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3: Feridas Visíveis, Cicatrizes Ocultas

Três Dias Depois

EDUARDO

Sofia tem um jeito estranho de ocupar os espaços: leve, sem fazer barulho, mas deixando tudo diferente depois que passa. A casa já não parece tão abafada, o silêncio não parece mais tão pesado. Desde que Sofia chegou, Enzo dorme melhor. E eu também. Um pouco.

Passaram-se apenas três dias.

Três dias em que observei cada movimento dela, cada toque suave no meu filho, cada resposta direta — sem rodeios, sem bajulação. Sofia não sorri com facilidade, mas quando sorri... parece que o tempo desacelera.

Hoje, volto mais cedo do trabalho. Algo em mim quer estar aqui. A desculpa é Enzo, claro. Mas a verdade é mais emaranhada, e que eu tento a todo custo negar.

— Já jantou? — pergunto quando a encontro na cozinha, organizando os potes da papinha dele.

Ela ergue os olhos, surpresa.

— Ainda não. Costumo comer depois que ele dorme.

— Você não precisa fazer isso. Pode comer agora.

Ela hesita, como se estranhasse minha gentileza. Talvez eu tenha sido mais ríspido do que gostaria nos primeiros dias.

— Fiz arroz, frango grelhado e salada. Posso dividir — ela fala suave.

— Aceito — responde rapidamente. Sofia me olha rapidamente, como se estranhasse a minha atitude, mas permanece silenciosa. E isso sempre me paralisava.

As vezes eu não sabia como agir com ela. Até porque a cada dia eu percebia que Sofia era uma caixa de surpresas, e nunca sabia o que esperar dela. Diferente das outras pessoas, ela não me bajulava, e muito menos buscava as palavras certas a dizer. Ela apenas dizia, e pronto.

Sentamos à mesa improvisada da copa. Enzo dorme, e por alguns minutos, o silêncio entre nós é confortável.

— Você tem irmãos? — pergunto, sem pensar muito.

Ela mastiga devagar antes de responder.

— Dois. Um mais velho, outro mais novo. Mas não falo com eles há muito tempo.

— Por quê?

Ela baixa os olhos para o prato.

— A vida às vezes empurra as pessoas pra direções diferentes. Às vezes, opostas demais.

Quero saber mais, mas não quero forçar. Ela me devolve a pergunta:

— E você? Sempre viveu aqui?

— Nasci em São Paulo. Só me mudei depois que a empresa cresceu. Isabella queria criar o bebê longe da cidade grande.

Ela assente com suavidade.

— Você ainda fala dela no presente.

— Eu... às vezes esqueço que ela se foi. Ou talvez não queira aceitar.

— Não precisa aceitar. Só precisa seguir em frente.

— E você? Já perdeu alguém?

Ela respira fundo. Seus olhos brilham, mas não é um brilho bonito.

— Minha mãe. Quando eu tinha quinze anos.

— Sinto muito.

— Eu também. Mas... ela não foi embora por doença. Nem acidente. Ela... fugiu.

— Fugiu?

— Do meu pai. Ele era... abusivo. Violento. Mandava e batia com a mesma frequência. Um dia, ela não aguentou mais. E me deixou com ele.

Sinto o estômago revirar. Não esperava por isso. Sofia olha pra mim com uma franqueza quase cruel, como se testasse se eu consigo suportar suas verdades.

— E você? Ficou com ele?

— Até onde consegui. Depois fugi também. Fui parar em abrigo, depois em pensão barata. Trabalhei desde os dezessete em tudo que aparecia. Fui faxineira, copeira, cuidadora de idosos. Até encontrar esse anúncio da sua empresa.

Fico em silêncio.

— Achei que você nunca ia me contratar — ela continua. — Meu currículo não é bonito. Mas sei cuidar.

— Eu contratei você porque meu filho sorriu quando você entrou.

Ela arqueia uma sobrancelha.

— Achei que ele tivesse chorado.

— Chorou... e depois parou. Pela primeira vez.

Ela desvia o olhar, desconcertada.

— Eu não tenho um passado limpo, senhor Ferraz. Se espera perfeição, deveria ter escolhido outra babá.

— Não espero perfeição. Espero que ele cresça com alguém que o ame.

— Amor se constrói com o tempo — ela responde, firme.

— Então vamos dar tempo ao tempo.

Por um instante, nossos olhos se encontram.

E tem alguma coisa ali. Algo que cresce devagar, como uma semente enterrada fundo. Não tem nome ainda. Só um pressentimento de algo profundo, e talvez, duradouro.

***🩵***

SOFIA

Ele me escuta. Com atenção. Não me interrompe, não desvia o olhar. Eduardo Ferraz pode ser o CEO de uma empresa milionária, mas hoje, na mesa da copa, ele é só um homem tentando entender uma mulher quebrada.

E isso me dá mais medo do que qualquer grito do meu pai.

Porque a última vez que alguém me olhou assim... foi minha mãe. Antes de fugir. Antes de me deixar sozinha.

Mas Eduardo não parece que vai fugir.

Pelo menos não hoje.

Lavo os pratos, mesmo ele dizendo que Marlene cuidaria disso. Preciso manter as mãos ocupadas, manter o corpo funcionando, pra evitar que o passado me sufoque.

Quando me viro, ele ainda está ali, encostado na bancada.

— Você nunca pensou em ter filhos? — pergunto, meio sem filtro.

Ele parece surpreso, depois pensa.

— Sempre pensei que teria. Mas só quando tudo estivesse perfeito. Casa pronta, empresa consolidada, casamento estável. Aquelas ideias tolas de controle total. A vida riu de mim.

— Ela sempre ri.

— E você?

— Já pensei, sim. Mas... depois que vivi tanta instabilidade, achei melhor não desejar demais.

— Não me parece alguém que desiste fácil.

Dou um meio sorriso.

— Eu só aprendi a esperar menos. E ser grata quando vem algo bom.

Enzo chora no andar de cima.

Antes mesmo que eu diga algo, Eduardo se adianta.

— Descanse um pouco. Eu pego ele.

Assisto ele subir as escadas com pressa. E percebo que, aos poucos, ele está deixando de ser apenas um homem que perdeu a esposa. Está tentando se tornar um pai. Um bom pai.

E de repente... eu também quero fazer parte disso. Mesmo que doa. Mesmo que seja só por um tempo. Eu quero estar com eles enquanto a vida permitir.

***🩵***

EDUARDO

Enzo se aconchega em meu peito como se já me reconhecesse.

Fico andando com ele pelo quarto enquanto canto um trecho da canção que ouvi Sofia murmurar outro dia. Acho que era de ninar. A letra é suave. A melodia, reconfortante.

Ela está mudando este lugar. Esta casa. A mim.

E mesmo que minha cabeça diga que devo manter distância, meu coração já começou a ignorar ordens.

Quando volto, Sofia está sentada no sofá da sala, folheando um livro infantil. Ela sorri ao me ver com Enzo no colo.

— Ele dormiu de novo?

— Dormiu.

Ela estica os braços, oferecendo-se para pegá-lo.

— Não... — digo, antes de pensar. — Quero segurá-lo mais um pouco.

Ela sorri. Aquele sorriso raro.

— Está aprendendo rápido.

— Tenho uma boa professora.

Ela abaixa os olhos, tímida. Pela primeira vez desde que chegou, Sofia parece vulnerável. E isso só a torna mais real.

— Obrigada — ela sussurra.

— Por quê?

— Por me deixar ficar.

— Obrigado você, por aparecer no momento certo.

E, sem precisar dizer mais nada, sentamos lado a lado, em silêncio.

O tipo de silêncio que, finalmente, não machuca, mas faz o tempo parar.

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