Mundo de ficçãoIniciar sessãoCAPÍTULO 2
Nikolai Volkov A caminho da mansão, a minha mente já trabalhava a mil, calculando cada movimento, cada peça do xadrez que eu teria que sacrificar para expor aquela fraude. Os planos se formavam gelados e precisos atrás dos meus olhos. Até que, olhando de lado, um sorriso cruel e involuntário curvou o canto da minha boca. Lá estava ela. Minha noiva deformada. Encolida no canto oposto da limusine, tentando ocupar o mínimo de espaço possível, como um animal acuado. O véu ainda cobria o rosto, um último refúgio patético. A ironia era tão cortante que eu precisei dar voz a ela. —Por que o medo, senhora Valkov? — minha voz soou baixa e áspera dentro do carro. — Não foi você mesma quem procurou entrar na caverna do lobo? Ela estremeceu, mas não respondeu. O silêncio dela era mais irritante que qualquer resposta. Antes que eu pudesse cutucar mais o monstrinho, o carro parou. “Chegamos”. Faria ela e toda a sua família pagar, em breve, ela ainda mais breve do que ela pudesse imaginar. Ao avistar os portões da mansão se abrindo, os flashes em minha mente voltaram como a força de um soco… A festa da Bratva, dois anos atrás… A luz baixa da festa, o som abafado de jazz caro, o cheiro de poder e perfume no ar. E então, ela. Victoria Harrington. Um raio de sol dourado que um dia acreditei ser natural no meio de toda aquela escuridão polida. Loira, esbelta, vestindo um vestido que custava mais que o carro da maioria dos homens. E seus olhos azuis… prometiam tudo e não significavam nada. Foi ela quem me puxou para o jardim. A audácia quase me fez rir. Quase. — Não podemos ser observados, senhor Volkov — sussurrou, seus dedos escorregando pelo meu braço antes de se prenderem à minha nuca. E então, seus lábios, pintados de um vermelho sanguíneo, encontraram os meus. O beijo foi úmido, ousado, carregado de uma sensualidade treinada que sabia provocar uma resposta. E meu corpo respondeu, é claro que respondeu. Qualquer homem com sangue nas veias teria cedido. Mas eu não sou movido apenas por sangue. Sou movido por cálculo. Ela se afastou um centímetro, ofegante, um sorriso triunfante de vencedora nos lábios. —Acho que não é tão frio quanto dizem, pois aparentemente gostou do meu beijo, afinal. Ficou tão calado…— Sua mão desceu do meu peito, um toque deliberadamente lento e provocador. — Outro homem já teria me tomado aqui mesmo, no jardim. O desejo que fervia em mim congelou instantaneamente, transformado em desprezo. Tomado. Como se eu fosse mais um cachorro faminto seguindo uma migalha que ela condescendia em jogar. Afastei-a com uma frieza que fez o sorriso dela esmorecer. Minha voz saiu baixa, um sibilo de gelo cortando o ar quente da noite. — Não confunda meu silêncio com fraqueza, senhorita Harrington. E não pense que sua oferta é algo que eu deseje. Seus olhos arregalaram. A arrogância deu lugar a um brilho de incredulidade. — Eu não quero você — continuei, cada palavra uma faca cravada no ego inflado dela. — Nem agora. Nem nunca. Guarde seus beijos para alguém que se impressione com o sobrenome Harrington. As lágrimas surgiram então, rápidas e perfeitas, escorrendo por suas faces imaculadas. Um pranto de rainha destronada, não de coração partido. E não me comoveu. Eu não me comovo. Virei as costas e deixei-a lá, tremendo de raiva e humilhação no jardim escuro. Naquele momento, achei que era o fim. Um capítulo fechado. Um insulto menor que uma mulher mimada superaria. Atualmente… “Idiota”. Agora eu sabia que nenhum Harrington esquece uma ofensa. E Victoria, com sua falsa beleza etérea e seu orgulho doentio, era a pior de todos. Aquele não foi um simples "não". Para ela, foi uma declaração de guerra. E hoje, ao ser forçado a casar com a irmã que ela despreza, vejo com clareza absoluta: esta é a sua vingança. Ela não podia me ter, então me amarra a uma "deformada" para me punir. Torna-me marido da mulher que é um símbolo de tudo que ela considera inferior, só para me lembrar, todos os dias, que no fim quem foi rejeitado foi eu por ela. As lágrimas que jorraram dos olhos dela naquele jardim não eram de tristeza, eram de fúria ferida. Eu virei as costas, indiferente. Um capítulo encerrado. “Idiota”. A palavra ecoa na minha mente agora, entrando no hall da mansão. Cerro os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos, lembrando da minha própria ingenuidade. Como eu pude subestimá-la tão ferozmente? Um Harrington nunca esquece. E Victoria, afinal, era a mais Harrington de todos. Então a lembrança do que aconteceu a noite, substituindo a visão dos portões. A festa dos 23 anos de Victoria… O convite foi uma armadilha tão evidente que até um recruta verde da Bratva teria desconfiado. Mas a minha arrogância – a mesma que me fez acreditar que um "não" seria suficiente – foi maior. Aceitei. Pensei que era uma tentativa de reconciliação fraca, um último suspiro de orgulho da família. Não era. Era um plano de aniquilação social, arquitetado com uma crueldade que até eu, em meus piores dias, admiraria. Os Harrington tinham dois problemas para resolver. O primeiro era a obsessão doentia de Victoria por vingança. O segundo era o "fardo" que era a filha caçula, Angeline – a jovem de rosto marcado que manchava a imagem "perfeita" que eles tanto cultivavam. Uma vergonha que eles escondiam nos cantos mais escuros da mansão. A ambição deles era dupla, e genial em sua perversidade: livrar-se de Angeline, casando-a com um homem influente que, uma vez ligado a eles pelo sangue de um casamento, traria seu poder para o clã. E, ao mesmo tempo, dar a Victoria e seus pais a vingança sádica perfeita: forçar Nikolai Volkov a se casar com a única mulher que ele mais desprezaria – a "deformada" que eles próprios trouxeram ao mundo e que criaram como zero. E eu, como um otário orgulhoso, caminhei direto para a jaula. A festa era um brinde vazio. Victoria me cumprimentou com um sorriso doce como veneno, seus olhos azuis gelados. Ofereceu-me uma taça de champanhe ela mesma. Eu devia ter cuspido na cara dela. Em vez disso, bebi. Um gole. Dois. A droga era potente, incolor, inodora. Não demorou para o mundo começar a girar, as luzes se fundirem em manchas borradas. Senti o chão ceder sob meus pés. — Você não parece bem, Nikolai — ouvi a voz de Victoria, fingindo preocupação. — Deixe-me levá-lo para um quarto para você descansar. Minha visão já estava escurecendo. Senti seus braços me envolvendo, me guiando. O último pensamento coerente que tive foi de puro desprezo por minha própria fraqueza. Depois, apenas escuridão. O rugido do motor da limusine ao desligar me arranca do passado. Estou de volta. Diante da minha nova prisão. Com a mulher que foi o instrumento da minha queda. Olho para Angeline, ainda encolhida em seu canto. O véu é um símbolo de tudo isso: uma cobertura para uma verdade nojenta. E eu fui o tolo que caiu no conto de fadas podre deles. Agora, o jogo mudou. Eles podem ter vencido a batalha, mas a guerra... a guerra só está começando.






