenas pelo que vi, como pelo que eu queria ver ainda. — É a...? — Ao ouvir a voz ia levantar a cabeça, mas sentir medo.

— Sim, senhora, o nome dela é Aurora, ela tem quinze anos, sabe ler, senhora, e escrever. — Disse sobre a minha vida quase tudo. — Também sei bordar senhora. — A minha voz saiu num sussurro, a verdade é que eu não era tão boa nisso como disse, mas era algo a acrescentar, nos livros as mulheres sempre bordam, pintam, sempre fazem algo. — Bom, bom, isto é bom, Aurora... — Ao ouvir ela dizer, a mulher do meu lado tocou-me com o cotovelo.

— Vá! — Era para ir? Para onde? Vir-me-ei para sair. — Não garota boba, venha até mim. — E somente naquele instante que me virei, a mulher sentada numa poltrona de madeira com colchão vermelho, em detalhes dourados, tinha um rosto lindo, batom rosa nos lábios, seus olhos afiados em mim, me avaliaram, e como se eu fosse uma múmia, senti uma mão me empurra, meu corpo estremeceu-se por inteiro.

Tive medo de trombar naquela mulher tão bonita. — Venha até mim querida, não se preocupe, eu não mordo. — Engoli em seco a cada passo que dei. — Não tem sandálias? — Neguei, não eu não tinha nada disso, de onde venho não precisa ter. — Meus solados são fortes, senhora, nunca furam. — Expliquei, e ao chegar perto, a suavidade da sua mão macia e perfumada com um cheiro maravilhoso, segurou o meu queixo.

Seus olhos estavam fixos em mim, segurando o meu queixo, virou de um lado para o outro, escapou dos lábios um longo suspiro. — Não havia outra melhor? — O quê? Eu sou tão ruim assim? Engoli em seco, mas não deixei as minhas fraquezas expostas. — Colocaram aviso em toda cidade senhora, ela é uma garota sem estudo, e sem cultura será fácil adaptar-se a nossa. — O assunto morreu ali.

Eu não sabia se ia ficar ou voltar para casa, mas após mandar-me sair, fiquei no corredor que havia passado, quando ela saiu sorriu fraco para mim. — Venha, irei mostrar o seu quarto, terá direito a um quarto enquanto a senhorinha não chega. — Após andar mais e mais, chegamos a um corredor todo cinza, diferente da casa que era em tom branco e amarelo-ouro, agora as paredes eram cinzas sem desenhos como a casa.

 — Tome um banho, irei providenciar roupa e sapato para você. — Não lhe disse nada, olhei para a cama de solteiro, o lençol amarelado, o travesseiro, sentei na cama, era macia como ela nunca tinha visto uma igual, eu nem mesmo havia conhecido os quartos daquele lugar, e mesmo com todo luxo e curiosidade me deu uma saudade de casa.

As lágrimas caíram, a saudade da minha mãe que teve razão desde que meu pai chegou me assolou, era medo do futuro que se estabelecia em meu peito, olhei para todos os cantos, havia uma porta cinza fechada ali, mas não fui ver o que era, uma janela de madeira também, um lustre pendurado no teto. Fiquei olhando para ele, por que nada tinha disso em casa? Na minha? Por que a vida era tão injusta para uns e para outras tão boas?

 — Ah, menina, você não foi tomar banho? — A mulher voltou com algumas coisas nas mãos. Jogou sobre a cama e como se eu fosse um móvel, puxou-me pelo braço, ao ficar de pé lhe olhei. — Como é seu nome? — Encolhi-me em seguida, quando as suas mãos tocaram o meu corpo, rasgou o meu vestido com as suas mãos frias. — Meu nome é Maria, mas todos aqui me chamam de senhora. — Era a primeira vez que alguém agia de tal maneira comigo, e ao ver meus seios desnudos, a mesma sorriu.

 — Tem belos seios, e um bonito corpo, dá para ver que ainda é uma jovem pura. — Encolhi-me ainda mais, era como se as palavras do meu pai fizessem sentindo. Ao entrar no banheiro, havia uma enorme banheira, ela encheu com água aquela noite, foi a primeira vez que tomei banho numa água tão quente, não queria mais sair daquele cubículo redondo, o sabonete cheirava tanto, mas quando sai da água ficou marrom.

Ela me ajudou com o vestido cheio de botões nas costas, e logo alguns tipos de saias e calça, para mim tudo aquilo era novo. Mas depois da primeira vez que ela levou alguns minutos para colocar tudo aquilo, na segunda eu já não estranhei mais nada. Não demorei a conhecer os quartos, chamava-se primeiro andar, o de cima.

 Os quartos eram lindos, e na primeira semana sem a chegada da tão falada senhorinha, fiquei sendo ajudante de tudo, e como sempre falava pouco, a casa grande, branca, bonita, não era em nada parecida com a minha aldeia, somente o fogo, nada além dele, e era para ele que eu ficava olhando quando podia, quando não estava descascando verduras, frutas, legumes, ou lavando e pendurando lençóis no varal.

 Em duas semanas, tirei a metade das saias que ficavam em baixo do longo vestido, ninguém sabia, exceto eu, que ao invés de oito, só colocava seis, depois quatro, enquanto lavava os lençóis, era mais fácil de amarrar a ponta do lado, como fazia na aldeia. Mas lá eles não eram longos, era o mesmo que vestia por baixo do longo vestido. Por mais que estivesse numa casa rica, muito arrumada, residia em mim, o bicho do mato como eles sempre me chamavam.

 Mas um mês passou rapidamente, a casa entrou em festa, foi após o café da manhã que o senhor e a Senhora Margarida, se prepararam para pegar a senhorinha tão falada na estação, eu nunca tinha ido a uma. Mesmo que eles não soubessem disso, eu fui com eles. Duas horas de espera, a senhora sentada num banco com um lenço do senhor que eu nem sabia o nome, era todos cuidados.

Alguns homens iam e vinham, os olhares nos meus seios e por fim ao meu rosto, eram insistentes. — Aurora vá pegar água para sua senhora. — Onde eu iria conseguir tal feito? Perguntei-me, mas sem demonstrar medo, assenti como sempre obediente como cavalo domesticado. Só me faltava a cela aos dentes, já que a minha maior tarefa seria sorrir, enquanto aos cavalos era montar.

Vaguei pela estação, cheia de pessoas, e sem mais saber o que fazer. — Senhor... senhor me ajude. — Não era bem um senhor, era um homem feito, porém de chapéu cinza com uma longa subida, a borda com um detalhe preto, terno e gravata cinza também, ele parou no mesmo instante, olhei em seus olhos eram tão verdes e profundos, os cílios bastante longos, sorriu encarando-me de volta.

— O que deseja? — Ao falar observei a sua boca, havia um pouco de bigode acima dela, abaixei o meu olhar, me disseram para não encarar por muito tempo. Seria falta de educação, mas ele encarou-me repetidamente com um sorriso, seus olhos não oscilaram aos meus. Apenas ergueu a sobrancelha.

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