Os raios suaves do sol penetravam a densa copa das árvores, iluminando a floresta em tons de verde vibrante. Animais passavam a poucos metros de Helen, mas, curiosamente, pareciam não perceber sua presença. Sentada encostada no alto carvalho, a menina observava o ambiente ao redor, tentando acalmar a mente agitada. O vento soprava suavemente entre as árvores e arbustos, levantando as folhas secas e levando-as para longe. Flores novas desabrochavam, e o verde tomava conta da paisagem, uma visão que contrastava com as ruas gélidas de Odessa, onde o inverno ainda se recusava a ceder espaço para a primavera.
— Odessa... — Helen murmurou para si mesma. Ela estaria muito longe de casa? O colar de coração de raízes em seu pescoço ainda pulsava, em um ritmo que ecoava o seu próprio. Os pensamentos de Helen voltaram-se para a visão que a Huldra lhe havia mostrado. Ela se lembrava das histórias que sua avó, Honória, contava sobre Thelmira Crane. Thelmira, a primeira matriarca da família, tinha descoberto uma cura para a doença que assolara Odessa pouco depois de sua fundação. Com raízes e folhas de uma árvore desconhecida, ela sobreviveu à peste que levou sua mãe e seu irmão recém-nascido, e a família Crane prosperou desde então. Sob sua liderança, Odessa floresceu, e as mulheres da família mantiveram o sobrenome Crane, em honra àquela que trouxe prosperidade. Cada geração teve uma matriarca que carregava o legado de Thelmira. Helen respirou fundo, os olhos azuis fixos no céu límpido. A imagem heroica que sua avó pintava de Thelmira Crane não correspondia ao que a Huldra lhe mostrara. Na visão, Thelmira estava envolta em uma atmosfera sombria, invocando forças antigas e desconhecidas para realizar sua vontade. Perdida nesses pensamentos, Helen mal percebeu a Huldra se aproximar, silenciosa como sempre. A criatura lhe ofereceu uma grande folha contendo água. Helen, agora consciente de sua sede e fome, bebeu rapidamente. A Huldra observava o colar com seu coração pulsante de raízes, e sua cauda, terminada em uma pelagem, balançava freneticamente. Os olhos verdes da criatura estavam fixos em Helen, como se ela conhecesse o destino da jovem sentada à sua frente. Helen sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ela tentou encarar os olhos da Huldra, tentando desvendar seus pensamentos, mas era como se uma força invisível a impedisse de vê-la com clareza. A criatura se abaixou na frente de Helen, como fizera antes para mostrar a visão, mas dessa vez segurou o coração de raízes com as duas mãos. — Mais uma flor será ceifada para que a antiga árvore sobreviva — murmurou a Huldra, sua voz misturando-se ao som do vento entre as árvores. Um aroma de grama recém-cortada permeou o ar, tornando-se cada vez mais forte. Ela olhou profundamente nos olhos de Helen e, com a outra mão, acariciou os longos cabelos da menina. — A casca da árvore sempre se renova a cada estação, mas sua seiva podre nunca deixará seu interior. Conforme a Huldra falava, a cabeça de Helen começou a latejar. O cheiro de grama tornava-se enjoativo, e uma vertigem tomou conta dela. O ambiente ao redor mudou subitamente. Os cervos que antes percorriam a floresta haviam desaparecido. Em seu lugar, a figura de Thelmira Crane surgiu diante da Huldra, um sorriso fascinado nos lábios. De dentro de sua manga, Thelmira puxou uma adaga pequena e afiada. Em um movimento rápido, ela atacou a Huldra, que caiu ao chão com um grito que soava como uma tempestade prestes a se formar. Onde a lâmina tocava, a pele da Huldra queimava, e Thelmira, com uma expressão sombria e frenética, virou a criatura de costas. Nas costas da Huldra, havia grandes buracos, semelhantes a tocas de animais em troncos de árvores. Thelmira enfiou a mão em um desses buracos, e a Huldra se debateu em agonia. Com um esforço feroz, Thelmira arrancou um coração pulsante de raízes e folhas, soltando a criatura, que chorava lágrimas douradas. — Pequena árvore do bosque, atenda às minhas ordens, pois meu desejo se torna o seu desejo — Thelmira murmurou, levando o coração até a boca. — A seiva dourada da árvore jamais deixará seu interior, mas a cada estação sua casca será renovada. As flores ao redor serão ceifadas para que apenas a grande árvore sobreviva! A visão mudou novamente. Agora, era Thelmira, já idosa, entregando sua filha, Irina Crane, para a Huldra. Raízes envolveram a menina, sugando sua vida até que seu corpo secasse como uma folha e desaparecesse. Então, a Huldra transferiu as raízes para o colar de coração, e Thelmira começou a rejuvenescer, assumindo a forma de sua filha morta. Helen assistia, horrorizada, enquanto Thelmira repetia o ritual ao longo dos anos, assumindo a forma de cada matriarca da família, até chegar à sua avó Honória... e por fim, à sua própria mãe. Não fora sua avó Honória que havia morrido cinco anos atrás, mas sim sua mãe, cuja aparência Thelmira agora usava. A revelação fez a cabeça de Helen girar. O coração de raízes em seu peito parecia cada vez mais pesado, pulsando com uma força ameaçadora. Helen finalmente entendeu as palavras da Huldra: “Mais uma flor será ceifada para que a antiga árvore sobreviva... A casca da árvore sempre se renova a cada estação, mas sua seiva podre nunca deixará seu interior...” Essas palavras ecoaram em sua mente antes que ela desmaiasse. A Huldra, tomada por uma súbita compaixão pela garota e temendo por sua segurança, envolveu Helen com as raízes do carvalho, protegendo-a, mas também prendendo-a em um estado de semiconsciência. Nesse estado, Helen viu repetidamente o ritual do equinócio de primavera, onde Thelmira Crane realizava o sacrifício para alcançar a imortalidade tão desejada.A antiga floresta se aproximava, sua presença imponente crescendo no horizonte à medida que Graham guiava o carro pela estrada sinuosa. A informação dada por Louise indicava que o ladrão estaria escondido lá. Dentro do veículo, o silêncio entre ele e Genevieve era espesso, cortado apenas pelo som rítmico dos pneus sobre o asfalto.Genevieve começou a se encolher no banco, os braços se cruzando ao redor do corpo como se quisesse se proteger de um frio inexistente. O pingente de lebre em seu peito tremia levemente, refletindo sua pulsação acelerada.— Eve, está tudo bem? — perguntou Graham, desviando brevemente o olhar da estrada.Ela hesitou, balançando a cabeça em um gesto afirmativo, mas seus olhos continuaram fixos nas árvores à frente. Quando Graham estava prestes a insistir, Genevieve subitamente se virou para ele, e sua voz ecoou firme, guiada por algo além dela mesma.— Pare aqui! — A ordem soou com uma autoridade inesperada.Graham freou bruscamente, surpreso. Antes mesmo que o
Genevieve e Graham avançavam pela rua que levava à Mansão Crane. O céu noturno parecia oprimido por nuvens densas, e um silêncio inquietante pairava no ar, como se a própria natureza aguardava com expectativa o desenrolar dos eventos. Genevieve sentiu um arrepio correr pela espinha, seus instintos alertando que algo fundamental havia mudado. Ao longe, a mansão se erguia majestosa, mas algo em sua aura parecia diferente, menos opressiva, como se a escuridão antiga que envolvia a propriedade estivesse, aos poucos, se dissipando.— Estamos chegando. — disse Graham, com uma nota de ansiedade perceptível em sua voz. Genevieve apenas assentiu, o olhar fixo na estrada à frente, determinada a por fim ao ciclo de dor que atormentava a família Crane por gerações.Ao adentrarem o hall da mansão, foram recebidos pelo crepitar solitário da lareira na sala ao lado. A figura de Louise Crane — ou melhor, Thelmira Crane — estava de pé, apoiada em uma bengala, a luz do fogo desenhando sombras alongada
A lua cheia banhava a floresta com sua luz pálida, as sombras dançando entre as árvores antigas. Genevieve e Graham caminharam. — Não posso ir embora ainda, Graham. Tem algo que preciso fazer antes. — Genevieve disse. —Preciso saber para onde a Mãe dos Bosques levou Helen. — A voz suave, mas determinada. Ela caminhava com propósito, cada passo parecia sintonizado com o ritmo antigo da floresta.A tensão entre eles era quase palpável. O rosto de Graham, marcado pela preocupação, observava Genevieve, que exibia um semblante calmo, que contrastava com a inquietação de Graham.Genevieve sentiu a mesma brisa que os guiou até Helen antes. Carregando folhas e galhos, formando pequenos redemoinhos que dançavam entre as árvores. Em seu coração Genevieve sabia que era aquele lugar e o momento certo, ela parou no meio de algumas árvores e ergueu os braços, como se acolhesse o vento. — Mãe dos Bosques, venha até mim, eu clamo por tua atenção, Bela Dama das Florestas, Senhora das Árvores Ancestr
As ruas desertas da cidade de Odessa ainda estavam sob a influência das brisas gélidas do final do inverno, que carregavam algumas folhas secas restantes do outono. As árvores, inclinadas sobre as casas, pareciam ecos de um mistério antigo que tentava vir à tona. O céu noturno, de um azul-escuro profundo, estava salpicado com algumas nuvens, e poucas estrelas eram visíveis. No entanto, a lua crescente, com sua luz pálida, iluminava toda a cidade, trazendo consigo uma aura de renovação e o presságio de um novo ciclo, já que o equinócio de primavera se aproximava. A mansão da família Crane se destacava imponente em meio às outras casas da vizinhança. Sua construção antiga, de arquitetura gótica e vitoriana, possuía uma fachada de pedra escura, decorada com detalhes arquitetônicos que evocavam uma sensação de antiguidade e poder. As janelas altas e estreitas, iluminadas por uma luz amarelada e quente, aos poucos iam se apagando, trazendo consigo uma atmosfera menos convidativa. A únic
O vento da manhã chegava suavemente, balançando as copas das árvores, enquanto os pássaros cantavam, anunciando um novo dia. Helen sentiu um leve calor pousar em seu rosto, em contraste com o solo úmido sobre o qual estava deitada, a terra e a grama molhadas pelo orvalho. A jovem abriu os olhos e, por um instante, ficou cega pela luz solar do início da manhã, mas logo seus olhos se adaptaram, permitindo-lhe observar o ambiente ao redor. Seu vestido verde-claro estava sujo de terra, folhas secas e grama, além de rasgado em algumas partes. O colar de raízes repousava sobre seu peito, pulsando suavemente em sincronia com seu próprio coração. Ao se mover, Helen começou a sentir uma leve ardência em seu corpo e percebeu que seus braços e pernas estavam cobertos de cortes cicatrizados e sangue seco, misturados com terra e algumas folhas. O ambiente ao seu redor estava sereno. Helen ainda podia escutar o canto dos pássaros e o movimento dos animais da floresta caminhando sobre a relva alta
A neblina se arrastava lentamente sobre as ruas de Odessa, envolta em um manto de umidade persistente que ainda se agarrava após o derretimento das últimas camadas de gelo. Era o fim do inverno, e a primavera parecia hesitar em assumir seu lugar. O sol, pálido e distante, mal conseguia romper as nuvens pesadas que cobriam os telhados inclinados e as chaminés fumegantes da cidade.O único som em evidência naquela manhã era o ronco suave de um carro passando pelas ruas tranquilas. Um elegante Bugatti Royale preto avançava lentamente, como se quisesse passar despercebido pela vizinhança. O motorista e o passageiro, ocultos pela penumbra, observavam cada detalhe ao seu redor, trocando comentários breves sobre o ambiente. As casas de arquitetura gótica, com seus telhados pontiagudos e janelas estreitas, erguiam-se silenciosas, com olhares curiosos dos moradores que se escondiam parcialmente atrás das cortinas pesadas, como se fossem os guardiões ocultos das ruas estreitas e sombrias.Após