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✦ CAPÍTULO 4 — A ESTRANHA DO NORTE

O castelo amanheceu em expectativa.

Lobos rondavam as muralhas, inquietos; guerreiros trocavam sinais mudos; as torres exalavam fumaça de pinho e ferro.

O Norte inteiro parecia respirar mais rápido, como se pressentisse algo prestes a nascer — ou a ruir.

Helena acordou com o som distante dos sinos do pátio.

O corpo ainda doía, e a marca pulsava leve, como cicatriz viva.

Por um instante, esqueceu onde estava.

Depois, o frio respondeu.

Um manto de peles a cobria, e sobre a mesa havia pão escuro, mel e um cálice de água morna.

Nada luxuoso — hospitalidade do Norte.

Encostou os dedos no ombro. A pele ardia.

A lembrança da noite anterior voltou: o eco, o Conselho, o Alfa diante dela como um muro de silêncio.

A porta rangeu.

Ronan entrou.

Dessa vez, sem pressa, sem arrogância. Apenas olhou.

— O Conselho decidiu — disse. — Partes ao meio-dia.

— Parto? Para onde?

— A Tenda do Vento.

Helena se ergueu devagar.

— Prisão.

— Chamam de “proteção”.

— E tu, como chamas?

Ronan hesitou. — Destino.

A palavra ficou entre os dois, pesada, como gelo prestes a rachar.

Helena passou por ele, descalça, pés tocando a pedra fria.

— O destino não me sequestrou. Homens, sim.

Ele a seguiu, mas não respondeu.

Lá fora, o vento cortava como vidro.


A Tenda do Vento ficava além das muralhas, no limite do vale.

Construída de couro negro e ossos de lobo, erguia-se solitária, batendo contra o ar como um coração exposto.

A cada rajada, os amuletos pendurados no topo tilintavam, produzindo um som agudo — a única melodia que o Norte tolerava.

Helena caminhava entre guardas.

A túnica branca contrastava com o chão escuro.

Os lobos seguiam atrás, silenciosos, farejando o rastro dela no vento.

O manto do Alfa pesava sobre os ombros como promessa e sentença.

Quando chegou à entrada da tenda, Erynn a esperava.

A anciã segurava o cajado adornado com fios de prata e dentes antigos.

— Aqui o vento fala — disse. — E o vento nunca mente.

Helena não respondeu.

O olhar foi além, para as montanhas distantes, onde a neve cintilava como um mar imóvel.

— E o que ele vai dizer sobre mim?

— O que o Norte precisa ouvir.

Erynn estendeu a mão.

— Posso?

Helena assentiu.

A anciã pousou a palma sobre o ombro marcado.

Um tremor atravessou as duas.

A marca brilhou, depois escureceu, voltando à cor de carne.

— Ele te acalma — murmurou Erynn. — Mesmo sem tocar.

Helena entendeu.

Kael.


O Alfa observava de longe, do alto da muralha.

Os cabelos ao vento, a cicatriz brilhando em prata sob o sol pálido.

Ronan subiu até ele.

— Ela não entende o que carrega.

Kael não respondeu.

O olhar seguia fixo na tenda.

— E o Conselho quer provas — continuou o Beta. — Se for mesmo o eco, vão querer usar. Se for fenda, vão querer apagar.

Kael fechou os olhos, a mão apertando a pedra gelada.

A cicatriz pulsou.

Um som breve escapou da garganta, mais vibração do que voz.

Ronan recuou, atônito.

— Alfa...

Mas Kael já havia parado.

O vento levou o som, e o silêncio voltou a reinar.


Dentro da tenda, Erynn preparava o ritual.

Traçou três círculos no chão com pó de cinza e sal.

Helena ficou no centro.

O vento soprava pelas frestas, fazendo as velas tremular.

— O que devo fazer? — perguntou Helena.

— Ouvir.

A anciã começou a entoar uma prece antiga, quase um sussurro.

As palavras não eram humanas — pareciam pedras rolando dentro da terra.

Helena fechou os olhos.

Primeiro, o som dos lobos.

Depois, o eco de vozes distantes.

Por fim, o silêncio — tão profundo que a fez querer gritar.

E então algo respondeu.

Um sopro quente contra o rosto, uma voz sem corpo.

Tu carregas o que ele perdeu.
E ele carrega o que tu buscas.

Helena abriu os olhos.

O ar dentro da tenda tremulava, distorcendo as chamas.

O símbolo no ombro ardia de novo.

— Que é isso? — ela sussurrou.

Erynn não respondeu.

O vento aumentou, derrubando uma das velas.

A sombra dançou nas paredes, e o som de um rugido ecoou — vindo de lugar nenhum e de todos ao mesmo tempo.

Do lado de fora, os lobos começaram a uivar.

E no alto da muralha, Kael caiu de joelhos, a cicatriz queimando como ferro.

Helena levou a mão ao peito.

O coração disparou.

O vento agora sussurrava um nome entre os cabelos dela:
Kael.

Se gritar, o lobo morre com você.

Ela reconheceu a voz — a de Lyra.

O medo se misturou à saudade de algo que nunca vivera.

Erynn segurou o cajado com força.

— A ponte se abriu — murmurou. — Não há mais volta.

Helena cambaleou, tonta.

O ar cheirava a ferro e neve.

O mundo girava em branco.

— Feche! — gritou a anciã, mas o vento rugiu de volta.

As paredes da tenda vibravam como se quisessem fugir do chão.

A marca de Helena brilhou em vermelho vivo.

Kael se levantou, o olhar fixo no horizonte.

Ronan o chamou, mas ele já estava descendo as escadas, atravessando o pátio, os lobos abrindo caminho.

O vento soprava contra ele, mas o Alfa avançava.

Dentro da tenda, Helena caiu de joelhos, o corpo tomado pela luz.

O selo queimava, pulsando com a mesma força que a cicatriz no corpo do Alfa.

Erynn tentou alcançá-la, mas o ar a repeliu.

Quando Kael atravessou a entrada, o vento parou.

O silêncio caiu como neve.

Helena ergueu o rosto, ofegante.

Os olhos dela — antes castanhos — agora refletiam prata.

O Alfa a encarou.

E, pela primeira vez desde o rugido que calou o Norte, um som escapou da garganta dele — rouco, quase humano:

“Helena.”

A palavra ecoou dentro e fora da tenda, fazendo o mundo estremecer.

As tochas se inclinaram, o ar pareceu vibrar em reverência, e os lobos lá fora se deitaram como diante de um milagre.

Helena sentiu lágrimas arderem, sem saber se de medo, ou de algo que finalmente se encontrava.

O vento voltou a soprar, mais suave — agora, sussurrando algo novo.

Dois corações. Um silêncio. Um destino.

E quando Kael estendeu a mão, o ar ao redor pareceu obedecer.

Helena a segurou.

E o Norte, inteiro, voltou a ouvir.

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