Capítulo 4 – Sozinha

O quarto parecia menor naquela noite.

Lívia sentou-se na beira da cama, encarando as paredes descascadas do pequeno apartamento alugado. O silêncio era quebrado apenas pelo barulho distante de carros na rua e pelo tic-tac insistente do relógio pendurado acima da porta. Tudo ali era simples demais para um momento tão grande.

Ela levou a mão ao ventre ainda plano.

— Somos só nós agora — sussurrou.

Não era a vida que havia imaginado. Nunca sonhara em criar um filho sozinha, muito menos começando daquele jeito: com medo, incertezas e um futuro nebuloso. Mas, mesmo assim, algo dentro dela se fortalecia a cada dia. Um instinto novo, feroz, que não admitia recuo.

Na manhã seguinte, o enjoo veio mais forte.

Lívia correu até o banheiro e se ajoelhou diante do vaso sanitário. O corpo tremia, o estômago se revirava, e a garganta ardia. Quando finalmente conseguiu se levantar, apoiou-se na pia, respirando com dificuldade.

— Calma… — disse para si mesma. — Vai passar.

Mas não passou.

No trabalho, as coisas também começaram a desandar.

Ela trabalhava como assistente administrativa em uma pequena empresa, onde o salário mal cobria as contas, mas ainda assim era sua segurança. Ou pelo menos costumava ser.

— Você está distraída ultimamente — disse o supervisor, cruzando os braços. — Erros assim não podem acontecer.

— Desculpa — respondeu Lívia, sentindo o rosto queimar. — Não vai se repetir.

— Espero que não — respondeu ele, seco.

Ela voltou para a mesa sentindo um aperto no peito. A gravidez ainda era um segredo, mas seu corpo insistia em denunciar algo errado. O cansaço era constante, as dores nas costas surgiam sem aviso, e a concentração parecia escapar entre os dedos.

Na hora do almoço, sentou-se sozinha em um banco da praça próxima ao prédio. Observou uma mulher empurrando um carrinho de bebê, conversando animadamente com outra mãe.

Aquilo doeu.

— Será que eu vou conseguir? — murmurou.

O celular vibrou.

Por um segundo, seu coração acelerou, esperando ver o nome de Daniel na tela. Mas era apenas uma mensagem do banco, lembrando sobre o aluguel atrasado.

Lívia fechou os olhos com força.

As contas se acumulavam. A renda era curta. E agora, havia um filho a caminho.

Naquela noite, sentou-se à mesa da cozinha com um caderno velho e começou a anotar números. Entradas, saídas, despesas fixas. O resultado era sempre o mesmo: negativo.

— Eu vou dar um jeito — repetiu, teimosa.

Mas, no fundo, o medo crescia.

Os dias passaram lentos.

Daniel continuava em silêncio.

Lívia fingia que isso não a afetava, mas cada ausência dele era um lembrete cruel de que ela estava sozinha naquela história. Ele tivera a chance de ficar, de ouvir, de tentar. Preferira duvidar.

Até que, numa sexta-feira à tarde, tudo desmoronou.

— Lívia, podemos conversar um minuto? — chamou o supervisor, parado à porta da sala.

Ela soube.

Sentou-se diante dele, as mãos suadas, o coração disparado.

— A empresa está passando por uma reestruturação — começou ele, evitando encará-la diretamente. — Infelizmente, vamos precisar cortar alguns cargos.

— Eu… — tentou falar.

— Não é nada pessoal — interrompeu ele. — Você é dedicada, mas não podemos mantê-la.

O mundo perdeu o som.

— Eu estou grávida — disse ela, sem planejar.

O homem franziu o cenho.

— Sinto muito — respondeu. — Mas a decisão já foi tomada.

Lívia saiu do prédio com a caixa de papelão nas mãos e os olhos cheios de lágrimas. Cada passo parecia mais pesado que o anterior.

Sem trabalho.

Sem apoio.

Com um filho crescendo dentro dela.

Chegou em casa e largou a caixa no chão. Sentou-se no sofá gasto e deixou o choro vir, forte, descontrolado. Chorou pelo medo, pela solidão, pela injustiça.

— Eu não posso desistir — disse em meio às lágrimas.

Secou o rosto, respirou fundo e se levantou.

Pegou o celular.

Passou alguns segundos encarando a tela antes de digitar uma mensagem curta.

Daniel, preciso falar com você.

Apagou.

Digitou de novo.

Eu perdi meu emprego.

Apagou outra vez.

No fim, bloqueou o telefone e o colocou dentro da gaveta.

— Não — murmurou. — Eu não vou implorar.

Naquela noite, o enjoo voltou mais forte, acompanhado de tontura. Lívia se sentou no chão da cozinha, encostada no armário, tentando recuperar o fôlego.

— Aguenta só mais um pouco — sussurrou para o ventre.

No mesmo instante, em outro ponto da cidade, Daniel encarava um relatório médico aberto sobre a mesa.

Gravidez confirmada.

Ele fechou os olhos.

Pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo que não sabia nomear.

Medo.

E, talvez, arrependimento.

O telefone dele vibrou.

Era uma mensagem da assistente.

Ela perdeu o emprego hoje.

Daniel ficou imóvel.

Sozinha.

Grávida.

Sem trabalho.

Ele apertou o celular com força.

— Droga… — murmurou.

Dois destinos seguiam em direções opostas, mas cada vez mais ligados por uma verdade impossível de ignorar.

E aquela solidão estava prestes a ser quebrada.

Lívia decide seguir sem apoio e enfrenta dificuldades financeiras.

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