Mundo de ficçãoIniciar sessãoPov - Arabella Whitmore
Dubai não me recebeu com ruído.
Essa foi a primeira coisa que me chamou atenção ao sair do aeroporto. Eu esperava movimento excessivo, vozes altas, calor extremo e algum tipo de choque imediato que justificasse todo o medo que Helena associara àquele lugar. Em vez disso, encontrei plenitude organizada, eficiência calculada e uma sensação estranha de estar sendo observada sem que ninguém realmente me encarasse.
Havia quietude, mas não ausência. Pessoas circulavam com naturalidade, cada uma consciente de seu próprio espaço, como se o ambiente tivesse regras invisíveis que todos compreendiam, menos eu. Nada parecia improvisado. Nada parecia fora do lugar. Aquilo, por si só, já contrariava tudo o que Helena insinuara em suas mensagens aflitas.
O ar era quente, mas controlado. O tipo de calor que não sufocava, apenas envolvia. Respirei fundo enquanto ajustava a alça da bolsa no ombro, sentindo o peso simbólico daquele gesto simples: eu tinha atravessado meio mundo por uma decisão que não era minha.
Um motorista aguardava com uma placa discreta. Meu sobrenome escrito em letras pretas, sem título, sem referência a Helena. Apenas Whitmore.
A ausência do nome dela me causou um incômodo inesperado. Por um instante, cheguei a pensar que se tratava de outro carro, de outro passageiro. Mas resolvi arriscar.
Se ele ficou surpreso quando me aproximei e me apresentei como irmã da Helena, não demonstrou. Permaneceu com uma cara de pôquer quando informei que estava ali no lugar dela.
Nenhuma pergunta. Nenhuma hesitação. Nenhum “houve algum engano”.
Apenas um aceno breve de confirmação.
Aquilo deveria ter me tranquilizado, afinal, significava menos constrangimento. Mas, em vez disso, um desconforto frio se alojou entre meus ombros. Eu esperara, no mínimo, precisar explicar. Justificar. Defender minha presença ali.
Nada foi exigido.
Uma vez acomodada no veículo, o carro deslizou pelas ruas largas como se seguisse um percurso ensaiado. Prédios imponentes surgiam à distância, mas não havia ostentação gritante. Tudo parecia pensado para impressionar sem esforço, e talvez fosse isso que mais me desconcertava.
Durante o trajeto, observei o mundo passar pela janela como quem assistia a um filme sem legenda. Era belo, sim, mas também distante. As avenidas amplas, os jardins milimetricamente cuidados, a ausência de caos; tudo transmitia uma sensação de controle absoluto. Nenhuma buzina desnecessária. Nenhuma pressa visível.
Pensei em Helena. Em como ela descrevera aquele lugar como opressor, quase hostil. Em como falara de Zayn como alguém que não aceitava recusas, que transformava contratos emocionais em obrigações inescapáveis. Nada do que eu via corroborava essa narrativa.
Todavia, sabia que ainda era muito cedo para tirar todas as conclusões.
Durante o trajeto, revisei mentalmente o que diria para o noivo de Helena.
Não era um discurso elaborado. Nunca fora. Minha intenção era simples: explicar que houve um engano, que minha irmã se deixara levar por um momento que não sustentara, que não houvera má-fé. Um pedido de desculpas elegante, um encerramento respeitoso.
Era assim que eu via.
Mas quanto mais nos aproximávamos do destino, mais aquela lógica começava a parecer frágil. Idealizada. Ingênua, até.
E se não fosse tão simples assim? E se eu estivesse subestimando algo que Helena compreendia — ou fingia compreender — melhor do que eu?
O carro parou diante de uma construção ampla, moderna, cercada por jardins perfeitamente cuidados. Não era um palácio, como Helena descrevera. Tampouco uma casa comum. Era algo intermediário, mesclando luxo e casualidade.
A fachada não intimidava. Pelo contrário, parecia convidativa de um jeito sereno, como se tivesse sido projetada para desarmar qualquer resistência inicial. A ideia de “retaliação” começava a soar cada vez mais deslocada.
Contudo, eu estava me agarrando às coisas erradas para desacreditar que alguém desceria tal baixo por conta de uma recusa. Sabia que só estava tentando me fazer acreditar que minha irmã tinha sido dramática demais e não havia o que temer de fato.
O motorista desceu primeiro, abriu a porta para mim e indicou a entrada com um gesto respeitoso.
— A senhorita será recebida — disse, em inglês impecável.
Recebida.
A palavra ecoou em mim de um jeito estranho.
Recebida, não questionada.
Recebida, não avaliada.
Entrei.
O interior era um pouco mais aconchegante. O ar fresco contrastava com o calor externo, e o espaço amplo fazia com que meus passos parecessem inadequadamente altos. Havia arte nas paredes, mas nada excessivo. Beleza sem ostentação. Luxo sem necessidade de explicação.
Uma mulher se aproximou, elegante, postura firme, expressão neutra, vestimenta típica de seu país de origem.
— Senhorita Whitmore — disse, com um leve aceno de cabeça. — Sou Samira. Fui designada para acompanhá-la durante sua estadia.
Percebi que ela não estava surpresa por eu não ser a Helena e aquilo me incomodou em demasiado. Pensei em questionar sobre, contudo, no fim aceitei que não tinha necessidade de criar caso quando iria embora assim que devolvesse o anel de noivado da minha irmã para Zayn.
Seja lá qual fosse a razão de ninguém estar estranhando que eu estivesse ali no lugar da noiva, logo não importaria.
Ou era o que eu tentava acreditar.
— Agradeço — respondi, mantendo a voz firme. — Imagino que tudo isso seja um equívoco. Minha presença aqui será breve.
Samira me observou por um segundo a mais do que o necessário.
Não havia julgamento em seu olhar. Nem curiosidade excessiva. Apenas atenção. Como se cada detalhe estivesse sendo cuidadosamente registrado.
— Tudo está preparado conforme solicitado — informou devagar por ter o inglês menos compreensível que o do motorista. — Se desejar descansar, seu quarto está à disposição. O senhor Al-Rashid será informado de sua chegada.
Meu estômago se contraiu.
— Ele... sabe que não sou Helena? — perguntei, antes que pudesse me conter.
Minha irmã disse que mandaria mensagem avisando que eu fui em seu lugar, mas, desde que fui buscada pelo motorista, aquilo não parecia ser verdade. E eu não gostava da ideia de Zayn estar esperando por ela para, no fim, se deparar comigo.
Tornaria o fato de eu ser uma intermediária do rompimento deles ainda mais embaraçoso.
Samira não pareceu surpresa.
— Ele solicitou que a senhorita fosse acomodada com todo o conforto — desconversou, claramente evitando responder minha pergunta.
A evasiva foi sutil, mas precisa. Aquilo não era descuido. Era escolha.
Quis insistir, mas ela me deu as costas e começou a andar. Sendo assim, fui conduzida até o quarto. Um espaço amplo, majestoso, impessoal o suficiente para não parecer invasivo. Minha mala já estava ali. Não perguntei como. Não queria saber.
O quarto parecia preparado para alguém que ficaria. Não para uma visitante temporária. Essa constatação me chamou mais atenção do que qualquer luxo.
Assim que fiquei sozinha, sentei-me na beira da cama e respirei fundo.
Nada daquilo correspondia à narrativa que Helena construíra.
Não havia tensão explícita. Não havia vigilância opressiva. Não havia qualquer sinal de retaliação iminente. Havia apenas uma recepção respeitosa que, de alguma forma, me deixava mais alerta do que o caos deixaria.
Ali, sozinha, permiti-me sentir o peso real da decisão. Eu não estava apenas resolvendo um problema. Estava ocupando um espaço que não fora pensado para mim. Vestindo, ainda que temporariamente, um papel que carregava expectativas silenciosas.
Troquei de roupa, tentando me recompor. Um vestido simples, mangas longas, cores neutras. Não por respeito cultural — isso eu aprenderia depois —, mas porque não queria chamar atenção alguma.
Pouco tempo depois, uma mensagem chegou ao meu telefone. Um número internacional desconhecido.
Espero que a viagem tenha sido confortável. Quando se sentir pronta, ficarei à disposição para conversarmos.
Z. Al-R.
Li a mensagem três vezes, o nervosismo aumentando.
Só tinha uma forma de Zayn ter conseguido meu número, e pude respirar melhor ao entender que minha irmã cumpriu sua parte e informou que eu estava ali. Seria menos dramático não ter que lidar com o caos de ele estar esperando pela noiva e se deparar com a já ex-cunhada.
Respondi após alguns minutos:
Obrigada. Estou à disposição.
A resposta veio quase imediatamente.
Então, hoje à noite.
Fechei os olhos por um instante. Meu interior tremia como se eu estivesse me preparando para a guerra.
Talvez estivesse.







