Mundo ficciónIniciar sesiónO restaurante Fiore ficava no topo de um hotel antigo, desses que ainda conservavam o charme dos anos 50. Luz baixa, piano ao fundo, taças que brilhavam sob o dourado das luminárias. Eu já estive em lugares assim antes, mas naquela noite tudo parecia diferente. Talvez fosse o fato de estar indo jantar com um Moretti. A droga de um Moretti. Ou talvez fosse o vestido preto que escolhi, imples, elegante, mas justo o suficiente para lembrar que eu ainda sabia ser mulher, não apenas uma profissional tentando sobreviver.
O garçom me conduziu até a mesa. Ele já estava lá. Dante Moretti não usava terno dessa vez. Camisa aberta no colarinho, blazer escuro, cabelo um pouco desalinhado. Parecia menos CEO, mais homem. E isso era um problema.
— Helena — disse ele, levantando-se. A forma como pronunciou meu nome me fez perder um compasso da respiração. — Que bom que veio.
— Achei que fosse um jantar de negócios — respondi, tentando manter o tom neutro.
Ele sorriu, e aquele sorriso tinha o tipo de calma perigosa que só alguém acostumado a vencer pode ter.
— Tudo na minha vida é negócio, em algum nível.O garçom serviu vinho. Eu o observei por cima da taça, tentando entender o que ele queria, o que havia por trás daquele convite.
— Costuma convidar suas colaboradoras para jantares particulares? — perguntei.— Já disse… só quando elas me deixam curioso — respondeu, sem hesitar.
A naturalidade da resposta me desarmou por um instante. A conversa seguiu com leves trocas, nada realmente profissional. Falamos sobre arte, viagens, arquitetura, e de alguma forma, tudo voltava a ele. Dante tinha essa habilidade de transformar qualquer assunto em algo íntimo.
— Você sempre quis trabalhar com interiores? — perguntou, enquanto o garçom servia o prato principal. Me intrigava o fato de que ele queria saber alguma coisa sobre mim. Sabe, não tenho a autoestima baixa, mas sou realista.
— Eu sempre quis criar coisas que durassem — respondi. — Em um mundo que muda rápido demais, a estabilidade é o que me atrai.
Ele apoiou o cotovelo na mesa, o olhar fixo em mim.
— Isso soa como alguém que perdeu muito.Engoli em seco.
— Todos perdem em algum momento. Faz parte do jogo.— Ou da guerra — ele disse.
Por um instante, o ar pareceu pesar entre nós. A palavra “guerra” trouxe memórias que eu tentava manter enterradas… contratos, traições, a falência, o nome “Moretti” estampado nas manchetes. E então, ele fez algo inesperado: estendeu a mão, tocando de leve meus dedos sobre a mesa.
— Eu sei o que o meu avô fez — disse ele, baixo. — E sei que o nome Moretti não é o mais bem-vindo para você.
Meu corpo inteiro ficou tenso.
— Então esse jantar é o quê? Um pedido de desculpas? — perguntei revirando os olhos, tentando retirar a mão, mas ele não deixou.— Não — respondeu, com sinceridade. — É uma tentativa de mostrar que nem todos os Moretti são iguais.
Olhei para ele. A expressão era calma, mas havia algo nos olhos dele. E eu não sabia qual dos dois me assustava mais.
— Você não devia saber tanto sobre mim — murmurei.
— Eu sempre sei sobre as pessoas com quem me envolvo — disse ele, com aquele tom que fazia a palavra “envolvo” parecer um convite.
Meu coração batia forte. O toque dele era firme, mas não invasivo. E, por um instante, me permiti sentir tudo aquilo. O calor da pele dele contra a minha. O perfume amadeirado, discreto. A tensão que nos envolvia, como se o ar estivesse prestes a se incendiar. Era tudo muito rápido, mas meu corpo não estava rejeitando aquelas interações.
Afastei a mão.
— Isso não é profissional, senhor Moretti.— Eu te pedi para me chamar de Dante — disse ele, quase num sussurro.
Levantei o olhar, e o dele me prendeu por completo. Havia ali algo que eu não conseguia decifrar… poder, sim, mas também solidão. Talvez fosse isso que me desarmava.
— Eu não misturo negócios com… isso — disse, sem conseguir encontrar uma palavra melhor.
— Então finja que ainda é negócio — ele respondeu. — Mas me diga que não sente nada.
Fiquei em silêncio. Porque não havia resposta que não me condenasse.
Depois do jantar, ele me acompanhou até o carro. A cidade estava fria, as ruas molhadas refletindo as luzes dos postes. Quando chegamos à calçada, ele se aproximou um pouco mais do que o necessário.
— Posso te fazer uma pergunta, Helena?— Depende da pergunta.
— O que você teria feito se o contrato não fosse comigo? Se o nome fosse outro?
— Eu teria aceitado.
— Então é o nome que te assusta — ele disse. — Não eu.
A ousadia dele arrancou de mim um sorriso involuntário.
— Talvez os dois.Ele sorriu também. Por um instante, ficamos ali, em silêncio. A chuva começava de novo, fina, como se o universo quisesse repetir o prenúncio daquela primeira manhã.
Dante se inclinou um pouco, a voz quase roçando em mim.
— Você ainda não decidiu se confia em mim… mas eu posso esperar.— Não é questão de confiança — respondi. — É questão de sobrevivência.
Ele assentiu, recuando devagar.
— Então sobreviva, Helena. Mas não se esconda.Abri a porta do carro, e antes de entrar, olhei para ele mais uma vez. Aquele homem era uma promessa e uma ameaça ao mesmo tempo. E o pior é que eu já sabia qual das duas partes acabaria me vencendo. Enquanto dirigia de volta pra casa, uma única certeza me acompanhava: Algumas guerras não se lutam com armas, mas com olhares. E o maldito Dante Moretti já tinha vencido a primeira batalha.







