Naquela manhã de quarta-feira, o sol ainda tocava a neblina sobre os campos da fazenda quando Amanda desceu as escadas da casa principal ao lado de João. Os dois estavam impecavelmente vestidos — ela, de preto e vinho; ele, de azul escuro e camisa branca. Um casal que exalava força, poder e... perigo.
Na mesa do café, Augusto estava com a xícara na mão, falando com frieza calculada:
— Carlos, você ainda continua com essas senegações? Já não te basta o vexame no jornal?
Carlos apertava os lábios, tentando manter a compostura. Gertrudes servia o café em silêncio, os olhos atentos às reações da casa. Amanda se sentou ao lado de João, que puxou sua cadeira com gentileza. Com naturalidade calculada, ela respondeu:
— João, vamos para a empresa. Hoje o José não vai. Vai acompanhar Sofia no médico… e procurar uma professora nova para a Nina.
Ela falou com serenidade, como se nada estivesse acontecendo — nenhuma manchete, nenhuma ameaça, nenhuma guerra velada.
João assentiu e se levantou, estendendo a mão para Amanda.
— Vamos, meu amor.
A mesa ficou em silêncio. Carlos fixou os olhos nela, buscando reação, mas Amanda nem o olhou.
A manhã em Moscou estava fria e acinzentada, mas o clima dentro da sede da Duarte International era elétrico. Amanda e João entraram juntos, de braços entrelaçados, a passos firmes e sincronizados. A imagem dos dois provocava um misto de respeito, admiração e murmúrios discretos entre os funcionários. Alguns baixavam a cabeça, outros trocavam olhares cúmplices. Os rumores, antes sussurrados, agora caminhavam diante deles, de mãos dadas.
No corredor, Valéria, elegante e sempre impecável, se aproximou com uma prancheta nas mãos e um sorriso profissional demais para ser apenas trabalho.
— João, chegaram algumas propostas interessantes de terrenos na área central de Moscou — disse ela, olhando diretamente para ele e ignorando Amanda.
João assentiu.
— Ótimo. Deixa sobre a minha mesa. Vou analisar depois da reunião com a diretoria.
Ele virou-se para Amanda e a tocou de leve no braço.
— A gente se vê daqui a pouco, amor.
Amanda sorriu, discreta, e seguiu para sua sala. Havia uma pilha de documentos a revisar e detalhes finais do novo projeto internacional que ela e Bruno levariam ao Marrocos na próxima semana. Os números, as cláusulas contratuais, os mapas... tudo precisava estar perfeito. Mas, apesar da concentração, algo martelava em sua mente: Valéria.
O jeito como ela olhava para João. O tom doce demais. A familiaridade forçada. Amanda não era de fazer escândalos, nem de alimentar inseguranças... mas seus instintos nunca falhavam.
Quando o relógio marcou 11h45, Amanda fechou seu notebook, levantou-se e foi até a sala de João. Ao entrar, Valéria estava inclinada sobre a mesa dele, falando baixo, próxima demais.
Amanda manteve a elegância. Caminhou com calma até o centro da sala. Seus saltos batiam ritmadamente no chão de mármore.
— João... — disse com um leve sorriso. — Pode me emprestar alguns minutos?
João ergueu os olhos, sorriu, e respondeu:
— Claro, amor. Valéria, dá licença. A gente conversa depois.
Valéria hesitou. O olhar que lançou para Amanda era venenoso, mas recuou sem dizer nada, saindo da sala com os punhos fechados.
Quando a porta se fechou, Amanda foi até João, parando à sua frente. Ele se levantou, abraçou-a pela cintura e a puxou para mais perto.
— Estava com saudades — Amanda sussurrou, encarando-o.
— E eu nem sei mais como é ficar sem você por algumas horas — respondeu ele, beijando levemente seu pescoço.
Amanda fechou os olhos por um segundo, mas por dentro, a tempestade se formava. A guerra não era com João... era com Valéria. E ela sabia muito bem como jogar quando a ameaça vinha disfarçada de sorrisos e recados corporativos.
O restaurante da cobertura da sede da Duarte International era elegante, reservado apenas para reuniões mais íntimas e executivas. As janelas amplas deixavam a luz cinzenta do dia nublado entrar, banhando a mesa em tons frios.
Amanda, impecável como sempre, sentou-se ao lado de João. Do outro lado, Isabela —— revisava alguns dados em seu tablet, enquanto Bruno explicava com entusiasmo os detalhes do projeto que iniciariam no Marrocos.
— Já deixei tudo preparado com a equipe de engenharia e segurança — disse Bruno, animado. — A fundação começa semana que vem, e teremos que acompanhar de perto as negociações com os representantes locais.
— Ótimo, Bruno. Assim que chegarmos, quero uma reunião com todos os fornecedores. — Amanda falava com foco, mas seus olhos não perdiam um só movimento à mesa.
João, ao lado dela, acrescentou:
— Infelizmente, vou ter que ficar. Os sócios suíços chegam exatamente no mesmo dia. Augusto pediu que eu pessoalmente acompanhasse as reuniões.
— É uma pena — Amanda comentou, enquanto cortava um pedaço do salmão grelhado. — Mas confio em você para mantê-los sob controle.
Foi então que Valéria, sentada ao lado de Bruno, soltou a frase com a casualidade mais venenosa do dia:
— Bom, já que Amanda não vai estar... — ela disse, mexendo distraidamente a taça de vinho — João, não pega bem você ir às reuniões com os suíços desacompanhado. Se quiser, eu posso te acompanhar. Posso representá-la na sala.
O garfo de Isabela parou no ar. Bruno apenas desviou os olhos para Amanda, já prevendo o que viria.
Amanda não disse nada. Apenas ergueu o olhar. Frio. Letal. O tipo de olhar que, se fosse uma lâmina, faria Valéria sangrar em silêncio.
João percebeu na hora.
— Não vai ser necessário, Valéria — ele respondeu com firmeza, sem hesitar. — Prefiro lidar com os suíços sozinho.
Valéria sorriu, sem graça, tentando parecer indiferente.
— Claro. Só quis ajudar...
Amanda voltou os olhos para seu prato e cortou outro pedaço, com a mesma calma de antes.
— João não precisa de ajuda, Valéria. Ele precisa de competência. E, bem... isso não se finge.
O silêncio caiu como um trovão abafado. Bruno pigarreou, Isabela tentou mudar de assunto, mas a tensão já tinha sido lançada no ar como uma adaga.
Valéria entendeu o recado. Amanda não precisava levantar a voz para deixar claro quem mandava naquela mesa.