Era isso que eu era pra ele. Uma foda boa. Uma distração.
— Bom saber que ainda sou melhor. — Fingi força, mas por dentro me sentia pequena. Ridícula.
— E você, o que tá fazendo aqui?
— Trouxe o Bono pro banho.
— Aquela bola de pelo nojenta? — Ele torceu o nariz, lembrando a alergia. Mais um motivo pra nunca ir na minha casa.
— Que eu amo de... — Não terminei. Fui interrompida pela buzina do carro de Matthew.
Ele saiu, sorrindo, sem notar a tensão no ar.
— E aí, cara.
Misa apenas acenou, o semblante travado. Olhou pra mim de novo.
— Pelo visto, alguém dormiu na sua casa.
Cuspi o veneno com um sorriso debochado.
— Misa, você é o único aqui que dorme com duas ao mesmo tempo.
Ele riu.
— Tá reclamando?
— Não. — Mas queria. — Só tô deixando claro algo que você insiste em ignorar.
E então me virei, antes que minha garganta traísse a fachada, e segui até o carro de Matthew.
O caminho inteiro sigo em silêncio, perdida nos meus próprios pensamentos enquanto finjo sorrir para os comentários de Matthew sobre as propagandas toscas que aparecem nas placas da cidade. Ele ri, se diverte. Eu sorrio. Mas estou ausente.
Por dentro, estou em pedaços.
Misa foi o meu primeiro. Meu primeiro homem, meu primeiro vício, minha primeira ilusão. Eu tinha 15. Ele, quase 18. Nos conhecemos no primeiro ano do ensino médio. Não houve namoro, flores, mãos dadas no corredor. Só quartos escuros, toques escondidos, mentiras bem contadas. Ele tirou minha virgindade como quem rouba um segredo. E eu deixei. Deixei porque acreditava que um dia ele me escolheria. Porque era mais fácil me iludir do que aceitar que talvez eu fosse só uma pausa confortável na vida dele.
Quando ele se formou e foi para Columbia, eu acreditei que tudo ia mudar. Em vez disso, ele conheceu July. A namorada perfeita. A morena linda de família rica, sempre com um sorriso pronto para as fotos de campanha do pai dele. Enquanto isso, eu continuava nos bastidores — na sombra, no quarto, no silêncio. Ele dizia que era passageiro, que nem transavam direito, que ela era só uma peça na estratégia do pai. E eu... eu acreditei. Eu sempre acreditei.
Mas agora... agora eu me pergunto: por que ela?
Ele escolheu a July. E essa escolha me fere de um jeito que eu não consigo mais disfarçar.
E mesmo assim, eu continuo gostando dele.
— Por que toda vez que você se encontra com o Misa seu humor vira do avesso? – Matthew pergunta, sem rodeios.
Eu hesito. Ele merece uma resposta, mas como se explica o inexplicável?
— É complicado. – digo, saindo do carro. O sol me cega por um segundo, como se o mundo quisesse me lembrar que existe luz, mesmo quando tudo dentro de mim parece cinza.
— Talvez o complicado eu entenda.
— Acredito que não. – Sorrio, mas é um sorriso vazio. Daqueles que a gente treina na frente do espelho pra fingir que está tudo bem.
Entramos no campus e seguimos para a sala de projeto gráfico. A aula seria uma distração bem-vinda, mas mesmo assim meu peito pulsa com aquela inquietação surda. Emma já está lá com Lotte, animadas discutindo ideias. São minhas melhores amigas desde o primeiro semestre, e ainda assim, nunca contei tudo a elas. Nem sei se conseguiria. Nem sei se quero.
— Bom dia. – Matthew cumprimenta e se senta.
— O Jones não chegou ainda? – pergunto, mais por manter a conversa do que por real interesse.
A aula passa. A cabeça não. Ela está em outro lugar, em outro toque, em outra lembrança.
No almoço, o convite para a boate me pega desprevenida.
— Ué, você não vai conosco na Pub? – Lotte pergunta.
Eu travo. A Pub. O mesmo lugar onde ele agora vai com ela. Ele, que odiava agito. Mas July ama uma pista de dança. E ele... Ele ama agradar o pai.
— Eu já tinha me esquecido. – minto. Tudo em mim é fingimento quando se trata dele.
Mas vou. Não por empolgação, mas por orgulho. Talvez por desejo de provocar. Ou só pra tentar me convencer de que eu ainda tenho algum controle nessa história.
Me despeço deles e sigo até a cafeteria. O chá gelado refresca a garganta, mas não a alma. Atravesso o Central Park com pressa e chego cedo ao estágio. A recepcionista fofoqueira acena, e tudo que consigo pensar é: “Ela viu”. Ela viu eu e ele. No banheiro. Como explicar aquilo?
Pego o elevador e vou direto para minha sala. Preciso trabalhar. Preciso esquecer. Preciso parar de amar alguém que só me ama no escuro.
Penduro a bolsa, abro o notebook, tento focar nos relatórios da Patinsk. Mas então... a porta se abre, sem aviso. Já preparo um olhar furioso para a chefe, mas congelo ao vê-lo.
Misa.
Como se ele não fosse a razão da minha confusão.