A manhã amanheceu com um brilho suave entrando pelas grandes janelas da mansão, iluminando os corredores de forma quase cinematográfica. O dia anterior tinha sido longo — entre tempestades, sustos e aproximações inesperadas —, mas naquela manhã tudo parecia mais leve. Lorenzo ainda dormia quando deixei meu quarto, então aproveitei para ajudar Helena na ala de serviço.
Ela supervisava a arrumação da casa com precisão militar, e eu me ofereci para dobrar algumas toalhas. Bastou tocar na primeira pilha para uma delas escorregar do topo, cair no chão e quase derrubar o restante.
Helena respirou fundo, mas sorriu.
— Acontece, senhorita Souza.
— Acontece comigo, a senhora quer dizer — respondi, recolhendo tudo rapidamente. — Essa casa deve estar me achando uma ameaça ao patrimônio.
— Curiosamente, não. — Helena ajeitou os óculos. — O clima aqui melhorou desde que você chegou. Até o senhor Valverde parece… menos silencioso.
Aquilo me pegou desprevenida.
— Menos silencioso? Ele?
— Não tanto nas palavras. Mas nos olhares — murmurou, como quem não deveria dizer mais que isso.
Antes que eu pudesse perguntar o que ela queria dizer, uma das toalhas escorregou de novo da minha mão. Helena riu baixo.
Quando entrei na sala de brinquedos, Lorenzo já estava acordado, sentado no tapete com um sorriso contido. Ele batia duas peças de madeira entre si, estudando como encaixá-las. Ao me ver, levantou o rosto devagar e me entregou uma das peças, como se estivesse me convidando para uma missão importante.
— Bom dia, campeão — falei, sentando-me ao lado dele.
Ele se aproximou com naturalidade, sem o receio do primeiro dia, e tocou minha mão antes de apontar para a torre que tentava montar. Começamos a construir juntos, e a cada tentativa falha, ele olhava para mim com uma expressão tão divertida que era impossível não rir.
— Você faz isso de propósito, né? — perguntei, fingindo acusação. — Para ver quantas vezes eu erro antes de acertar.
O sorriso dele ficou mais amplo, o suficiente para me aquecer o peito. Eu já aprendia a reconhecer seus sinais; aquele sorriso significava que eu estava oficialmente incluída no pequeno círculo de confiança dele.
Enquanto tentávamos encaixar mais uma peça, percebi uma mudança na sala — não um som, mas um deslocamento de presença. Quando ergui o olhar, a porta estava aberta e Dante havia acabado de entrar. Sua postura ocupava o espaço de um jeito que sempre parecia calculado, mas naquele momento havia algo diferente em sua expressão, como se estivesse observando algo que não esperava ver tão cedo.
— Bom dia — cumprimentou ele, com uma voz baixa que Lorenzo imediatamente reconheceu.
— Bom dia, senhor Valverde — respondi, tentando parecer menos consciente do toque acidental entre minhas mãos e as peças.
Dante se aproximou e se abaixou ao lado de Lorenzo, observando nossa construção. Quando pegou uma das peças para ajudar, Lorenzo a tomou dele rapidamente, num gesto quase brincalhão. Dante ergueu uma sobrancelha, surpreso.
— Ele está mais confiante hoje — comentei.
— Ele está mais confortável — corrigiu Dante, olhando para mim antes de voltar ao filho.
Enquanto os dois montavam parte da torre, estendi a mão para encaixar uma peça no topo. Dante fez o mesmo. Nossas mãos se tocaram por um breve instante — calorosa, firme e inesperada. Eu recuei por reflexo; ele não. Seu maxilar ficou mais rígido, um detalhe que revelava mais emoção do que suas palavras jamais admitiriam.
Depois do café da manhã, levei Lorenzo para o jardim. A grama ainda estava úmida pela chuva da noite anterior, e o cheiro de terra molhada parecia deixá-lo curioso. Ele caminhava devagar, tocando folhas, observando gotas presas nas pétalas de flores, e eu o seguia com cuidado — ou pelo menos tentava.
Foi justamente nesse momento que tropecei numa raiz discreta, avancei dois passos desengonçados e acabei sendo aparada por um braço forte antes que fosse ao chão. Era Lucas, o segurança, que tinha aparecido no momento exato.
— Tudo bem aí? — ele perguntou, rindo.
— Estou bem… acho. Perdi só metade da elegância, nada grave — respondi, ajeitando meu cabelo.
Lorenzo riu baixinho, achando a cena inteira muito divertida.
Mas a expressão de Lucas mudou quando Dante apareceu vindo da lateral do jardim. Sua presença sempre trazia um peso diferente, e naquele momento havia algo ainda mais definido em seu olhar.
— Lucas — disse, sem alterar o tom —, preciso de você na ala leste.
O segurança assentiu rapidamente e desapareceu.
Dante parou diante de mim, e embora não tivesse um tom áspero, havia uma tensão sutil na forma como me observava.
— Você está bem? — perguntou.
— Só tropecei — respondi. — Isso não é exatamente uma novidade.
— Você deveria ter mais cuidado — disse, mantendo os olhos fixos em mim. — Este jardim tem pontos traiçoeiros.
— Não se preocupe. Já sei onde posso ou não cair.
Dessa vez, um meio sorriso apareceu no rosto dele — discreto, quase imperceptível, mas real.
— Você está tornando esta casa menos previsível — ele murmurou.
— Isso é bom ou ruim?
Ele demorou um pouco para responder.
— Ainda estou decidindo.
À tarde, Lorenzo quis desenhar. Sentamos juntos, e enquanto ele riscava as folhas com concentração absoluta, deixei cair acidentalmente a caixa inteira de lápis, que se espalhou pelo chão como se tivessem vida própria. Ele achou a cena tão engraçada que caiu na risada.
— Eu juro que a gravidade tem um contrato comigo — comentei, recolhendo tudo.
Quando tentei pegar o último lápis, que tinha rolado perto da estante, levantei rápido demais e bati a cabeça na quina da mesa. O som foi baixo, mas suficiente para atrair Dante, que apareceu na porta.
— Laena — disse ele, aproximando-se rapidamente. — O que houve?
— Só uma batida — respondi, massageando a testa. — Nada sério.
Ele se inclinou para ver o machucado, segurando meu braço com um cuidado que não combinava com sua postura rígida habitual. A proximidade era tão intensa que meu coração acelerou.
— Você realmente precisa de mais cuidado — repetiu ele, agora num tom mais suave.
— E você realmente precisa parar de chegar tão silencioso. É perigoso para pessoas como eu.
Dante desviou o olhar com um quase-sorriso.
No fim da tarde, Lorenzo adormeceu cedo. Caminhei pelo corredor com Dante ao meu lado. Quando passamos perto de uma porta entreaberta, meu pé prendeu no tapete e perdi o equilíbrio. Antes que pudesse cair, Dante me segurou pela cintura com firmeza.
A proximidade foi imediata e avassaladora. Ele me segurou como se meu corpo encaixasse perfeitamente no dele, e por um instante fiquei sem saber se deveria agradecer ou fugir. O perfume dele, a força das mãos, o olhar atento… tudo acontecia ao mesmo tempo, sem espaço para pensar.
— Obrigada — murmurei, tentando recuperar o fôlego.
— Eu vi você tropeçar antes de tropeçar — disse Dante, sem soltar minha cintura imediatamente. — E não sei o que é pior: o perigo… ou o efeito que isso tem em mim.
Quando finalmente me soltou, não desviou o olhar. Apenas respirou fundo, como alguém que percebe que está cruzando uma linha que jurou nunca ultrapassar.
— Tome cuidado, Laena — disse ele, dessa vez num tom baixo, pessoal. — Você está mexendo demais com esta casa.
A frase poderia ter significado muitas coisas. Mas o olhar dele deixou claro o verdadeiro sentido: você está mexendo demais comigo.
E, pela primeira vez, ele não tentou esconder isso.