Mundo de ficçãoIniciar sessãoDaniel não conseguiu dormir.
Virava de um lado para o outro na cama ampla, cercado por lençóis caros que, naquela madrugada, pareciam apenas mais um lembrete vazio de tudo o que ele sempre acreditara ser suficiente. O relógio digital marcava três e quarenta e sete da manhã quando ele desistiu.
Levantou-se, caminhou até a janela do apartamento e encarou a cidade iluminada lá embaixo. Prédios, carros, pessoas vivendo suas vidas sem imaginar o turbilhão que se formava dentro dele.
Grávida.
A palavra ecoava em sua mente como uma sentença.
Daniel sempre fora o tipo de homem que antecipava riscos, que calculava cenários, que não deixava brechas. Sua vida fora construída com disciplina, decisões frias e distanciamento emocional. Não por arrogância, mas por sobrevivência. Crescera vendo sentimentos destruírem pessoas. Jurara que isso nunca aconteceria com ele.
E agora havia uma mulher que ele mal conhecia carregando um filho que, muito provavelmente, era seu.
Ele passou a mão pelo rosto e respirou fundo.
— Você deixou isso acontecer — murmurou para si mesmo.
Na manhã seguinte, chegou ao escritório mais cedo do que o habitual. Não queria pensar. Precisava agir.
— Traga minha mãe aqui hoje — disse à assistente, assim que entrou. — E cancele todas as reuniões.
— Hoje? — ela perguntou, surpresa.
— Hoje — confirmou ele, seco.
Helena chegou pouco depois do meio-dia.
Elegante como sempre, vestia um conjunto claro impecável e carregava no olhar a mesma autoridade que sempre dominara qualquer ambiente. Ao entrar na sala, observou o filho por alguns segundos antes de falar.
— Você parece cansado — comentou.
— Não dormi — respondeu Daniel.
— Imagino — disse ela, sentando-se. — Já soube da situação.
Ele fechou o maxilar.
— Eu imaginei.
— Uma jovem grávida aparece do nada dizendo que espera um filho seu — continuou Helena, cruzando as pernas com calma. — Claro que isso chegaria até mim.
— Ela não apareceu do nada — rebateu Daniel. — Foi um erro meu.
Helena o encarou com surpresa.
— Um erro que pode custar muito caro — disse ela. — Sua imagem, seus negócios, seu nome.
— Estamos falando de uma criança — respondeu Daniel.
— Estamos falando de consequências — corrigiu Helena. — E elas precisam ser controladas.
O silêncio se estendeu entre os dois.
— O que você pretende fazer? — perguntou ela, por fim.
Daniel respirou fundo.
— Eu ainda não sei.
Helena suspirou, como se aquela resposta fosse a pior possível.
— Então eu vou resolver — disse.
— Não — respondeu ele de imediato. — Não sem falar comigo antes.
Ela sorriu de lado.
— Já falei. Agora vou agir.
Do outro lado da cidade, Lívia acordou com o estômago embrulhado.
Correu até o banheiro, ajoelhando-se diante do vaso. O enjoo veio forte, acompanhado de uma tontura que a fez apoiar a mão na parede fria para não cair. Quando tudo passou, ficou ali por alguns minutos, respirando com dificuldade.
— Calma… — sussurrou. — É só uma fase.
Mas não parecia só isso.
Levantou-se devagar, encarando o reflexo no espelho. Estava mais pálida, os olhos fundos, o rosto marcado pelo cansaço. A gravidez ainda era recente, mas já transformava tudo.
Preparou um café fraco e se sentou à pequena mesa da cozinha. O celular estava ali, silencioso. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação.
Daniel continuava ausente.
— Melhor assim — murmurou, tentando convencer a si mesma.
Pouco antes do meio-dia, o telefone tocou.
Número desconhecido.
Lívia hesitou, mas atendeu.
— Alô?
— Lívia? — disse uma voz feminina, firme e controlada. — Aqui é Helena, mãe de Daniel.
O coração de Lívia disparou.
— Sim… — respondeu, com cautela.
— Gostaria de conversar com você pessoalmente — continuou a mulher. — Hoje.
— Sobre o quê? — perguntou Lívia, já sentindo um aperto no peito.
— Sobre a situação em que você se encontra — respondeu Helena. — Vou lhe enviar o endereço.
A ligação foi encerrada antes que Lívia pudesse dizer qualquer coisa.
Ela ficou alguns segundos parada, olhando para o celular.
Aquilo não era um pedido.
Horas depois, Lívia chegou à cafeteria indicada. O lugar era sofisticado, com mesas de vidro, pessoas bem vestidas e um ambiente que deixava claro que ela não pertencia àquele mundo.
Helena já estava sentada, tomando café.
— Sente-se — disse, sem sorrir.
Lívia obedeceu.
— Vou ser direta — começou Helena. — Essa gravidez é inconveniente.
A palavra atingiu Lívia como um tapa.
— Meu filho não é inconveniente — respondeu, sentindo o rosto queimar.
— Para você, talvez não — rebateu Helena. — Mas para nós, é um risco.
— Risco para quê? — questionou Lívia. — Para a reputação de vocês?
Helena manteve a postura firme.
— Daniel construiu um império — disse. — E impérios não sobrevivem a escândalos.
— Eu não sou um escândalo — respondeu Lívia, com a voz firme apesar do tremor nas mãos.
— Não, mas pode se tornar — disse Helena. — E é isso que queremos evitar.
Lívia respirou fundo.
— O que a senhora quer de mim?
Helena pousou a xícara com calma.
— Que essa história seja resolvida da forma mais discreta possível.
— Discreta como? — perguntou Lívia, já sabendo a resposta.
— Nós podemos garantir sua estabilidade financeira — continuou Helena. — Moradia, despesas, conforto. Você não precisará se preocupar com nada.
— E em troca? — questionou Lívia.
— Distância — respondeu Helena. — Você cria a criança longe do nosso círculo. Sem exposição. Sem interferências.
O ar pareceu faltar.
— A senhora está me pedindo para desaparecer — disse Lívia, incrédula.
— Estou oferecendo uma solução — corrigiu Helena.
Lívia sentiu algo se partir dentro dela.
— Meu filho não é um erro a ser escondido — disse, levantando-se. — E eu não sou um problema a ser resolvido com dinheiro.
Helena a encarou friamente.
— Pense bem — advertiu. — O mundo pode ser cruel com quem enfrenta pessoas poderosas.
— Eu já estou enfrentando — respondeu Lívia.
Saiu da cafeteria com as pernas tremendo, mas a cabeça erguida.
Pressões.
Todas vindo de um lado só.
No fim da tarde, Daniel recebeu a confirmação.
— Ela recusou — informou a assistente.
Daniel fechou os olhos.
— Claro que recusou.
Sentiu, pela primeira vez, algo que não combinava com ele: admiração.
Mas também percebeu que a situação estava longe de terminar.
Pelo contrário.
Ela estava apenas começando.







