O som do nome dela ainda pairava no ar quando o vento silenciou de repente.
O castelo inteiro pareceu ouvir.
Nas torres, os lobos pararam de uivar.
Nas muralhas, os guerreiros se entreolharam — como se o impossível acabasse de acontecer.
O Alfa havia falado.
Dentro da tenda, o ar ainda tremia.
Helena mal conseguia respirar; o corpo formigava, e o sangue corria quente demais.
Kael permanecia à frente, imóvel, o olhar cravado nela como lâmina.
O som que escapara da garganta dele ainda ecoava entre as velas, batendo nas paredes como um coração sem dono.
Erynn foi a primeira a se mover.
— Alfa... o que fizeste? — sussurrou, trêmula.
Kael virou o rosto em direção a ela, mas não respondeu.
A cicatriz brilhava como prata viva.
Helena recuou um passo, a respiração curta.
— Ele… — tentou dizer, sem fôlego — ele falou meu nome.
Erynn baixou o cajado, como se ajoelhasse diante de algo antigo demais para ser compreendido.
— Não. Ele te
chamou.
O olhar da anciã mudou — de medo para reverência. — O Norte volta a ouvir o vento.
Ronan entrou em seguida, a espada ainda na bainha, mas a mão firme sobre o punho.
Quando viu o Alfa e a mulher no centro do círculo de cinzas, parou.
— Por todos os deuses… — murmurou. — O impossível.
Erynn o interrompeu, seca:
— O impossível é o que sustenta o Norte.
O silêncio que se seguiu foi quebrado por um trovão distante.
Do lado de fora, o céu escurecia, e a neve começou a cair grossa, redemoinhando sobre o vale.
Helena ergueu os olhos, sentindo o frio entrar pela pele, mas o calor que vinha de dentro dela era mais forte.
O vento soprava de novo, mas agora
respondia.
Cada vez que Kael respirava, as chamas oscilavam, como se o ar o obedecesse.
Erynn aproximou-se de Helena com cautela.
— O selo queimou quando ele falou. — A voz dela era baixa. — Estás ligada a ele, criança.
Helena a fitou, assustada.
— Ligada? Como?
— Pela voz. — A anciã apontou para Kael. — Ele gritou uma vez e o mundo emudeceu. Agora te chamou e o mundo voltou a ouvir.
Helena deu um passo atrás, balançando a cabeça.
— Não, isso é loucura. Eu não pedi nada disso.
Ronan bufou, quase rindo.
— Achas que o destino pede permissão?
— E o Conselho? — perguntou Erynn. — O que vão dizer quando souberem?
Kael ergueu o olhar, frio, absoluto.
Não precisou falar.
Ronan entendeu o gesto e respondeu:
— Eles já sabem.
Lá fora, os sinos das torres ecoavam.
Três toques longos: o sinal de convocação.
O salão do Conselho estava lotado.
Sigrid e Maelor esperavam diante do trono de pedra.
Aos lados, guerreiros murmuravam, inquietos.
Quando Kael entrou, o som cessou como vento cortado.
Helena veio atrás dele, o manto ainda sobre os ombros, o cabelo solto e úmido.
Cada olhar pousava nela com curiosidade e temor.
Alguns se ajoelharam. Outros, cerraram os punhos.
Maelor foi o primeiro a falar.
— Dizem que o Alfa falou. — A voz soou como lâmina arrastada. — Quebraste o juramento do silêncio.
Kael o encarou, imóvel.
Helena sentiu a tensão no ar, como se o ar entre eles fosse vidro prestes a quebrar.
Erynn adiantou-se.
— Ele não quebrou nada. Apenas respondeu a um chamado.
Sigrid olhou para Helena.
— E o chamado tem nome, pelo visto.
O silêncio ficou pesado.
Helena quis recuar, mas sentiu algo diferente: um calor, um pulsar na pele, a mesma energia da tenda.
Quando Kael a olhou, o peito dela se apertou.
Podia sentir o eco dele dentro do próprio corpo.
Um sopro, uma lembrança, algo que não era pensamento — era presença.
Maelor ergueu a voz:
— Então a maldição muda de nome? O Alfa fala e o Norte perde o medo?
Ronan se adiantou:
— O Norte ouviu o próprio chamado. E teme o que não entende.
— Teme, sim — respondeu Maelor, firme. — Porque toda ponte entre mundos termina em ruína.
Kael respirou fundo, e o ar no salão mudou.
As tochas estremeceram.
Um som baixo vibrou — não uma palavra, mas um eco.
O mesmo eco que Helena ouvira dentro da tenda.
Sigrid levou a mão à garganta, surpresa.
— A voz dele…
Erynn completou:
— Não voltou por inteiro. Mas voltou o bastante para lembrar aos homens quem ele é.
Helena o observava.
O Alfa permanecia imóvel, mas o silêncio em torno dele parecia vivo, denso, respirando.
Ela percebeu que não era o único que sentia a marca arder.
A própria pele dela brilhava em reflexos prateados, visíveis apenas quando ele se movia.
— Ele te chama, mesmo sem voz — murmurou Sigrid. — E tu o escutas, mesmo calada.
Helena se virou.
— Isso é uma maldição?
— Ou uma bênção que o Norte não pediu — respondeu Erynn.
Maelor ergueu o punho, impaciente.
— O Norte não sobreviveu à primeira Luna. Não suportará outra.
A voz dele ecoou pelo salão, e o murmúrio cresceu.
Kael deu um passo à frente.
A cicatriz na garganta reluzia.
O som que saiu dele não foi voz — foi rugido.
Profundo, contido, humano e selvagem.
Os lobos lá fora responderam instantaneamente.
Um uivo atravessou o vale, quebrando o gelo nas janelas, vibrando nas colunas de pedra.
O chão tremeu sob os pés.
Helena levou a mão ao peito, o coração disparado.
O rugido parecia nascer dentro dela também.
O eco a atravessava como se as costelas fossem cordas de um instrumento antigo.
Erynn ajoelhou-se.
Sigrid baixou a cabeça.
Até Maelor, por um instante, ficou em silêncio.
Quando o som cessou, Kael respirou devagar e virou o rosto para Helena.
Os olhos dele — aquele azul frio de aço e noite — a encontraram.
Ela compreendeu sem palavras:
o chamado era mútuo.O Conselho, dividido, começou a discutir entre si.
Helena se afastou alguns passos, confusa, o ar pesado demais.
Ronan se aproximou, voz baixa:
— Ele não devia ter feito isso.
— Por quê?
— Porque cada vez que fala, o Norte sangra junto.
Helena olhou para Kael — imóvel, forte, mas com o sangue escorrendo em um fio fino da cicatriz.
A garganta dele ardia em prata e vermelho.
Ela se aproximou, instintivamente.
Quis tocá-lo, mas ele ergueu a mão, impedindo-a.
Mesmo assim, ela sentiu o calor dele, como se o toque existisse no ar entre os dois.
— E se o silêncio dele for o preço? — perguntou Erynn, olhando para o sangue. — E se a tua voz for a chave?
Helena o fitou, tremendo.
Não sabia se o que sentia era medo, ou amor, ou os dois ao mesmo tempo.
Do lado de fora, o vento soprou de novo — e, dessa vez, soou como uma resposta.
Dois corações. Um silêncio. Um destino.
Kael ergueu o olhar para o alto.
Os lobos uivaram.
E o Norte inteiro voltou a ouvir o rugido do Alfa.
Mas desta vez, não havia dor no som.
Havia
vida.