Mundo ficciónIniciar sesiónDante Moretti.
O sobrenome soava como uma ferida antiga reaberta. Filho, ou pior, sucessor, do homem que quase destruiu tudo o que eu havia construído. O império que o pai dele ergueu pisando em gente como eu. Eu devia odiá-lo, devia ter recusado o contrato assim que vi o nome naquela proposta. Mas, por algum motivo, não recusei.O celular vibrou. Uma mensagem. “Foi um prazer recebê-la hoje, senhora Duarte. Confio que faremos algo inesquecível juntos. — D. Moretti.”
Por um segundo, pensei em apagar sem responder. Mas os olhos dele voltaram à minha mente, aquele olhar de quem sabe exatamente o que quer. Era quase cômico, para ser sincera. Suspirei e caminhei até a cozinha. Preparei outra xícara de café, como se a cafeína pudesse me proteger de toda aquela loucura. O aroma se espalhou no ar, misturando-se com o perfume leve de lavanda que ainda permanecia na minha pele. “Ele só é um cliente”, murmurei para mim mesma. “Um contrato importante, nada mais.” Mas mesmo enquanto dizia isso, sabia que estava mentindo para mim mesma.
Dois dias depois, eu estava de volta à Torre Moretti, dessa vez com amostras de materiais e plantas atualizadas. A secretária me recebeu com o mesmo sorriso educado, mas agora havia algo diferente, uma tensão no ar. Quando entrei na sala, ele estava de costas, observando a cidade através das enormes janelas de vidro.
Camisa escura, as mangas dobradas até o antebraço, o relógio cintilando sob a luz fria. Por um instante, senti de novo aquele frio na boca do estômago.— A senhora Duarte é pontual — disse ele, sem se virar. — Gosto disso.
— E eu gosto de clientes que respeitam prazos — respondi, tentando parecer mais firme do que me sentia.Ele virou-se devagar, o sorriso insinuante surgindo como uma provocação.
— Então, estamos em sintonia. — Profissionalmente — retruquei.Ele riu.
— Claro. Por enquanto.Por enquanto. Essas duas palavras ficaram ecoando dentro de mim enquanto eu mostrava as pranchas sobre a mesa. Durante toda a reunião, o olhar dele deslizava entre os desenhos e meu rosto, e eu podia sentir a distância entre nós diminuindo, centímetro por centímetro. E foi nesse instante que percebi: Dante não estava apenas interessado no projeto. Ele estava estudando cada reação minha, cada palavra. Como se soubesse que havia algo por trás da minha presença ali.
— O senhor Moretti costuma testar todo mundo assim? — perguntei, por fim, sem levantar os olhos.
— Só quem me intriga — respondeu ele, baixinho. Silêncio. O tipo de silêncio que pesa mais do que qualquer palavra.Quando saí da torre, o céu começava a escurecer. Respirei fundo, tentando me convencer de que tudo aquilo era apenas trabalho. Mas a verdade é que eu sentia algo que não deveria sentir, algo que parecia crescer entre o medo e a curiosidade.
Na tela do celular, a notificação acendeu de novo.
“Jantar de negócios amanhã. Restaurante Fiore. 20h. — D.”
Fiquei olhando aquela mensagem por longos segundos. Parte de mim queria recusar (eu tinha essa opção?). A parte racional, que ainda lembrava das dívidas, do orgulho ferido, do nome Moretti como sinônimo de destruição. Mas havia outra parte. A que sentia falta de ser vista. Desejada. Viva. Suspirei, dando-me por vencida.
E foi essa parte que respondeu:
“Confirmado. — H.”O reflexo da tela iluminou meu rosto enquanto um pensamento cruzava minha mente, nítido como uma premonição: eu estava prestes a repetir um erro que jurara nunca mais cometer.







