POV Nyvie
A primeira coisa que ouvi naquele dia — antes mesmo do meu despertador tocar — foi a voz da minha mãe ecoando da cozinha, com seu tom doce, mas autoritário: — Nyv, está na hora! O café da manhã já está na mesa! Revirei os olhos ainda deitada, afundando o rosto no travesseiro com um resmungo abafado. Era sempre assim. Não importava o quanto eu reclamasse, ela ignorava solenemente minha vontade de dormir até o último segundo. — Mãe, já falei que não precisa me acordar antes do despertador! — gritei de volta, sabendo que era pura perda de tempo. Minha mãe levava a sério esse ritual matinal de café reforçado para lobisomens. Uma obsessão com waffles e nutrição que beirava o sagrado. — Filhinha, as panquecas com calda vão esfriar! E hoje tenho um parto cedo no hospital da matilha! Suspirei. Rendida. — Tá bom, já tô descendo. Eu cuido da louça depois, tá? Te amo! — Também te amo, meu bem. Boa aula, se cuida! — ela respondeu, e então ouvi a porta se fechando com aquele clique sutil que significava: “agora é com você”. Minha mãe, Beth, não é só uma mãe incrível — ela também é a Curandeira e Médica Chefe da nossa alcatéia. Mesmo com uma equipe de profissionais treinados, ela insiste em estar presente nos casos mais delicados, como partos, ferimentos graves ou filhotes doentes. Vive no limite, exausta, mas nunca deixa de cuidar de mim como se eu fosse o último fio de luz no mundo dela. E talvez eu seja mesmo. Desci as escadas ainda sonolenta, mas despertei de vez com a visão da mesa. Meu coração deu uma leve aquecida. Panquecas com calda brilhando no ponto exato, frutas frescas cortadas como em foto de revista, bolos ainda soltando vapor, suco natural... Um verdadeiro café de hotel cinco estrelas. Agradeci mentalmente à Deusa da Lua por ter me dado uma mãe assim. Comi um pouco de tudo e deixei a cozinha impecável. Se alguém entrasse ali depois, nem acreditaria que um furacão faminto passou por aquela mesa. Depois, subi e fui direto para o banho. A água quente lavou o resto da preguiça. Passei só uma maquiagem leve, mais pra destacar os olhos — herança da minha mãe, verdes como relva molhada. Meus cabelos negros caíam em ondas até a cintura, e a pele clara fazia um contraste bonito com o uniforme da escola: branco com detalhes verdes e o logo do lobo uivando para a lua no peito. Simples, mas... funcional. Bonito. Quase elegante. Olhei meu reflexo uma última vez antes de sair. Perfeita. Ou pelo menos, pronta. A escola ficava perto, uma das poucas vantagens de ter sido filha do antigo beta da alcatéia. Meu pai era o braço direito do Alfa Garrett — forte, respeitado, leal. Mas... há dois anos, tudo desmoronou. Ele morreu em batalha, defendendo a fronteira contra lobos renegados. Lembro como se fosse ontem. A ligação do Alfa, o silêncio que veio antes do grito da minha mãe... um som tão visceral que ecoa até hoje dentro de mim. Quando um vínculo de alma gêmea se rompe, não é apenas dor — é destruição. A rejeição já é cruel, mas a perda verdadeira é algo que não se compara. Ela nunca mais foi a mesma. E eu... bem, eu aprendi a sorrir mesmo com o peito em pedaços. Cheguei à escola e, no instante seguinte, fui quase atropelada pelos dois furacões que eu chamava de melhores amigos. — NYVIIIE! — gritaram Sther e Robert em uníssono, me cercando em um abraço tão apertado que me tirou o ar. E foi aí que sorri de verdade pela primeira vez no dia. Nós três éramos inseparáveis desde filhotes. Os mais velhos nos chamavam de “os três mosqueteiros”, e isso sempre me fez rir. Éramos diferentes, mas funcionávamos como uma matilha só. E sabíamos que, quando completássemos dezoito, tudo mudaria. Os laços predestinados apareceriam... e nossas vidas jamais seriam as mesmas. Mas até lá, eu só queria isso: eles ao meu lado, o riso fácil, o abraço apertado. E, quem sabe, num golpe de sorte do destino... nossos companheiros se dessem bem também. Talvez seja um sonho bobo. Mas é o meu sonho. E eu não estou pronta para abrir mão dele.