LIA
Peguei meu celular e enviei uma mensagem para Ana. Ela era minha prima; sua mãe faleceu há dois anos, seu pai nunca a conheceu e, desde então, ela mora conosco. Eu a considero minha melhor amiga.
“Estou aqui. Aceitei a proposta dele e não vou recuar.” — Sua resposta veio imediatamente.
“Não vou te deixar sozinha nessa. Estou aqui no bar.”
“Bar?” — Perguntei, curiosa.
“Sou a mais nova barista da Lux.” — Soltei um suspiro pesado.
“Você não tem que fazer isso. Vá para casa.”
“O tio Jack acabou de entrar aqui.” — Senti um calafrio. O que meu pai estava fazendo aqui? Já não tinha feito dívida o bastante?
“Ana, preciso saber onde ele está. Onde exatamente meu pai está?”
“Estou perto do balcão, aquele próximo à entrada. O tio está numa mesa no canto, parece esperar alguém. Está nervoso.”
A informação me deixou ainda mais apreensiva. Meu pai nervoso? Isso significava que a situação era mais grave do que eu imaginara. Ouço uma voz atrás de mim:
— Lia! Sua vez.
Apressei-me, colocando uma peruca e uma máscara para que meu pai não me reconhecesse.
A voz era da gerente, uma mulher alta e magra com um olhar severo. Meu coração batia forte contra as costelas, a máscara apertava meu rosto. O cheiro de café torrado e leite queimado, normalmente reconfortante, agora me causava náusea. A música ambiente, os clientes, meu pai aquela mesa. tudo aqui né deixava mais nervosa
NARRADOR -
A música começou, um ritmo hipnótico que pulsava pelas caixas de som, fazendo vibrar até os ossos. Lia, sob o nome artístico de "Lua", sentiu a adrenalina percorrer suas veias. A luz fraca do palco, banhada em tons de vermelho e azul, a envolveu como um véu mágico. Ela era Lua, e esta era a sua constelação.
Com um movimento fluido e sensual, Lua se soltou do canto do palco, deslizando pelo chão como uma sombra. Seu corpo, esguio e ágil, era uma extensão da música, cada curva, cada gesto, uma nota na sinfonia da noite. O vestido, um tecido fluido e brilhante que se moldava a cada movimento, parecia dançar junto com ela, um reflexo de sua própria energia.
Não era uma dança vulgar, mas uma arte. Cada passo era preciso, cada expressão facial cuidadosamente calculada. Era uma dança que contava uma história, uma história de mistério e sedução, de força e vulnerabilidade. Seus movimentos eram uma mistura de sensualidade e poder, de fragilidade e determinação. Ela era felina, serpente, pássaro em voo, tudo ao mesmo tempo.
A plateia estava hipnotizada. Os olhares fixos em seu corpo, que se movia com uma graça quase sobrenatural. Era uma dança que transcendia a carne, que tocava a alma. Lua não estava apenas dançando; ela estava se expressando, liberando a força que carregava dentro de si. Era uma catarse, uma libertação. E no final, quando a música cessou, o silêncio que se seguiu foi mais eloquente do que qualquer aplauso. Lua havia conquistado a noite, havia conquistado a si mesma.
A música finalizou, e um silêncio expectante pairou sobre a boate, quebrado apenas pelos sussurros da multidão. Então, começou. Uma chuva de notas de dinheiro, de todos os lados, caindo sobre o Lia como um dilúvio dourado. As cédulas voavam pelo ar, pairando por um instante antes de se depositarem sobre o palco, criando um tapete de riqueza ao seu redor
Lua permaneceu imóvel por um momento, como uma estátua de ouro em meio àquela tempestade financeira. A surpresa se misturou à satisfação em seu olhar, mas a expressão permaneceu enigmática, escondida sob a penumbra do palco. Lentamente, ela começou a recolher as notas, seus dedos deslizando sobre o papel com um movimento suave e delicado, como se estivesse acariciando cada cédula. A plateia rugiu de aprovação, hipnotizada pela cena.
Do outro lado da boate, escondido em uma mesa escura, Jack observava tudo com uma mistura de espanto e raiva. Ele não conseguia desviar o olhar daquela dançarina nova, misteriosa, que dominava o palco com uma presença magnética. Aquele corpo esguio, os movimentos sinuosos, a aura de mistério que a envolvia... tudo era familiar, inquietantemente familiar.
Jack limpou a garganta, o barulho cortando o silêncio pesado que pairava entre ele e Durval. O ar estava denso, carregado de um cheiro forte de uísque e expectativa. Durval, um homem corpulento com um olhar frio e calculista, observava Jack com impaciência, tamborilando os dedos na mesa. A luz fraca do bar iluminava apenas parcialmente seus rostos, criando sombras que pareciam amplificar a tensão do momento.
— Durval… preciso de mais um empréstimo — a voz de Jack saiu rouca, como se as palavras fossem pedras pesadas demais para sua garganta.
Durval soltou uma risada seca, um som áspero que ecoou no ambiente silencioso. — Mais dinheiro? Jack, você já está atolado até o pescoço. Eu já arrisquei bastante com você.
— Eu sei, eu sei… mas dessa vez é diferente. É uma oportunidade única, Durval. Uma chance de… de resolver tudo de uma vez. Só preciso de mais um pouco. O suficiente para…
Jack hesitou, as palavras presas na garganta. Ele não conseguia articular o plano completo, a vergonha e o medo o sufocavam. Durval, porém, não precisava de explicações. Ele conhecia Jack bem demais. Sabia que o homem estava desesperado, em uma situação de risco extremo.
Durval inclinou-se para frente, seus olhos penetrantes fixos em Jack. — E o que você me oferece em troca? Você já me deu tudo o que tinha. Sua casa, seu carro… até sua própria dignidade.
Jack engoliu em seco, sentindo o peso da verdade das palavras de Durval. Ele não tinha mais nada para oferecer, exceto… — Eu posso te dar… uma parte do que eu ganhar com esse negócio. Uma parte significativa. E… e mais do que isso… eu posso te dar… acesso. Acesso a algo que você vai querer.
Durval sorriu, um sorriso lento e cruel que não alcançou seus olhos. — Acesso? A que tipo de acesso você está se referindo, Jack? Seja preciso. Meu tempo é valioso.
Jack respirou fundo, sentindo um fio de esperança, misturado a um medo pavoroso. Ele iria arriscar tudo. - Te dou tudo que eu tenho.