Mundo de ficçãoIniciar sessãoPhilipe
Meus olhos ainda ardiam com a claridade quando ouvi a porta se abrir. O som dos saltos no chão do hospital me fez virar o rosto devagar. Meu peito travou no mesmo instante. — O que você está fazendo aqui, Brittany? — minha voz saiu rouca, arranhada, mas carregada de espanto. Antes que ela respondesse, minha mãe falou, emocionada, com as mãos ainda apertando as minhas: — Eu liguei para ela, filho. Vocês estão noivos. Ela esteve conosco todos esses dois meses, dia e noite, esperando você acordar. As palavras me atingiram em cheio. Noivos? Eu pisquei, tentando entender, mas a mente era um borrão. Brittany deu mais um passo e ergueu a mão com firmeza, o anel brilhou sob a luz branca, e o sorriso dela foi largo, quase deslumbrante, como se tivesse vencido uma batalha. — Você me pediu em casamento antes de ir para Silver Spring, Philipe. Nós nos reconciliamos. Você disse que queria recomeçar comigo. Meu coração disparou. O som dos monitores acelerou, os bipes se sobrepondo uns aos outros. Apertei os olhos, tentando puxar a lembrança, mas nada vinha. Apenas o vazio. — Não lembro de ter te pedido em casamento. — As palavras saíram trêmulas. — Sei que nós nos separamos a quase um ano, lembranças tenho sim, dos meus pais e do Paul, meu irmão mas de ter ficado noivo de você, Brittany? Esse capítulo não existe. Os aparelhos começaram a apitar mais alto. A respiração ficou curta, e senti o corpo tremer de tanta agitação. — Ele está ficando instável! — o médico falou, ajustando os controles. — Tirem-na daqui imediatamente, a presença da jovem está prejudicando o paciente! Mamãe correu até Brittany, puxando-a pelo braço. — Vamos, querida, essa não é hora, certa. Vi as duas saírem pela porta, a figura dela desaparecendo do meu campo de visão. Assim que a porta se fechou atrás da minha mãe e da Brittany, eu virei o rosto para meu pai. A respiração estava pesada, o peito subindo e descendo rápido, e o som dos bipes ainda ecoava como martelo dentro da minha cabeça. — Pai… — minha voz saiu áspera, quase um sussurro. — Eu não lembro de ter ficado noivo da Brittany. Não queria isso. Eu terminei com ela há muito tempo. Eu não queria mais saber dela. Meu pai me olhou fixo, os olhos marejados, mas cheios de gravidade. Eu continuei, as palavras saindo em atropelo: — Doutor, o senhor disse que eu perdi parte da memória recente, certo? Eu entendo. Mas tem uma coisa que tenho absoluta certeza za: se eu fosse ficar noivo da Brittany — ou de qualquer outra pessoa — os senhores seriam os primeiros a saber. — A senhora lembra, mamãe, foi um acordo que eu e o Paul fizemos com vocês? E lembro perfeitamente dessa promessa. Passei a mão pelo rosto, tentando organizar os pensamentos. — Posso até ter esquecido de algumas coisas, mas me lembro de que eu e a Brittany terminamos quase um ano atrás. Nós não nos falávamos mais. Como é que agora, de repente, ela aparece aqui dizendo que é minha noiva? Isso não faz sentido. Parei um instante, respirando fundo, e a lembrança dos detalhes da família me veio à mente com nitidez. — E outra coisa, mamãe — acrescentei, apontando para o anel que Brittany havia mostrado. — Que anel é aquele, até onde me lembro, o anel que a senhora me deu está no cofre do meu apartamento. A senhora mesma me deu um anel, lembra? Um que o papai te deu de noivado, e outro de quando nós nascemos foi dado ao Paul. — Sim — ela respondeu, surpresa. — me lembro filho. — Pois então, olhe para o anel da Brittany — falei, com firmeza. — Esse não é o nosso anel, nunca o vi antes. Como ela pode dizer que é minha noiva, se nem o símbolo da promessa que eu faria tem origem em nossa família? O silêncio pesou no quarto. O médico observava atentamente, anotando algo. — Há uma confusão — disse ele, calmo. — O senhor sofreu um trauma grave, Philipe, é comum perder fragmentos da memória. Balancei a cabeça, irritado, sentindo o sangue pulsar nas têmporas. — Posso até ter perdido parte da memória, doutor, mas não perdi o discernimento, não está certo o que ela diz. Os bipes aceleraram, acompanhando o ritmo do meu coração. O médico deu um passo à frente, preocupado. — Senhor Fitzgerald, acalme-se, por favor, não é bom se exaltar. Mas a confusão e a indignação se misturavam dentro de mim como uma tempestade. — Eu não estou noivo da Brittany, é mentira. — Precisamos estabilizá-lo — disse o médico, voltando-se para a enfermeira. — A senhorita Brittany não pode ter contato direto com o paciente, a presença dela está afetando seu quadro emocional do paciente. Ele acabou de sair de um coma, e qualquer estímulo indevido pode comprometer o processo de recuperação. Minha mãe assentiu, emocionada, sem conseguir esconder a preocupação. Comecei a sentir minhas forças me abandonarem. A picada da agulha no braço ardeu, e um torpor pesado começou a me arrastar. — Não estou, noivo.— murmurei, a voz se apagando junto com a consciência. O som dos bipes foi ficando distante, e o último pensamento que me atravessou antes da escuridão foi o de que havia algo — alguém — que eu estava perdendo. E nada, absolutamente nada, naquilo que a Brittany dizia, fazia sentido.






