Mundo ficciónIniciar sesiónA manhã começou cinza, mas o clima na Torre Moretti estava ainda mais carregado do que as nuvens no céu. Ao atravessar o hall, percebi que Camila já havia preparado tudo: pastas alinhadas, amostras distribuídas, café fresco. Ela era boa com café.
— Bom dia, Helena — disse ela, com aquele sorriso que era quase cúmplice. — Dante está na sala de reuniões. Ele pediu para começar cedo. — Obrigada, Camila — respondi, ajustando o blazer. A jovem já estava se tornando minha sombra silenciosa, mas competente.Entrei na sala e encontrei Dante sozinho, de costas para a janela. Camisa branca, gravata solta, mangas dobradas até o antebraço. Aquela postura tão casual e ao mesmo tempo tão dominante me lembrava que cada detalhe dele tinha efeito calculado.
— Bom dia, Helena — disse, virando-se. O sorriso que lançou era pequeno, mas carregava algo mais: desafio e promessa ao mesmo tempo. — Bom dia, Dante.Começamos a revisar os últimos detalhes do projeto, cada linha desenhada, cada textura escolhida. Enquanto apontava ajustes no layout, senti o olhar dele escorregar sobre meu braço, minha mão, meu rosto.
— Sabe, Helena — disse, apoiando-se na mesa, perto de mim —, há algo intrigante em como você encara cada detalhe. Não se esconde, não se intimida.Engoli em seco, sentindo o calor subir. — Apenas faço meu trabalho — respondi, mas a voz falhou levemente.Com uma rápida batida na porta, entrou apressado Ricardo, o consultor sério de finanças, trazendo um relatório.
— Sr. Moretti, encontrei uma discrepância nos custos de materiais importados. Se não ajustarmos, pode haver questionamentos de investidores. Dante assentiu, atento, mas me lançou um olhar rápido, como se dissesse: “Confio em você para resolver”. E naquele instante, percebi que eu não era apenas uma profissional; estava sendo testada.Camila trouxe mais amostras e documentos. Enquanto ela organizava tudo, percebi um detalhe curioso: uma pasta fora do lugar, com uma marca discreta de café na capa.
— Camila, essa pasta é sua? — perguntei, pegando-a. — Não… — respondeu ela, franzindo a testa. — Estranho. Não mexi em nada fora do meu setor.Dante se aproximou, examinando a pasta.
— Alguém tentou interferir no projeto — disse, quase sussurrando. — Mas não se preocupe, Helena. Eu vou descobrir quem.Durante a tarde, fizemos medições no saguão.
— Venha mais perto — Dante disse, apontando para a área principal. Ele estava próximo o suficiente para sentir meu cheiro, meu calor. Enquanto eu ajustava a posição de um banco em miniatura, ele se inclinou, observando cada movimento. — Você é detalhista demais — murmurou, com um leve sorriso. — Mas gosto disso.Um toque acidental de nossos corpos aconteceu. Mais um deles, e eu já estava começando a me sentir irritada com a sensação de antecipação que isso causava. Ambos nos afastamos ligeiramente, conscientes do efeito que causávamos um no outro.
— Devemos focar no projeto — disse eu, tentando soar firme. — Claro — respondeu ele, mas havia uma provocação clara na voz.Ao longo do dia, percebi pequenas coisas: Ricardo observando tudo com cuidado, Camila anotando detalhes suspeitos, e Dante atento a cada gesto meu. Era quase um jogo de xadrez: cada movimento tinha consequências, e o inimigo podia estar em qualquer lugar.
Quando o expediente terminou, Dante me acompanhou até o elevador.
— Helena, quero que saiba — disse, baixando a voz —, você me intriga mais do que qualquer relatório ou plano financeiro. — Então é uma boa ou uma má notícia? — perguntei, mantendo a respiração controlada.— Depende de quem está perguntando — ele respondeu, com um sorriso que misturava diversão e desejo.
No elevador, ficamos lado a lado, mas não nos tocamos.
— Você confia facilmente, Dante? — perguntei, quebrando a tensão. — Depende da pessoa — disse ele. — Mas confesso que você me faz considerar confiar antes mesmo de entender totalmente quem é.O coração acelerou. Aquela proximidade, mesmo em silêncio, era uma batalha silenciosa entre desejo e cautela. Quando saí, o reflexo das luzes da cidade na chuva parecia marcar cada pensamento. Eu estava cada vez mais envolvida. E, mais importante, sabia que o perigo do meu passado ainda pairava sobre nós.
No caminho de volta, uma mensagem inesperada:
“Cuidado com interferências externas. Nem todos que parecem aliados são confiáveis. — D.”Suspirei. Ele sabia que eu já desconfiava. Mas a frase carregava outro significado. Um aviso. Um desafio. E, acima de tudo, um convite velado para o jogo que ele e eu estávamos prestes a jogar, entre poder, desejo e segredos. Algumas são travadas com olhares, silêncios, proximidade.







