A manhã despertava tímida, coberta por uma cortina cinzenta de chuva. O som suave das gotas no vidro criava uma melodia melancólica, quase hipnótica, que envolvia o quarto em um silêncio acolhedor. Samanta abriu os olhos devagar, o corpo ainda enroscado no calor do homem que dormia ao seu lado.Alberto.O peito dele subia e descia em um ritmo sereno, embalado pelo sono. O braço forte a envolvia com posse, como se mesmo inconsciente se recusasse a soltá-la. O cheiro dele, uma mistura inconfundível de bergamota fresca, madeira e cassis, invadia seus sentidos, despertando memórias adormecidas em seu peito. A lembrança chegou como uma brisa morna atravessando a tormenta de sua realidade.Flashback OnParis, com suas luzes douradas e o céu de inverno. Paris, onde ela acreditou, pela primeira vez, que o amor entre eles era possível. Que seria eterno.Quatro dias antes, Samanta havia deixado tudo para trás. Emprestou dinheiro, conseguiu quinze dias de folga no trabalho e embarcou sozinha par
AlbertoSamanta ainda dormia, praticamente escondida em seu peito. Um sorriso leve cruzou seus lábios. Estar com ela era tão caótico e ao mesmo tempo tão certo e perfeito. Desde que conheceu Sam, seu mundo virou de cabeça para baixo. Ela era tão esfuziante, tão intensa, que Alberto se perguntava como poderia existir alguém assim. Ele cresceu sob a sombra do controle. A disciplina foi imbuída pouco a pouco desde a mais tenra idade, através do esporte e de atividades que exercitavam sua capacidade de foco e concentração. Isso tudo porque seu pai, Otávio, percebeu cedo que ele era diferente dos filhos mais velhos.As palavras específicas do seu velho foram: “Eu sei reconhecer um encrenqueiro quando vejo um. E você, garoto, é um encrenqueiro de marca maior.”Alberto se levantou devagar, com cuidado para não acordar sua mulher. Vestiu o short e caminhou até a cozinha em busca de um café. Encontrou as coisas para fazer a bebida, nos mesmos lugares de sempre.Ele conhecia bem aquela casa,
Sam Depois do café, Alberto e ela lavaram a louça juntos. Sam ainda se perdia nas nuances que ele apresentava para ela. Ele nunca tinha dito EU TE AMO. Ela não fazia ideia que ele cozinhava, e muito bem por sinal. Alberto parecia relaxado e perfeitamente a vontade, diferente de quando estavam no apartamento dele. Lá naquele apartamento extremamente masculino e minimalista, ele parecia inalcançável, frio e distante. Ele também seria diferente quando estivessem lá, daqui em diante?- Por que está tão calada? – ele perguntou, secando as mãos na toalha da cozinha. – Está se sentindo mal?- Não. – Sam sorriu. – Estava pensando em você. - Em que exatamente? – perguntou, pegando os pratos das mãos dela, e guardando no armário. - No seu apartamento, que sempre achei tão impessoal. – Sam encontrou os olhos verdes profundos. – Você fica diferente quando está aqui. É mais relaxado.- Gosto da sua casa. - Mesmo? – ela riu, caminhando para a sala. – Achei que você detestasse meu est
O som abafado das vozes enchia a sala de reuniões da Acrópole, onde Alberto Darius estava sentado à cabeceira da longa mesa de mármore negro. A manhã transcorria em meio a relatórios, números e apresentações, mas sua mente estava a quilômetros dali mais precisamente, no breve momento daquela manhã, quando deixou Samanta na porta do trabalho.Ela sorriu para ele antes de sair do carro, mas havia uma sombra silenciosa em seus olhos que só ele pôde perceber. A lembrança daquela revelação ainda o assombrava.Depois de contar a verdade, de que era fruto de uma traição de sua mãe com um dos sócios de Otávio Darius, Samanta não disse uma palavra. Ela simplesmente o abraçou. Forte. Intensa.Como se pudesse carregar um pedaço do peso que ele suportava há tanto tempo. E ficaram assim, aninhados no sofá da casa dela, em silêncio, enquanto o relógio avançava e o mundo lá fora seguia sem perceber a revolução que acontecia dentro dele.Sam soube entender.Ela soube ler com precisão a dor corrosiva
A sala de reuniões da clínica era fria e estéril, quase impessoal, como se o próprio ambiente soubesse das decisões brutais que seriam tomadas ali. As paredes cinzas refletiam a luz branca, crua, que zumbia acima das suas cabeças. Um aroma discreto de aromatizante pairava no ar, impregnando cada respiração com uma lembrança constante da fragilidade da vida.Alberto ajeitou-se na cadeira, a mandíbula tensa, os nós dos dedos pálidos de tanto apertar o braço do assento. Sua cabeça latejava, como se o mundo inteiro estivesse comprimido dentro do crânio. Quando a porta se abriu, o som pareceu ecoar como um trovão em seus ouvidos.A oncologista entrou, seguida por dois outros médicos, um hepatologista e um obstetra especializado em gestações de alto risco. A mulher sorriu de forma profissional, mas seus olhos denunciavam a gravidade do que estava por vir.— Boa tarde, senhor Darius. — disse ela, estendendo a mão. — Sou a doutora Miriam Torres. Acredito que já tenhamos nos encontrado antes,
SamO clima mudou drasticamente depois do almoço na agência. Todos estavam comentando pelos corredores que a Cosmus foi vendida para um magnata da publicidade, e que agora Daniel Benevides era só um gerente, um funcionário como todos os outros.A tensão era palpável, por isso ela evitou as rodas de conversa na cafeteria, saindo para um almoço longo no centro da cidade. Priscila a convidou para comer em um restaurante árabe, e Sam aceitou com gosto.A amiga e companheira de trabalho tentou abordar o estado de espírito tenebroso de Benevides, mas Sam deixou claro que não queria estender o assunto. Ela sabia bem como seu chefe ficava, quando as coisas não saiam como ele queria. - Você está de bom humor hoje. – comentou Priscila, olhando para fora da janela. – Deve ter feito sexo com aquele gostoso que conheceu no coquetel. - Nada disso. – Sam respondeu, uma risadinha escapando de seus lábios. – Eu te disse que não estava pronta para me envolver com outro homem. Gabriel e eu jantam
Os saltos de Samanta ecoavam no piso de mármore enquanto ela descia os últimos degraus rumo à recepção da Cosmus. O vestido amarelo rodado balançava suavemente ao redor de suas pernas, e seu perfume cítrico com notas de jasmim e baunilha parecia se fundir ao entardecer elegante daquela segunda-feira. Apesar do nervosismo com o jantar, um sorriso doce habitava seus lábios. Ela pensava no bebê. Pensava em Beto. Pensava em como aquela nova etapa em sua vida, embora ainda envolta em incertezas, era diferente. Mais terna. Mais viva. Mas bastou um passo a mais, e tudo isso congelou. Ele estava ali. Gabriel Avelar. Parado no centro do hall como se fosse o protagonista de um filme romântico mais esperado, segurando um enorme buquê de rosas vermelhas, ostentando um sorriso que ela agora reconhecia como uma máscara. Um disfarce de sedução cuidadosamente esculpido, mas que não lhe causava mais nenhuma simpatia ou admiração. Samanta parou onde estava. O coração acelerou, mas não de for
Samanta Samanta Bastos é uma jovem publicitária de vinte e oito anos romântica e sonhadora, que desde criança sonhava com um casamento de princesa, uma família grande cercada de carinho; almoços de domingo recheados de risadas e feriados barulhentos e alegres. No entanto, o silêncio que a recebia nesse momento ao entrar em casa, era a sua triste realidade. Sam depositou as chaves do carro no aparador da sala e rumou para a cozinha em busca de uma garrafa de vinho. No caminho suas roupas sujas de terra ficaram largadas no chão. O barulho da rolha saindo do gargalo da garrafa se propagou pela cozinha silenciosa. Ela levou a garrafa a boca e se sentou no chão somente de calcinha e sutiã. Seus pensamentos bagunçados se alinharam em uma única pergunta. Como foi que chegou a esse ponto? A lembrança ainda queimava dentro dela, tão vívida e cruel como se estivesse acontecendo novamente. Flashback on Com o rosto banhado de lágrimas, Samanta viu Alberto Darius, o homem que durant