— Você sabia que, em algumas cidades do Japão, dizem que ter um gato preto aumenta o número de pretendentes pra mulheres solteiras? — Matthew comentou com aquele sorriso tranquilo, enquanto eu me equilibrava entre segurar o Bono no colo e trancar a porta do prédio com a outra mão.
— Então esse gato tá com defeito. — brinquei, entregando o Bono para ele segurar. — E não me diga que passou por acaso na rua do meu prédio.
Peguei o saco de lixo no chão e caminhei até a lixeira, ouvindo os passos dele atrás de mim.
— Achei que você ia querer uma carona pra faculdade — ele disse, fazendo carinho nos pelos pretos do Bono, que já se jogava em seus braços como se fosse um bebê mimado.
— Obrigada, Matthew, mas ainda tenho que passar no Pet Shop.
— Isso não é problema. — respondeu, já colocando o gato debaixo do braço e indo direto para o Porsche, como se já fosse óbvio que eu aceitaria.
Revirei os olhos, rindo.
— Você e sua boa vontade exagerada.
— Margo, entra no carro logo. — Ele falou enquanto destravava as portas e soltava o Bono no banco traseiro, como se fosse um passageiro vip.
— Quando você vai parar de ser tão bonzinho assim? — Entrei no carro e liguei o rádio na estação de sempre. Pra nossa sorte, tocava nossa música favorita do momento — daquelas que a gente canta errado, mas com vontade.
— Me conhece há quatro anos, Cecon. Você sabe que eu gosto de dirigir contigo do lado. Nem é sacrifício.
— Todos os dias, Matthew? Eu me sinto uma abusadora da tua caridade.
Ele sorriu de canto e ligou o carro. Apertei o cinto, encostando a cabeça no vidro.
— Já fazem quatro anos que entrei naquele campus da NYU pela primeira vez. Nem parece.
— Eu lembro... você sentada sozinha falando com o vento. Achei que tinha fugido do hospício.
— Idiota. — Mostrei a língua, rindo. — E pensar que daqui a duas semanas a gente se forma...
— Os futuros publicitários de Nova York. Olha o perigo.
— Se eu não for contratada pela Marvel, vou falir.
— Você já mandou o currículo. Agora é torcer.
— Eles só vão me chamar quando chover canivete.
— Não seja pessimista.
Ele estacionou do outro lado da rua. Peguei o Bono no colo e atravessei a calçada até o Pet Shop Red Canary. O dia já estava agitado, como tudo em Nova York às oito da manhã — aquela mistura de caos que me dava vontade de abraçar e socar ao mesmo tempo.
— Bom dia, Mag. — Fred me recebeu do balcão com aquele sorriso de sempre. O cabelo ruivo rebelde despontava por baixo do boné verde da loja;
— Bom dia. — Sorri, entregando o Bono, que ronronou na hora. — Ele tá podre de fedido, já aviso. Final de semestre me engoliu.
— Já vi ele pior. — Fred brincou, pegando o dinheiro que deixei no balcão.
— Volto lá pelas cinco, tá?
Estava mais atrasada do que imaginava. Saí praticamente correndo, mas minha bolsa resolveu me sabotar, enganchando na maçaneta. Praguejei em silêncio e tentei soltá-la, até sentir um empurrão nas costas que quase me jogou no chão. Não cheguei a cair. Dois braços fortes me seguraram. E foi aí que eu olhei pra cima.
— Ei! — exclamo, quase indo de cara no chão.
Cachos castanhos escuros. Olhos azul-acinzentados. Suor escorrendo pela têmpora. O cheiro amadeirado do perfume misturado com hortelã quente do hálito. O corpo arfando.
Misa.
— Você? — minha voz saiu com um susto abafado, franzindo a testa. — O que tá fazendo aqui?
— Correndo. — Ele disse, tirando os fones e limpando o rosto com a camiseta. O suor colava o tecido à pele, e meu corpo respondeu antes da minha consciência.
— Mas... você mora do outro lado da cidade. — Minha pergunta saiu mais como uma acusação do que eu pretendia.
— Não dormi em casa.
Curto. Seco. Cruel. Tradução: dormiu com ela. Com July.
Senti o estômago embrulhar, mas engoli.
— Entendi. — Olhei para o lado e mordi a língua. Mas não aguentei. — Ela já tá melhorando na cama?
Ele sorriu de lado, daquele jeito que só ele sabia fazer quando queria me desmontar.
— Não chega nem perto da minha amante.
A palavra caiu como um tapa.
"Amante."