CAPÍTULO 3

NIKOLAI VOLKOV

Mal cruzei a soleira do salão principal da mansão, com Angeline arrastada como um fardo ao meu lado, a cena grotesca se revelou. Meu pai, Ivan Volkov, e os outros senhores do clã, assim como os Harrington, já nos esperavam. Todos de pé, taças de champanhe na mão, como se estivessem assistindo a uma peça de teatro.

Ao olhar para o rosto triunfante de Victoria, novas memórias me assombraram — os fragmentos enevoados do que havia acontecido apenas algumas horas antes, ao amanhecer.

Amanhecer na mansão Harrington…

A consciência voltou como um golpe, brutal e repentino. Um gosto amargo de veneno e uísque encobria minha língua. A cabeça latejava, o mundo girava.

Meus olhos se abriram para um quarto desconhecido, banhado na luz fraca da manhã que vazava pelas cortinas pesadas. E então, senti — o calor de um corpo suave contra o meu. O peso de um braço alheio sobre o lençol.

O que vi fez o meu sangue gelar instantaneamente. Uma mulher. Nua. De costas para mim, os ombros finos e a coluna vertebral um sulco pálido sob a pele. O cabelo escuro esparramava-se no travesseiro como uma mancha.

Meu instinto, ainda embotado pela droga, foi de alerta. Quem diabos era aquela? Como se sentisse o peso do meu olhar, ela se moveu. Um suspiro, um tremor. E então, ela se virou.

O mundo parou, em seu rosto, uma enorme cicatriz.

Uma linha violenta que serpenteava da têmpora até a boca, uma marca de brutalidade eternizada em traços delicados. Era uma jovem. E eu não a conhecia. Na verdade ninguém sabia que os Harrington tinham essa filha escondida.

Nossos olhos se encontraram. Os dela, verdes, se arregalaram de horror. Ela abriu a boca para gritar.

— Cale a boca! — rosnei, minha voz um rugido áspero que ecoou no quarto silencioso.

O susto a fez emudecer, mas não a acalmou. Ela se encolheu, puxando os lençóis para cobrir o corpo nu, um tremor incontrolável percorrendo-a.

Ela se encolheu, — Quem é você? — sussurrou, a voz um fio de horror. — O que está fazendo na minha cama? Nu?

Antes que eu pudesse responder, a porta se abriu com violência.

Lá estavam eles. Victoria na frente, com um sorriso de rainha vingativa. Atrás, os Harrington — Richard com seu olhar de falsa decepção, Elizabeth com a mão no peito, fingindo choque.

Meu Deus! — a Sra. Harrington exclamou, sua voz um falsete de choque. — Nikolai… você… você desonrou minha filha! A a minha pobre filha Angeline foi… criada em um internato!

O velho Richard avançou, seu olhar de aço perfurando-me. — Você corrompeu a pureza dela sob o meu teto! Na nossa tradição, você sabe o preço. Vai assumir e se casar com ela. Um homem do seu posto deve dar o exemplo!

E então, Victoria. Seus olhos azuis brilhavam com um ódio triunfante enquanto percorriam a cena: eu, ainda atordoado na cama, e a irmã, a "deformada", tremendo como uma folha.

Ela riu, um som gelado. — Quem diria, Nikolai? Resistiu a mim por ter gostos tão… peculiares. Gosta do circo dos horrores, é? — Seus olhos se voltaram para a irmã. — E você, irmazinha? Criada como santa, e afinal… uma vadia.

— Não! — a garota — Angeline — gritou, desesperada. — Isso não é verdade! Nunca dormi com ele, nem o conheço! Por que ele está no meu quarto?

Ela chorava, tremia, parecia à beira de um ataque. E eu… eu quase caí naquela atuação. Quase.

Mas não. Era óbvio. Tão óbvio. A peça final da armadilha. A falsa inocência, o desespero coreografado. Ela estava no jogo, assim como todos os Harrington. Foram cúmplices para me prender a essa… coisa.

Não era um acaso. Não era um erro.

Era uma armadilha. Perfeita e sádica.

Eles não só estavam me forçando a casar. Estavam me dando a mulher que consideravam um lixo, para me humilhar pela eternidade. Usaram a filha que desprezavam como isca e eu, o homem que quebrava impérios, tinha caído no jogo de uns vermes ambiciosos.

— Nikolai — a voz de Richard ainda ecoava em minha mente . — Você desonrou minha família. Manchou a pureza da minha filha sob meu teto. Pela honra da Bratva, pelas tradições que seu próprio pai e eu juramos defender, você não pode se negar a reparar isso, afinal ela teria um casamento vantajoso, se você não a tivesse arruinado.

Cada palavra dele era um veneno, mas eu as deixei escorrer por mim sem reagir. Por dentro, minha mente trabalhava a uma velocidade cortante. Foi quando de repente ouviu quase em sussurro estrangulado por falsos soluços a voz de Angeline:

— Por favor… não aceite isso. Diga que não foi isso que aconteceu. Eles estão mentindo.

Nem sequer olhei para ela. Na verdade, seu teatrinho me deu mais incentivo de fazer todos pagarem por sua afronta. Eles queriam um casamento? Eles teriam um casamento. Queriam me prender a essa mulher? Eu aceitaria. Era o movimento de xadrez que eles esperavam, a rendição do rei.

Mas o que eles não entendiam era que eu não era um rei a ser derrubado. Eu era o jogador que estava prestes a virar o tabuleiro.

Deixei um silêncio pesado cair sobre a o quarto enquanto observava a gota fingindo choro e negando com a cabeça, suspirei antes de responder. Sabia que eles esperavam uma recusa, uma explosão. Mas dei a eles o oposto.

— Sim, Richard — minha voz saiu calma, clara e mortalmente controlada. — Você tem toda a razão.

Um frêmito de surpresa percorreu a todos iclusive Victoria. O sorriso de Richard congelou por uma fração de segundo, como se não acreditasse no que ouvia. Victoria franziu a testa, desconfiada. Apenas meu pai manteve a expressão inalterada, seus olhos escuros perfurando os meus, tentando decifrar o meu jogo.

— Jamais deveria ter feito isso com sua filha — continuei, mentindo com uma convicção que doía nos meus próprios dentes. — E sim, vou honrar as tradições. Vou me casar com Angeline.

O sorriso que se estampou no rosto de Richard foi tão amplo e triunfante que quase me fez vomitar. Era a expressão de um homem que acreditava ter vencido. A expressão de um tolo.

A partir daquele momento, a queda deles estava traçada.

Mais tarde, a sós com meu pai em sua biblioteca, a frieza que eu mantive em público se quebrou.

— Foi uma armadilha, pai — expliquei, minha voz carregada de uma raiva contida. — Eles me drogaram. Puseram aquela mulher na minha cama.

Ivan Volkov, o Velho Urso, olhou para mim, seu rosto um penhasco de rugas e desconfiança. O silêncio dele era mais assustador que qualquer gritaria.

— E você caiu, filho — ele finalmente disse, sua voz um rosnado baixo. — Caiu como um novato. Agora está preso a essa… Harrington.

— Estou preso a nada — retruquei, meus olhos fixos nos dele. — O casamento é só um pedaço de papel. E vai ser a desculpa perfeita para me aproximar, para ganhar sua confiança… e para destruí-los por dentro.

Ele estudou meu rosto por um longo momento, a decepção nos seus olhos lentamente dando lugar a um brilho de resignação sombria.

— Espero que saiba o que está fazendo, Nikolai — ele resmungou, virando-se para a janela. — Você é o capo agora. Suas decisões afetam a todos nós.

— Sei muito bem o que faço, pai — respondi, a imagem de Victoria sorrindo queimando na minha mente. — Sei perfeitamente.

E sabia. Organizei aquele casamento idiota eu mesmo. Para eles, era a minha rendição. Para mim, era a primeira pá cavando a cova deles. Eu dançaria naquela farsa nupcial, usaria a aliança e beijaria a noiva.

E então, lenta e metodicamente, eu arrancaria tudo que eles tinham, começando pela filha perfeita que pensou que poderia brincar de Deus com Nikolai Volkov.

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