Mundo de ficçãoIniciar sessãoO quarto parecia menor naquela noite.
Lívia sentou-se na beira da cama, encarando as paredes descascadas do pequeno apartamento alugado. O silêncio era quebrado apenas pelo barulho distante de carros na rua e pelo tic-tac insistente do relógio pendurado acima da porta. Tudo ali era simples demais para um momento tão grande.
Ela levou a mão ao ventre ainda plano.
— Somos só nós agora — sussurrou.
Não era a vida que havia imaginado. Nunca sonhara em criar um filho sozinha, muito menos começando daquele jeito: com medo, incertezas e um futuro nebuloso. Mas, mesmo assim, algo dentro dela se fortalecia a cada dia. Um instinto novo, feroz, que não admitia recuo.
Na manhã seguinte, o enjoo veio mais forte.
Lívia correu até o banheiro e se ajoelhou diante do vaso sanitário. O corpo tremia, o estômago se revirava, e a garganta ardia. Quando finalmente conseguiu se levantar, apoiou-se na pia, respirando com dificuldade.
— Calma… — disse para si mesma. — Vai passar.
Mas não passou.
No trabalho, as coisas também começaram a desandar.
Ela trabalhava como assistente administrativa em uma pequena empresa, onde o salário mal cobria as contas, mas ainda assim era sua segurança. Ou pelo menos costumava ser.
— Você está distraída ultimamente — disse o supervisor, cruzando os braços. — Erros assim não podem acontecer.
— Desculpa — respondeu Lívia, sentindo o rosto queimar. — Não vai se repetir.
— Espero que não — respondeu ele, seco.
Ela voltou para a mesa sentindo um aperto no peito. A gravidez ainda era um segredo, mas seu corpo insistia em denunciar algo errado. O cansaço era constante, as dores nas costas surgiam sem aviso, e a concentração parecia escapar entre os dedos.
Na hora do almoço, sentou-se sozinha em um banco da praça próxima ao prédio. Observou uma mulher empurrando um carrinho de bebê, conversando animadamente com outra mãe.
Aquilo doeu.
— Será que eu vou conseguir? — murmurou.
O celular vibrou.
Por um segundo, seu coração acelerou, esperando ver o nome de Daniel na tela. Mas era apenas uma mensagem do banco, lembrando sobre o aluguel atrasado.
Lívia fechou os olhos com força.
As contas se acumulavam. A renda era curta. E agora, havia um filho a caminho.
Naquela noite, sentou-se à mesa da cozinha com um caderno velho e começou a anotar números. Entradas, saídas, despesas fixas. O resultado era sempre o mesmo: negativo.
— Eu vou dar um jeito — repetiu, teimosa.
Mas, no fundo, o medo crescia.
Os dias passaram lentos.
Daniel continuava em silêncio.
Lívia fingia que isso não a afetava, mas cada ausência dele era um lembrete cruel de que ela estava sozinha naquela história. Ele tivera a chance de ficar, de ouvir, de tentar. Preferira duvidar.
Até que, numa sexta-feira à tarde, tudo desmoronou.
— Lívia, podemos conversar um minuto? — chamou o supervisor, parado à porta da sala.
Ela soube.
Sentou-se diante dele, as mãos suadas, o coração disparado.
— A empresa está passando por uma reestruturação — começou ele, evitando encará-la diretamente. — Infelizmente, vamos precisar cortar alguns cargos.
— Eu… — tentou falar.
— Não é nada pessoal — interrompeu ele. — Você é dedicada, mas não podemos mantê-la.
O mundo perdeu o som.
— Eu estou grávida — disse ela, sem planejar.
O homem franziu o cenho.
— Sinto muito — respondeu. — Mas a decisão já foi tomada.
Lívia saiu do prédio com a caixa de papelão nas mãos e os olhos cheios de lágrimas. Cada passo parecia mais pesado que o anterior.
Sem trabalho.
Sem apoio.
Com um filho crescendo dentro dela.
Chegou em casa e largou a caixa no chão. Sentou-se no sofá gasto e deixou o choro vir, forte, descontrolado. Chorou pelo medo, pela solidão, pela injustiça.
— Eu não posso desistir — disse em meio às lágrimas.
Secou o rosto, respirou fundo e se levantou.
Pegou o celular.
Passou alguns segundos encarando a tela antes de digitar uma mensagem curta.
Daniel, preciso falar com você.
Apagou.
Digitou de novo.
Eu perdi meu emprego.
Apagou outra vez.
No fim, bloqueou o telefone e o colocou dentro da gaveta.
— Não — murmurou. — Eu não vou implorar.
Naquela noite, o enjoo voltou mais forte, acompanhado de tontura. Lívia se sentou no chão da cozinha, encostada no armário, tentando recuperar o fôlego.
— Aguenta só mais um pouco — sussurrou para o ventre.
No mesmo instante, em outro ponto da cidade, Daniel encarava um relatório médico aberto sobre a mesa.
Gravidez confirmada.
Ele fechou os olhos.
Pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo que não sabia nomear.
Medo.
E, talvez, arrependimento.
O telefone dele vibrou.
Era uma mensagem da assistente.
Ela perdeu o emprego hoje.
Daniel ficou imóvel.
Sozinha.
Grávida.
Sem trabalho.
Ele apertou o celular com força.
— Droga… — murmurou.
Dois destinos seguiam em direções opostas, mas cada vez mais ligados por uma verdade impossível de ignorar.
E aquela solidão estava prestes a ser quebrada.
Lívia decide seguir sem apoio e enfrenta dificuldades financeiras.







