Mundo de ficçãoIniciar sessãoPov - Arabella Whitmore
Na manhã seguinte, encontrei Helena na cozinha, sentada à mesa como se não tivesse dormido. O cabelo estava preso de qualquer jeito, e havia uma xícara de café intocada à sua frente.
— Você acordou cedo — comentei, pegando outra xícara no armário.
— Não consegui dormir — respondeu, sem me olhar.
Sentei-me diante dela. O silêncio entre nós parecia continuação da conversa da noite anterior, como se tivesse sido apenas pausada.
— Pensou no que conversamos? — perguntei.
Ela assentiu, devagar.
— Pensei demais.
Mexeu o açúcar no café, sem beber um único gole. O som repetitivo da colher contra a porcelana começou a me incomodar.
— Vai fazer a coisa certa e falar com ele? — questionei. — Ir até lá e encerrar isso de uma vez?
Helena apertou os lábios, como se impedisse as palavras de escapar, e deu de ombros.
Não fiquei surpresa por ainda estar tão resoluta, então respirei fundo e soltei a ideia que tive:
— Então por que não termina com ele pelo telefone?
A pergunta saiu baixa, quase cuidadosa. Eu mesma sentia o gosto amargo da sugestão. Sabia que ninguém merecia ser deixado por uma ligação, mas também era evidente que Helena não suportava a ideia de enfrentá-lo pessoalmente.
O movimento dela na xícara cessou no mesmo instante.
— Porque não é assim que funciona — respondeu. — Não com ele.
— Helena, um noivado não é uma sentença — insisti. — Você não precisa atravessar o mundo para dizer que se arrependeu.
Ela soltou a colher. O metal bateu de leve contra a porcelana.
— Você ainda não entendeu — murmurou. — Romper esse noivado não é algo simples. Se fosse, eu já teria feito.
— Então me faça entender — pedi, frustrada.
Helena hesitou. Depois se levantou, foi até a bolsa largada sobre o balcão e puxou o celular. Por alguns segundos, ficou apenas olhando para a tela apagada, como se reunir coragem exigisse mais esforço do que confessar.
— Ele não é só rico — disse enfim. — É poderoso. Muito mais do que eu imaginei quando aceitei.
Senti um aperto estranho no peito.
— Poderoso como?
— Do tipo que tem título no país de origem — respondeu. — Um homem que não pode simplesmente ser dispensado. Ainda mais por uma estrangeira.
— Você está falando de orgulho.
— Estou falando de influência — corrigiu. — De reputação. De negócios. De poder real.
Endireitei-me na cadeira.
— Pelo seu tom, parece algo maior do que você está dizendo.
— Porque é.
Ela desbloqueou o celular e o virou na minha direção.
Na tela, um site de notícias internacionais. Somente o título estava em inglês, mas não era preciso mais do que isso para entender o essencial.
“Sheik Zayn Al-Rashid prepara anúncio oficial de casamento com herdeira europeia.”
Meu coração acelerou, visto que entendi a razão de o título do noivo da minha irmã ser uma preocupação tão grande para ela. Helena estava noiva de um Sheik árabe.
— Isso... isso está sendo noticiado? — balbuciei, ainda sem saber no que realmente focar.
— Em portais menores. Do país dele. — Helena engoliu em seco. — Ainda não chegou aqui. Mas vai.
Desci os olhos pela tela. Havia uma foto.
Zayn Al-Rashid não era o que eu esperava. Tinha traços firmes, postura segura, um olhar sério que parecia atravessar a lente da câmera. Era inegavelmente bonito, mas não de forma ostentosa, e sim imponente. O tipo de homem que chamava atenção apenas por respirar.
Desviei o olhar rapidamente, constrangida comigo mesma.
— Eles citam o nome da família — observei. — Whitmore.
— Sim.
— Helena...
— Se isso crescer — interrompeu —, nossos pais vão descobrir da pior maneira possível. E não só isso. — Sua voz baixou. — Pode afetar os negócios do papai.
Foi então que compreendi o pânico real por trás daquela situação.
— Você acha que, se esse sheik se sentir humilhado, pode retaliar? — questionei. — Isso não parece exagero?
Helena soltou uma risada curta, sem humor.
— Você não entende como funciona naquele mundo — disse. — Lá, rejeitar alguém assim não é apenas pessoal. É simbólico. Uma estrangeira que aceita e depois recua. Que o expõe.
Fez uma pausa.
— Se eu fizer isso do jeito errado, não é só o noivado que termina. É uma ponte que se quebra. E pontes quebradas sempre levam alguém junto.
— Você está falando do papai.
— Estou falando de tudo o que ele construiu.
O peso daquilo me atingiu lentamente.
— Você tem certeza de que ele faria algo assim?
Helena hesitou.
— Não. — Sua voz saiu quase um sussurro. — Mas também não tenho certeza de que não faria.
Aquilo me deixou em silêncio. Era estranho pensar que um noivado impulsivo tivesse se transformado em algo tão grande, tão desproporcional.
— Ele fala comigo normalmente — confessou. — Como se estivesse tudo bem. Como se eu ainda fosse a noiva dele.
— Ele não sabe que você quer terminar?
Ela balançou a cabeça.
— Não tive coragem.
Isso me incomodou mais do que qualquer outra coisa.
— Então você está mantendo esse noivado vivo — observei. — Mesmo sem querer.
— Porque não sei como encerrá-lo sem destruir tudo ao redor.
Respirei fundo.
— Você não pode viver refém disso, Helena.
— E se as consequências não recaírem só sobre mim? — rebateu. — E se atingirem nossa família?
Ela se levantou e começou a andar pela cozinha.
— Você sempre foi diferente — disse, quase distraída. — Mais racional. Mais firme. Você sabe falar sem ferir. — Virou-se para mim. — Se fosse você explicando, talvez ele entendesse. Sem escândalo. Sem humilhação.
Meu estômago se contraiu.
Não fazia sentido.
Se Zayn era tão poderoso, tão suscetível à humilhação, por que reagiria de forma diferente comigo?
A resposta incômoda se impôs antes que eu pudesse afastá-la: porque, para Helena, o problema não era o noivado. Era ser ela a responsável pelo fim.
— Isso não é justo — respondi.
— Eu não estou pedindo nada — apressou-se em dizer. — Só tentando te mostrar o tamanho disso.
Algo estava sendo colocado sobre mim, sem ser dito em voz alta. E, mesmo percebendo as falhas naquela lógica, escolhi acreditar — como sempre fiz — que proteger minha irmã era mais urgente do que questioná-la.
Observei sua silhueta contra a luz da manhã. Pela primeira vez, Helena parecia pequena.
Quando saiu da cozinha, fiquei sozinha com o celular ainda sobre a mesa. A notícia aberta. O nome Whitmore ali, associado a um homem que eu nunca vira antes daquele dia.
O nome de Zayn Al-Rashid permaneceu comigo mesmo depois que a tela escureceu.
Não como ameaça. Nem como promessa.
Apenas como o início de algo que eu ainda não conseguia nomear. Mas que, de algum modo, já me chamava para mais perto.







