Uma carta deixada por Olavo após sua morte para a filha Valquíria, a leva a descobrir que seu filho corre perigo ao visitar uma vila inglesa, Paranapiacaba, fundada em 1867 no litoral sul do Brasil para o escoamento do café no interior paulista através da ferrovia. Para salvar seu filho da maldição que impera o terror na vila, através da figura da noiva que assombra e se esconde em meio à neblina, disposta a levar para as profundezas da mata todos os filhos homens que ali vivem para junto dela, Valquíria irá conhecer o real motivo de nunca ter tido contato com seus avós maternos. A Noiva da Neblina é uma estória de amor, ódio e traição onde Branca, a linda portuguesa, se vê envolvida nas teias de um homem apaixonado que não medirá esforços para tê-la, mesmo contra sua vontade. Elijah, um jovem advogado apaixonado e impiedoso, decide que terá Branca sem se importar com seus sentimentos. Mary Ann, amiga de Elijah, promete que irá ajudá-lo nessa conquista, desde que ele a ajude a manter seu casamento com Jeff Dean por quem fora apaixonada a vida toda. Jeff Dean, recentemente chegado da Inglaterra, se vê metido no imbróglio de sua família forçado a um casamento indesejado já que seu coração pertence a jovem e bela Branca. Entre juras de amor conseguirá o casal se unir contra a vontade de todos? Após conhecer o desfecho de Branca e Jeff Dean, uma estória antiga, mas ainda assim atual, onde o ciúme é o culpado de ceifar tantas vidas de mulheres que ousaram dizer não, conseguirá Valquíria salvar seu filho da fúria da Noiva da Neblina?
Leer másAraraquara, 20 de setembro de 2015.
Estava extremamente atarefada, como sempre acontece quando se tem que cuidar da casa, do marido, dos filhos e da carreira. Naquela manhã de segunda-feira, em particular, me encontrava ansiosa e meio desligada. Havia sonhado com meu pai. Depois que falecera, só havia sonhado com ele umas duas vezes no máximo. E foi pra lá de estranho. Tão real! Depois que me levantei, passei a ficar irrequieta, mesmo estando concentrada nos afazeres. Sentia um aperto no peito cada vez que me lembrava do sonho e do que ele me pedira para fazer. A saudade se misturava à apreensão. Em algum momento teria que voltar à sua casa, e com certeza iria imediatamente ao seu lugar preferido — a escrivaninha de mogno do seu escritório — já que a cena toda se passava lá, com ele sentado na sua poltrona preferida de couro marrom.
Rodeada de livros, colocados perfeitamente nas estantes, por ordem alfabética e por tamanho, ficava sua mesa de trabalho, adornada de relevos entalhados com perfeição por toda a lateral dos pés e do tampo. Nas quatro gavetas ele guardava alguns dos processos que havia ganhado e dos quais tinha mais orgulho. Como devem imaginar, meu irmão mais velho e eu éramos proibidos de mexer em suas coisas, porém, para mim aquele lugar era uma espécie de santuário, um lugar mágico. Minha mãe sempre me deixava estudar e desenhar sobre aquele tampo, enquanto ele estava no Fórum ou em seu escritório na cidade; desde que eu não mexesse em suas coisas. Mesmo que quisesse chafurdar suas gavetas, ele as mantinha trancadas à chave. Sempre fora um mistério para mim o lugar onde a escondia. Às vezes, passava a manhã toda sem desenhar, apenas olhando para aquele mar de livros de capas duras e escuras, pensando em qual deles a chave dourada, que me levaria para outro lugar, estaria escondida.
Relembrando minha infância naquela casa, sinto a saudade me invadir causando uma dor pungente. Minha mãe se fora há muito tempo. Ninguém conseguiu tirá-lo de lá. Sei que a falta dela o oprimia, porém, aguentava as coisas, calado. Talvez fosse seu lado jurista que o fizesse encarar as dificuldades com naturalidade. Sempre que perguntava à minha mãe porque o pai era tão taciturno, mamãe respondia que ele tinha seus fantasmas e que era para deixá-lo em seu canto, com seus livros. É claro que nunca entendi o que ela queria dizer com isso. Hoje penso que era o meio que encontrava de nos manter afastados; quando ele se mostrava sombrio, como se algo o incomodasse e a solução para isso fosse o silêncio, e também o copo de uísque, que acho que nem tocava. Creio que o efeito da luz difusa incidindo no líquido âmbar o acalmava ou talvez o usasse feito um talismã para afastar as sombras que lhe corroíam a alma.
Jamais fora um pai ausente. Sempre esteve conosco nos momentos em que precisávamos de sua presença. Festas de aniversário, festas de escola, passeios nos finais de semanas e tantos outros eventos. Não era um homem infeliz, acredito, porém não era desses homens que riem à toa. Acho que nunca o vi soltando uma gargalhada prazerosa.
Agora, depois de tantos anos, vejo que essa taciturnidade sempre foi uma característica sua, embora mamãe, uma vez, tenha comentado que nem sempre fora assim. Como toda adolescente que se preza, nunca cheguei a perguntar o que o teria transformado. Algumas passagens de minha infância levam-me a ter um vislumbre do que poderia ter acontecido. Quando tínhamos medo de dormir sozinhos no escuro, ao contrário de mamãe que sempre ralhava com a gente, ele se levantava da cama e ficava conosco até que voltássemos a dormir sossegados. Não precisava dizer palavras, apenas sua presença bastava.
Nunca nos incomodou por causa de nossos medos infantis. Ele tinha os dele. Às vezes eu sonhava com uma figura feminina que me amedrontava. Era extremamente bela, porém estranha, que de uma forma ou de outra, me fazia acordar aos gritos. Nunca conseguia me lembrar, porque me fazia gritar. Quando eu lhe contava sobre a mulher, ele apenas me olhava ansioso, depois soltava seu sorriso tímido e me pedia para esquecer. Era apenas um sonho. Não deveria ligar para isso. Ela jamais poderia me machucar, pois só existia em minha mente. Segurando sua mão sedosa, acabava por dormir novamente.
Engraçado lembrar-me dessas coisas depois de tanto tempo. Quando adolescente esses sonhos cessaram. Cresci e nunca tive interesse em histórias sobrenaturais e outras coisas do gênero. Sempre fui cética e avessa às doutrinas. Cheguei, quando já estava na faculdade, a rechaçar a crença no sobrenatural e na religião, ao que ele rebatia dizendo que não era para eu falar sobre algo que não entendia. Coisas estranhas aconteciam o tempo todo, mas nunca me disse que coisas estranhas eram essas. Estou relembrando esses fatos por que, creio, tem a ver com o sonho:
Ele está sentado em sua cadeira de couro. A luz do abajur, acesa, clareia a folha pautada no centro da escrivaninha. A penumbra no escritório deixa o ambiente um tanto quanto sinistro. Sua mão desliza sobre a folha, àquela altura já meio preenchida, de forma intensa, como se estivesse exorcizando todos os seus fantasmas, prendendo-os em cada pauta. Às vezes apenas segura a caneta e se reclina no assento da cadeira, fechando os olhos. Em seu rosto transparece o cansaço nas rugas e nas olheiras sob os olhos vívidos. Volta a escrever freneticamente por mais alguns instantes. Nos momentos de pausa, posso ver perfeitamente a angústia em sua face. O copo de uísque continua intocado.
Seus cotovelos se apoiam no tampo da escrivaninha, enquanto as mãos escondem o rosto. Parece mais velho do que era. Talvez a dor o estivesse amedrontando, ou a certeza de que a morte o abraçaria dentro em breve. Volta a escrever, de forma aflita, enquanto sua grafia treme à medida que o fim se aproxima. Várias folhas preenchidas, com sua letra inclinada para a direita, encontram-se amontoadas ao lado do notebook desligado. Um peso de papel em forma de tartaruga prende as folhas, mantendo-as fora da ameaça do vento gelado que entra pela janela aberta, enquanto a noite cai.
De repente tudo está terminado. Ele se debruça sobre a mesa, cansado, ou aliviado. Então, volta a se reclinar sobre o assento da cadeira, a contemplar as estantes amigas. Instantes depois, recupera todas as folhas do peso que as prendia, grampeando-as no canto superior esquerdo. Num envelope branco escreve meu nome, grifando-o duas vezes, colocando-o no início do monte, e depois, deposita na primeira gaveta, lacrando-a com a chave. Ele a gira em sua mão, olhando para o nada. Levanta e se encaminha à estante, à esquerda da escrivaninha. Na quarta fileira, de baixo para cima, retira um exemplar grosso de capa dura. Dentro do livro de madeira havia um nicho perfeitamente esculpido entre suas folhas falsas. Ali depositou a chave dourada, lacrando e devolvendo-o ao seu santuário.
De repente, estou em meu quarto, ao lado do meu marido que dormia profundamente. Sobressaltada, abro os olhos e o vejo parado aos pés da cama.
— Papai! Você está bem? — Perguntei, atirando o edredom para o lado e me levantando.
— Não se levante...
— Papai, que saudade. Como o senhor está? — Encontrava-me aflita, enquanto olhava para seu rosto amedrontado, querendo abraçá-lo, mesmo sabendo-o morto.
— Não o deixe ir para lá. — Disse, olhando por sobre o ombro.
— O quê? Não deixe quem ir aonde?
— É perigoso. Não o deixe ir.
— Ir aonde, papai? Espere. — Pedia, enquanto ele se afastava da cama e desvanecia na minha frente, não sem que antes eu veja a mão fina da mesma mulher que me incomodava os sonhos quando criança, segurando-o pelo ombro.
Acordei com um grito preso na garganta, sentindo os olhos úmidos. Meu pai me pedia para fazer algo de que não tinha ideia. Aquilo era tão contrário às suas atitudes. Jamais proibira a mim ou a meu irmão de ir a qualquer lugar que quiséssemos. Apenas nos alertava do perigo que poderíamos correr, caso optássemos em não considerar que atos impensados poderiam nos meter em alguma enrascada. Considerava que a melhor maneira de se aprender uma lição era nos tornar responsáveis por nossas atitudes. Nunca o vi, em vida, com tanto medo. O que tudo aquilo significava? O que tanto ele escrevia? Quem era aquela mulher e porque o perseguia com tanta resolução? Voltei a dormir muito tempo depois do meu coração ter serenado. O relógio sobre a televisão ainda marcava 03:15hs. Uma coisa era certa. Teria que deixar minhas incertezas de lado, entrar naquela casa e descobrir o significado de suas últimas palavras.
São Paulo, 1899.Ele se encontrava sentado à escrivaninha, pensando em como proteger a São Paulo Railway dos ataques feito, pela Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, contra o seu monopólio. Preocupado, sob pressão, pensava que a única solução seria comprar a Estrada de Ferro Bragantina e expandi-la, impossibilitando a passagem de outra ferrovia na região, como queria a Mogiana. Era a única solução para não ferir as leis de proteções legais e concessões. Era sua responsabilidade, como advogado, não deixar nenhuma brecha para um possível processo contra a Railway.Cansado, em meio aos l
Araraquara, 27 de setembro de 2015.Havia acabado de ler as inúmeras páginas que papai me deixara naquele fim de tarde. As últimas traziam uma letra tremida e cansada, muito diferente da forma segura com que começara as anteriores. Meu coração batia horrorizado. Jamais, em minha vida, pude imaginar o que ele trazia tão bem guardado dentro de si. Minha mãe nunca sequer tentou nos contar algo parecido com o que eu acabara de ler, mesmo quando lhe pedíamos para nos contar histórias sobre assombrações, quando as luzes se apagavam por causa de algum temporal. Mas ainda havia mais.Querida Val, Foi assim que verdadeiramente conheci sua mãe e nos apaixonamos. O que contávamos
Irina jogou-se ao chão, ao lado do velho eucalipto inclinado, palco de tamanha tragédia. Começou a procurar o anel que vira ser enterrado ali, porém, não o encontrou. A pedra colocada sobre o anel, por Mary Ann, já devia ter sido retirada depois de tantos anos. Desesperada, levantou-se na densa neblina, concentrando-se. Sabia que não tinha muito tempo. Fechou os olhos e deixou o sonho voltar à mente. Deu alguns passos, quase entrando no bosque e jogou-se ao chão novamente. Abriu os olhos e começou a cavar furiosamente, com a ajuda de uma pedra pontuda que achara por ali. Não devia estar tão fundo, pois Mary Ann não teve muito tempo para esconder o anel. Seu coração batia descompassado enquanto fazia uma prece silenciosa, a quem quer que tivesse lhe mandado o sonho. — Por favor, por favor. — pedia enquanto cavava, sem nada encontrar. Ampliou o lugar da procura, enquanto a tarde escurecia, e quando estava prestes a desistir, um minúsculo barulho de metal, contra a pedr
Irina acordou com um sobressalto. Um segredo lhe fora revelado depois de tantos anos. Alguém estava lhe dando uma chance de salvar o homem que ela amava; era nisso que acreditava quando pulou da cama e correu para o meu quarto. Pôs a mão em minha testa, constatando que a febre ainda não cedera. Já estava tarde. Mas se tivesse sorte, ainda naquela noite, poderia acabar com a maldição que imperava naquela pitoresca Vila.— Mamãe. — Irina tramava alguma coisa quando chamou a mãe, da recepção vazia.— Irina! Você está bem, minha filha? — perguntou dona Etelvina, vindo do restaurante.— Vou ficar bem, mamãe. Preciso sair e fazer algo.— Não deve sair, Irina. A colheita se aproxima.— Mamãe, eu tenho que tentar impedir que ela o leve. Tem que me deixar sair. Preciso que confie em mim.— N&ati
Os olhos de Irina remexiam sob as pálpebras. Gotas frias de suor surgiam em sua testa, enquanto sua cabeça se movimentava no travesseiro. Irina seguia devagar pela densa neblina em direção à passarela que levava ao Pau da Missa. Achou estranha a aparência do ferro sob seus pés, que parecia reluzir a cada passo, como se tivesse sido colocado ali há pouco tempo. Estendeu a mão à frente dos olhos tentando afugentar a névoa que, ao seu toque, começou a dissipar na luz da tarde que caía. Assustou-se ao ver pequenas discrepâncias nas casas da Vila, que se mostravam intensamente coloridas e vívidas, como se tivessem sido pintadas recentemente. O relógio da Torre do Big Ben marcava quatro horas da tarde. Tudo parecia reluzir enquanto ela caminhava. Assustou-se ao ouvir o apito agudo do locobreque. Virou-se na sua direção e a viu. Branca descia correndo a escadaria da Igreja Senhor Bom Jesus. Seus olhos, de um azul vívido, trazia a dor estampada. O véu flutuava
Vila de Paranapiacaba, 1946.Irina termina sua história, narrando de forma impassível, causando-me espanto. Seus olhos traziam o horror estampado pela dor da tragédia. Saber de tudo aquilo me causou um mal estar. Não queria revelar a ela que as coisas começavam a se encaixar na minha mente. Jeff Dean não foi um fruto da minha imaginação. Ele existiu e amou aquela mulher. Senti esse amor através dele. Apenas não entendia porque presenciara em sonho o amor dos dois. Por que ela parecia me querer com tanta paixão se o amava? Seria seu desejo se vingar por pensar que ele a abandona a caminho do altar? Uma estória triste do qual acabei me identificando quando me pus no lugar de Je
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