Mundo de ficçãoIniciar sessãoPasso as próximas horas ajustando minha roupa, meu cabelo, meu currículo. Nada parece bom o suficiente.
As oito da noite chegam rápido.
Quando chego no endereço, paro diante do portão, sinto o ar sumir dos meus pulmões.
A casa não é só grande. É imponente, daquelas que têm janelas tão altas que parecem observar quem chega.O portão se abre sozinho. Eu entro devagar, como se pisasse em território proibido, estaciono o carro próximo à entrada.
O jardim é enorme, cheio de caminhos de pedras, plantas podadas com perfeição e uma fonte que parece saída de algum filme caro. O vento traz o cheiro de flores frescas, que não sei nem nomear.
Respiro fundo.
Só preciso passar por essa entrevista. Só isso.Quando bato na porta, não espero a sensação que tenho quando ela se abre.
A figura masculina diante de mim é… marcante.
Alto.
Ombros largos. Cabelo bem aparado, barba que combina com o sorriso insinuado. Olhos claros que analisam sem pedir licença.Por um instante, meu peito aperta.
Um reconhecimento absurdo, como se fosse…Não.
Não pode ser ele. Claro que não é, mas como pareceu de alguma forma estranha.— Isadora? — ele pergunta com um sorriso torto. — Que bom que conseguiu vir.
— Eduardo? — pergunto, tentando disfarçar a surpresa.
Ele assente e abre espaço para que eu entre. Passo por ele com cuidado, meu coração ainda acelerado pela impressão equivocada.
"Não é ele. É só coincidência. Respira."
O interior da casa é ainda mais impressionante que o lado de fora.
Pé-direito alto. Paredes claras. Quadros elegantes. Um cheiro amadeirado e caro no ar, como se a casa tivesse sido construída para agradar homens que sempre tiveram dinheiro demais.Eduardo caminha na minha frente, e eu tento não reparar nos detalhes — mas tudo é tão grande, tão luxuoso, tão distante do que foi minha vida nos últimos anos.
Eduardo é o tipo de homem que não apenas entra em um ambiente — ele ocupa espaço.
E eu não digo isso pelo tamanho físico, embora ele seja alto o bastante para fazer qualquer pessoa endireitar a postura. É outra coisa. É aquela confiança silenciosa de quem sabe exatamente quem é… e sabe que os outros também percebem.Ele anda como se o chão fosse terreno conhecido: passos firmes, cadenciados, quase preguiçosos, mas calculados. Nada nele parece apressado ou improvisado. É como se cada movimento fosse escolhido — não para impressionar, mas porque esse é simplesmente o jeito dele existir.
O olhar acompanha o mesmo ritmo: direto, atento, mas não invasivo. Ele observa tudo. Tudo. Com uma calma que chega a ser desconcertante. Não é o tipo que desvia os olhos por educação; ele segura o contato visual como quem testa, pesa, mede.
— A casa pertence ao meu irmão — ele explica casualmente. — Ele viaja muito… negócios. Mas eu moro aqui também por enquanto, ajudando com a minha sobrinha.
Meu estômago aperta.
“Meu irmão.”Então definitivamente não era ele o dono da casa e nem o pai da criança.
E eu fico de alguma forma… aliviada?Eu não quero descobrir.
Eduardo abre a porta de uma sala de estar enorme. Uma menina pequena está sentada no tapete, desenhando. Ela ergue o rosto assim que me vê.
Olhos grandes. Cabelos claros cacheados.
Linda.E ao contrário da timidez comum em crianças, ela corre até mim — como se me conhecesse.
— Oi! — ela diz sorrindo sem hesitar. — Você vai brincar comigo?
Meu coração derrete na hora.
Ajoelho devagar para ficar na altura dela.
— Posso brincar, se você quiser.
Ela segura meu rosto entre as mãos pequenas, como se me estudasse.
— Você tem cheiro de moça boa — ela diz com uma sinceridade absurda.
Eduardo ri, mas eu fico sem jeito.
Crianças sempre foram meu ponto fraco.A “entrevista” dura menos do que eu imaginei.
Eduardo me observa de forma intensa enquanto eu interajo com a menina — atenção demais, como se estivesse analisando cada gesto, cada palavra, cada sorriso meu para ela.
Talvez estivesse.
E eu sinto isso.
A sensação é… desconfortável, e ao mesmo tempo estranhamente útil, porque talvez signifique que tenho chances reais de conseguir o trabalho.
Quando ele finalmente me chama até a cozinha para conversar, a menina já está completamente grudada em mim.
— Ela gostou de você — ele diz com os braços cruzados, encostado no balcão de mármore. — E isso… não acontece sempre.
Eu sorrio.
— Ela é encantadora.
— É. — Ele me olha de cima a baixo, lento, calculado. — E precisa de alguém que acompanhe o ritmo dela, dê atenção, estimule. Meu irmão não está… muito presente ultimamente.
— Ele viaja muito? — pergunto, casual, tentando manter o foco em Sofia, não no olhar dele.
Eduardo confirma com o queixo, firme.
— Volta em alguns dias.
O silêncio que segue não é exatamente confortável.
Tem algo na forma como ele me observa… territorial. Como se fosse ele o verdadeiro guardião da casa. Ou como se estivesse avaliando mais do que minhas habilidades profissionais.Aquela expressão masculina que mistura interesse, controle
e algo que ele tenta disfarçar.Decidir quebrar o clima.
— E… a mãe da Sofia? — pergunto, mantendo a voz neutra.
A pergunta é natural dentro do contexto do trabalho, mas percebo na hora que toquei em algo sensível.Eduardo respira fundo, apoiando uma mão no bolso da calça.
— Lívia não mora mais aqui — diz simples, mas o tom carrega uma camada amarga. — Ela… não lidou bem com a maternidade. Nem com o ritmo da vida do meu irmão. Foi embora há alguns meses. Aparece quando quer. Some quando cansa. E confunde a menina mais do que ajuda.
Ele desvia o olhar, rígido.
— Rafael faz o possível. Mas a verdade é que ele está sempre apagando incêndios que ela abandona. O que… — ele me encara de novo, dessa vez com uma seriedade afiada — torna ainda mais importante encontrar alguém estável para Sofia.
A forma como ele diz “estável” quase me atravessa.
Quase como se estivesse medindo se eu realmente sou.E então, percebo que o nome dela — Lívia — paira naquele corredor com o peso de alguém que ainda não saiu completamente da história.
Mesmo longe.
Mesmo ausente. Mesmo sem aparecer.Ela está ali.
Entre as paredes. Entre as falhas. Entre as expectativas.E eu sinto — na pele — que isso pode complicar tudo.
— Posso ser sincero? — ele diz baixo.
Sim.
— Você tem exatamente o perfil que precisamos. E… algo mais. A menina te adorou. Então, se concordar com o salário, gostaria que começasse amanhã.
Meu coração dispara.
Amanhã.
Emprego garantido. Salário decente.Sem pensar, digo:
— Eu aceito.
Ele sorri, satisfeito demais.
Quase possessivo demais.Minha primeira semana na casa.
É intensa, mas boa.
A menina — Sofia — é doce, inteligente e cheia de energia. A casa é tão grande que vira um parque para ela, e eu passo horas criando brincadeiras nos corredores imensos.
Eduardo observa.
Sempre.Às vezes encostado numa porta, outras sentado no sofá enquanto finge ler algo.
Mas seus olhos sempre me seguem.Não é agressivo.
Nem sujo. É… um interesse educado, mas insistente.E eu faço o possível para ignorar.
Trabalho é trabalho.
E eu preciso dele mais do que de qualquer outra coisa.Quinto dia.
A semana passou rápido, embora cada dia dentro daquela casa parecesse carregar uma expectativa estranha, quase palpável. Sofia e eu criamos uma conexão imediata; ela me puxava para brincar, para pentear as bonecas, para ficar perto. Eduardo achava isso incrível — ele sempre comentava, sempre observava. Às vezes até demais.
Eu fingia não perceber, mantendo a postura mais profissional possível.Mas naquela sexta-feira… tudo mudou.
Eu estava sentada no tapete da sala, ajudando Sofia a montar uma torre de bloquinhos, quando ouvi a porta da frente abrir. O som ecoou pelo mármore de um jeito que me fez endireitar a coluna sem nem pensar. Eduardo, lá do escritório, levantou a cabeça na mesma hora — como quem já sabia exatamente quem era.
Então ouvi passos.
Firmes. Seguros. De alguém acostumado a ocupar espaço.Sofia se animou imediatamente.
— Papai!Meu corpo congelou antes da minha mente entender.
Meu coração bateu forte, num aviso silencioso. Um arrepio me percorreu antes mesmo de eu olhar para o corredor.Eu sabia.
Eu senti.
E quando finalmente levantei os olhos, ele apareceu.
A figura masculina se materializou devagar, como se o ar estivesse moldando aquela presença. Alto, ombros largos sob a camisa social, barba por fazer que deixava o rosto ainda mais marcante. O olhar — firme, intenso, do tipo que atravessa.
Meu Deus: o desconhecido do bar!
E quando nossos olhos se encontraram… ele também parou.







