POV Nyvie
O abraço dos dois me apertou de um jeito bom, daquele tipo que te lembra que você é amada. Por um segundo, o frio na barriga do primeiro dia de aula desapareceu. Não era pelas matérias ou pelos professores, mas por tudo o que um novo ciclo pode esconder. Aquelas mudanças invisíveis que a gente só percebe quando já é tarde demais. — Vocês estão cada vez melhores nesses abraços — brinquei, rindo, tentando sair do meio deles. — Daqui a pouco vão me esmagar, seus ursos. Sther me soltou primeiro, jogando o cabelo ruivo cacheado para trás como se fosse a estrela de um comercial. Ela era pelo menos uns cinco dedos mais alta que eu, com aqueles olhos azuis que sempre pareciam saber de algo que eu não sabia. — A culpa não é minha se você ainda tem tamanho de um anão de jardim — disse, piscando de um jeito provocador. Robert riu baixinho e passou o braço por cima dos meus ombros, como sempre fazia. Ele era um dos lobos mais altos da alcatéia, com aquele cabelo liso e bagunçado, cor de mel. E os olhos... escuros, redondos, sempre atentos. Quem visse de longe, jurava que ele já era um guerreiro. Mas Robert só tem 17 anos. Faltam dois meses pro aniversário dele, pra ele finalmente começar o treinamento oficial, esse é o sonho da vida dele, desde que a gente usava fralda. — Anã ou não, você continua sendo nossa líder, né? — ele falou, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Dei uma leve cotovelada nas costelas dele, só de birra. No fundo, era só a nossa forma de dizer "eu te amo, mas você é insuportável". E a verdade é que eu adorava o jeito como eles cuidavam de mim. Assim que entramos no prédio principal, tudo pareceu mais vivo. Os corredores estavam cheios de vozes, de passos apressados, de risadas. Professores tentavam manter a ordem com aquele olhar cansado, e o cheiro familiar do lugar me envolveu: livro velho, café barato, suor e... lobos. Aquele cheiro nosso que mistura madeira, terra molhada e alguma coisa que eu nunca consegui descrever. — Sala 2B, certo? — perguntei, olhando meu horário. Sther assentiu com a cabeça, e Robert nos puxou pelas mãos, guiando-nos como sempre fazia. Quando atravessamos a porta da sala, fui invadida por uma sensação estranha. Não era exatamente nostalgia... era como se o tempo tivesse dobrado, e tudo ali fosse conhecido e ao mesmo tempo novo demais. Algumas coisas mudaram, mas ainda tinha lembranças nossas do ano passado. As carteiras estavam todas riscadas como antes, o quadro ainda carregava marcas de giz que ninguém conseguiu apagar direito, e a janela dava para o campo de treino, meu lugar favorito no mundo. A professora Mirtha já estava lá. Sentada, imóvel, como uma sombra que nos observa. Ela era uma loba velha, daquelas que a gente aprende a respeitar no silêncio. Dizem que, quando era jovem, lutou ao lado do Alfa Garrett na guerra contra uma matilha rival. Eu acredito. Os olhos dela têm aquele brilho de quem já viu demais e continua em pé. — Bem-vindos de volta, jovens lobos — disse com a voz firme e suave. — Espero que tenham aproveitado o recesso, porque este semestre será... transformador. Ela fez uma pausa na última palavra. Como se estivesse anunciando algo. Provavelmente se referindo a nossa transformação que estava próxima. Olhei para Sther, e ela ergueu uma sobrancelha. Robert deu de ombros, como se não tivesse ouvido nada de estranho. Mas eu senti um arrepio subir pela espinha. Alguma coisa na fala da Mirtha fez meu peito apertar. Algo estava mudando esse ano e meu lobo podia sentir isso. Sentei no meu lugar de sempre, entre meus dois amigos, tentando ignorar aquela ansiedade crescente que morava no fundo do estômago. Mas minha loba se mexeu na minha mente, inquieta e desconfiada de algo, eu ainda não podia ouvi-la e conversar com ela, mas podia sentir os sentimentos e emoções que ela emanava pra mim. Foi então que o cheiro chegou. Madeira queimada. Menta fresca. Forte, diferente, impossível de ignorar. Minha loba deu um passo à frente, rosnando baixo dentro de mim. Virei o rosto, tentando parecer casual. Na última fileira, sentado sozinho, havia um garoto que eu nunca tinha visto antes. Cabelos escuros, bagunçados de um jeito bonito. E os olhos... âmbar. Quase dourados. Como se brilhassem por conta própria. Ele não falava com ninguém, não parecia perdido. Era como se já soubesse exatamente onde estava. Percebi que as garotas ao redor o observavam também. Curiosas e atraídas por sua beleza única. Meu coração começou a acelerar, será que eu estava com ciúmes? Mas eu nem conhecia ele. Estou realmente confusa. Ele olhou pra mim e eu desviei o olhar, corei levemente e acho que meus amigos perceberam. Meu Deus, que vergonha.