EULÁLIA
— Segundo os relatórios da alcateia Sangue Azul… — Reviraria os olhos só de ouvir o nome da minha antiga alcateia, se tivesse esse costume e se não estivesse sob tantos olhares, principalmente o dele. Enquanto o Beta continuava, eu sentia os olhares em cada parte de mim, mas apenas um tinha o poder de me atingir. Suspirei devagar e da forma mais sutil que pude, tentando continuar firme diante das acusações. Porém, os olhos cinzentos, com sua aliança vermelha ao redor das pupilas, me chamaram. Ele me prendeu em seu contato visual, como se tivesse escutado até o meu baixo suspirar cansado. Por um momento, pareceu que havia apenas nós. “Claro que ele ouviu. Ele escuta melhor que ninguém.” Recordei do que ele disse sobre meus batimentos cardíacos. Baixei os olhos, tentando não parecer ousada. Pus-me a prestar atenção nas palavras do Beta. — As acusações apontam Eulália Rivera não apenas como traidora de seu companheiro… — Levantei a cabeça imediatamente. “Companheiro? Que companheiro? Aquele idiota não é nada meu. Aquele traidor imbecil!” Rosnei por dentro e por fora. Todos me encararam de forma estranha. Eu queria gritar, mas meus lábios estavam selados. Eu sabia o motivo: ele me impedia de atrapalhar o julgamento. Encarei-o. Pus-me de joelhos, tentando não parecer estar desafiando-o. “Não é verdade. Eu não tenho companheiro e nem posso ter.” Digo, na esperança de que o Supremo me escute. Seu olhar quase indiferente me deixava ansiosa, mas eu não queria levar mais carga do que sentia que merecia para o meu túmulo. Os olhos verdes do Beta me alfinetaram, mas o Supremo o fez prosseguir: — Continue! — Ela traiu sua alcateia, fazendo negócios com o inimigo e ajudando os rebeldes em suas terras quando todos estavam vulneráveis. “Como é que é?” Tremi de raiva. — Ela mesma planejou a ascensão de seu companheiro ao lugar do antigo Alfa para criar uma distração completa, permitindo a invasão… “Companheiro? Como aquele idiota pode ser meu companheiro?” Gritei na minha mente, como se fosse para o Beta. — Ainda matou o pai do seu novo Alfa quando ele não aceitou sua união com seu filho naquela noite. “Chame ele de meu companheiro de novo e me jogue com ele em uma cela. Por favor! Aí, vamos ver se eu tenho algum laço com as carnes e ossos daquele infeliz mentiroso!” Já não me importava se alguém ouvia ou não meus pensamentos, mas, se eu não podia gritar ou me defender, eu devia ao menos ter um momento de guerra interna, onde poderia ser louca e vencedora ao mesmo tempo. — Essas são todas as acusações? — Ouvi a voz do rei perguntar. Desviei meu olhar do Beta, que já me encarava também, para o homem no trono de julgamento. — Essas são as acusações mais fortes. — Disse o Beta, folheando o relatório. “Ah! Não se abstenha, diga o que está omitindo aí, meu caro amigo!” Apertei os dentes. “Idiota arrogante de merda! Ciro, eu vou te matar como você fez ao seu pai, seu imbecil!” Por fora, todos viram como balancei os cabelos ferozmente enquanto encarava o chão com muita raiva. Parecia uma maluca, um lobo que contraiu loucura ou algo assim. — Não são relevantes. Foi o que disseram quando perguntei por mais acusações. — O Beta respondeu ao olhar do Supremo, ou talvez à sua voz interna. — Não são relevantes. — Repetiu o Supremo. — Então vamos ver se as palavras da acusada também são irrelevantes. — Ele me permitiu falar e levantar, mas eu preferi ficar de joelhos. — Ficarei de joelhos, Supremo. — Espera falar algo que lhe custe a língua se ficar de pé? Eu riria de suas palavras se ele não fosse o Supremo e se eu ainda acreditasse que ele era apenas um lobo especial entre os demais e não o meu rei. — Eu sei que minhas palavras não são provas e serão apenas palavras de uma acusada… — Passei o olhar pelos presentes, mostrando minha coragem e sinceridade. — Eu fui, sim, a responsável pela abdicação do lugar de Alfa para o sucessor do meu antigo Alfa. Mas eu não sabia dos seus planos. Burburinhos começaram a surgir. No entanto, só a mão do rei foi capaz de silenciá-los. — Eu não sou companheira daquele Alfa. Eu acreditei que seria naquele momento, mas ele já tinha encontrado sua companheira. — E por isso continuou seu plano de invadir o território e matou seu antigo Alfa? — Alguém perguntou. Tentei não mostrar para aquela pessoa uma careta desagradável. Apenas respondi depois de me voltar para o Supremo novamente. — Você cheira a sangue. — Disseram. “O sangue do Alfa.” Mal pensei nisso, vi o dono do trono juntar as sobrancelhas. — Minhas mãos e rosto podem ter o cheiro do sangue dele, mas não foi porque eu o matei. — Como pode provar? — Alguém me provocou. — Deixe-a terminar! — A voz do Supremo soou firme, mesmo calma. — Ciro pediu ao seu Beta para me levar para a clareira. Eu fui. E quando fiquei sozinha, ele apareceu, arrastando seu pai morto. Tentei tirar a raiva que me subia pela garganta para continuar: — Ele tem uma Luna hoje, não é? Então, ela é a companheira dele, e eles fizeram tudo isso juntos! Não queria ter que explicar tudo. Tentei resumir, pois sabia que meu tempo e palavras eram limitados. “Que sentido faz eu continuar falando?” Suspirei internamente. “Apenas continue!” Fui surpreendida pela voz do Supremo na minha cabeça. Nossos olhares se encontraram como se nunca houvesse sido diferente.