O táxi aguardava do outro lado da rua, mas eu não conseguia me mover. Meus olhos estavam fixos na pequena casa de paredes descascadas e janelas estreitas, que por tanto tempo foi meu refúgio e, ao mesmo tempo, minha prisão. O relógio no pulso marcava o tempo passando, cada segundo me lembrando que minha vida estava prestes a mudar para sempre.
Escolhi aquele horário de propósito. Sabia que ele não estaria ali. Sabia que, por algumas horas, aquela casa seria apenas minha e dela — minha mãe. Respirei fundo, tentando reunir coragem, e atravessei a rua com passos vacilantes. Cada centímetro que eu me aproximava fazia meu coração bater mais rápido. Quando cheguei à porta, hesitei. Levantei a mão para bater, mas ela já estava entreaberta. — Mãe? — chamei com a voz baixa, quase um sussurro. Ouvi passos suaves e, em seguida, a figura frágil da minha mãe surgiu no corredor. Seus olhos se arregalaram ao me ver, e um sorriso triste se formou em seus lábios. — Isa… você veio. — Vim me despedir — respondi, a voz falhando. — Eu não podia ir embora sem falar com você. Ela caminhou até mim e me envolveu em um abraço apertado. Seu cheiro, uma mistura de perfume floral barato e café, me envolveu de uma forma tão familiar que fez meu peito doer. — Eu ainda não acredito que minha menina vai para tão longe — ela sussurrou, com a voz embargada. — Vai ser tão difícil… — Eu sei, mãe. Eu sei que vai ser difícil pra nós duas — falei, afastando-me apenas o suficiente para olhar em seus olhos vermelhos. — Mas é a única maneira. Eu preciso tentar. Ela assentiu, mas suas mãos tremiam quando seguravam as minhas. — Eu só queria que as coisas fossem diferentes, Isa. Queria que você não precisasse ir embora para ter uma vida melhor. — Eu também queria, mãe — admiti, sentindo as lágrimas ameaçarem escapar. — Mas eu não posso mais ficar aqui. Não com ele. Não com… com tudo isso. Ela abaixou o olhar, como se fosse incapaz de me encarar depois das minhas palavras. O silêncio que se seguiu foi pesado, sufocante. Até que finalmente, com uma voz quase inaudível, ela disse: — Eu sei que ele é um problema… Eu sei que devia ter saído daqui com você… mas eu… eu não consigo. Segurei o rosto dela entre minhas mãos, forçando-a a olhar para mim. — Mãe, você merece muito mais do que isso. Você merece paz, merece amor, merece ser feliz. Eu não quero passar o resto da minha vida sabendo que você ficou aqui sofrendo. Por favor… por favor, prometa que vai tentar. As lágrimas dela finalmente caíram, silenciosas, como se cada gota fosse uma ferida aberta. — Eu prometo tentar… por você. Beijei sua testa, sentindo um nó na garganta que parecia impossível de engolir. — Eu vou trabalhar duro, vou juntar dinheiro. Um dia eu volto, e quando isso acontecer, eu quero te tirar daqui. Quero que seja só nós duas de novo, lembra? Como quando eu era pequena. Ela sorriu através das lágrimas, um sorriso frágil, quase infantil. — Eu lembro, minha menina. O som de um carro se aproximando me fez olhar para trás, nervosa. Não era ele, mas o medo de encontrá-lo era como uma sombra constante. — Eu preciso ir — sussurrei. — O táxi está esperando. — Espera. Ela saiu rapidamente para o quarto e voltou com uma pequena caixa embrulhada com cuidado. — É para você abrir no avião. Um pedacinho de casa… Peguei a caixa, sentindo o peso emocional daquele gesto, e a guardei na mochila com cuidado. Nos abraçamos mais uma vez, mais apertado, como se quiséssemos gravar uma na outra a sensação de segurança. — Cuida de você, Isa. E não esquece… eu te amo — ela disse, com a voz embargada. — Eu também te amo, mãe. Mais do que tudo. E então me afastei, antes que a vontade de ficar falasse mais alto do que a necessidade de partir. Cada passo até o táxi era como arrancar pedaços de mim mesma, mas eu não olhei para trás. Não podia. Quando entrei no carro e olhei pela janela, vi minha mãe parada na porta, os braços cruzados sobre o peito, tentando conter as lágrimas. Meu coração parecia uma ferida aberta, mas dentro de mim havia uma pequena chama de esperança. Eu precisava acreditar que um dia nós duas estaríamos livres. O táxi arrancou devagar, e eu mantive os olhos fixos na janela. Minha mãe continuava ali, imóvel na porta, com o avental ainda amassado e os olhos inchados. Parecia tão pequena, tão frágil, que por um instante o impulso de pedir ao motorista para parar me dominou. Mas eu respirei fundo e segurei as lágrimas. — Continue — murmurei para mim mesma, quase como uma prece. — Por ela. Por nós duas. A viagem até o aeroporto foi um borrão de pensamentos confusos e mãos trêmulas. Ao descer do carro e entrar no terminal, o peso da decisão parecia dobrar sobre meus ombros. Cada passo me afastava daquela vida, daquela casa… dela. Quando finalmente me sentei no avião, já acomodada na poltrona ao lado da janela, o som da turbina ecoava como um lembrete de que não havia mais volta. Prendi o cinto, apoiei a cabeça no assento e fechei os olhos por um instante, tentando conter a angústia. Foi então que lembrei da caixinha que minha mãe colocou em minhas mãos antes de eu partir. Tirei-a da mochila com cuidado, como se fosse feita de vidro. O laço estava frouxo, o papel um pouco amassado, mas eu reconheci o capricho dela ali — era a maneira dela de segurar o pouco de controle que ainda lhe restava. Desatei o laço devagar e abri a tampa. Lá dentro, um pequeno bolo caseiro, o meu preferido. O aroma doce me atingiu com força, e junto dele veio uma onda de lembranças: eu, criança, na cozinha com ela, rindo enquanto lambia a colher com a massa crua; ela passando a cobertura com uma paciência infinita, sempre dizendo que aquele era “nosso momento”. Um bilhetinho estava dobrado ao lado do bolo, com a caligrafia dela um pouco trêmula: "Para quando a saudade apertar. Eu te amo, minha menina." As lágrimas vieram antes que eu pudesse impedir. Apertei o bilhete contra o peito, sentindo o coração se partir e, ao mesmo tempo, se encher de uma força nova. — Eu vou fazer dar certo, mãe. Vou lutar por nós. Fechei a caixinha e respirei fundo. Quando o avião começou a taxiar pela pista, meu olhar se fixou no horizonte. Era o início de tudo. *** Do outro lado do oceano, em uma mansão elegante e silenciosa, Miguel observava o relógio com uma expressão indecifrável. Giulia estava sentada no chão da sala, rodeada de cartolinas coloridas, canetinhas espalhadas ao redor. — Papai, ajuda? — ela pediu, erguendo um papel onde, com letras tortas, estava escrito: “Bem-vinda, Isa”. Miguel suspirou e se agachou ao lado da filha. — Claro, meu amor. Vamos caprichar. Ela merece se sentir acolhida. Enquanto pai e filha decoravam o cartaz com corações e estrelinhas, Carmen apareceu na porta, segurando uma pasta com informações sobre Isa. — Está quase na hora, senhor Benites. A casa está pronta, mas... o senhor está? Miguel olhou para Carmen, depois para Giulia, que sorria inocente, e sentiu o peso da responsabilidade. — Não sei, Carmen — admitiu, com a voz baixa. — Mas vou ter que estar. Ele ergueu o cartaz com Giulia, forçando um sorriso. A chegada de Isa não era apenas o início de uma nova rotina; era também o início de uma mudança que ele não podia mais evitar.