Laís Os dias que se seguiram à reunião na prefeitura foram cheios de olhares curiosos e cochichos abafados. A fala de Eduardo havia ecoado pela cidade, e agora, todos sabiam que entre nós havia algo mais do que amizade. Para alguns, era motivo de sorrisos discretos e comentários de apoio. Para outros, como Clara e Felipe, era combustível para intrigas. Na ONG, percebia os olhares atravessados de alguns colegas. Nanda, sempre firme, chamou a atenção em uma das reuniões: — Aqui dentro o foco é trabalho. O resto é vida pessoal. Se não conseguirem separar, vão transformar um projeto sério em novela de esquina. Gabriela rebateu de imediato: — Ninguém tá confundindo nada, Nanda. O problema é quem insiste em falar do que não entende. Rafaela completou com ironia: — E quem não gosta de novela que desligue a TV. Todos riram, menos eu, que sentia o peso das palavras circulando. Como se cada passo meu fosse observado, como se eu fosse personagem de uma história escrita por outras mãos. **

Laís A segunda-feira amanheceu com um misto de ansiedade e expectativa. Na ONG, o clima estava diferente. Nanda reuniu todos na sala principal, os olhos brilhando de entusiasmo. — Recebemos a notícia de que nosso projeto pode ser avaliado para apoio internacional. Isso significa que precisamos preparar uma apresentação impecável — disse, passando os olhos por cada um. — E quero que Eduardo e Laís liderem essa parte. Meu coração disparou. Liderar junto com ele era um sonho e um desafio. Eduardo me lançou um olhar rápido, como quem diz “estamos juntos nessa”. E, de alguma forma, aquilo me deu força. *** Gabriela e Rafaela foram as primeiras a se aproximar quando a reunião terminou. — Olha só, estrela internacional — provocou Rafaela. — Vai brilhar com o Eduardo na frente do mundo inteiro. Gabriela, mais séria, completou: — Isso é bom, Laís. Mostra que vocês podem ser mais do que fofoca. Vocês podem ser parceria de verdade. Sorri, mas por dentro as sombras de Clara e Felipe ain

Laís A manhã começou com aquele silêncio denso que antecede tempestades. Eu sabia que algo havia mudado desde a noite anterior: não era só o peso da inveja, era a decisão que crescia em Eduardo. Ele apareceu na porta da ONG mais cedo do que o normal, com a expressão focada e uma pasta nas mãos. — Preciso falar com a Nanda — disse baixinho, ao se aproximar de mim. — Hoje a gente vira a página. Assenti, sentindo o coração acelerar. Em Santa Amora, qualquer passo dado em público virava assunto, mas havia um limite para as sombras que nos rondavam. E ele, finalmente, estava pronto para riscar uma linha no chão. *** Nanda reuniu a equipe logo depois do café. O assunto era a apresentação para a avaliação internacional — e, inevitavelmente, o clima da equipe. Eduardo pediu a palavra, postura ereta, voz firme. — Quero registrar oficialmente que eu e a Laís estamos juntos. — A sala prendeu a respiração. — Isso não diminui nossa entrega ao projeto, não muda prazos, não altera prioridades.

Laís O sábado amanheceu vibrante. A ONG Raízes Vivas organizava um grande mutirão de plantio na praça central de Santa Amora, com barracas coloridas, crianças correndo entre as mudas e professores explicando a importância de cada árvore. O cheiro de terra molhada misturava-se ao de bolo de fubá que as senhoras da comunidade haviam preparado. Era o tipo de evento que me lembrava por que eu tinha escolhido aquele estágio. Eduardo estava ao meu lado desde cedo, organizando a exposição dos cartazes e ajudando a distribuir ferramentas para os voluntários. Havia orgulho no jeito que ele sorria para cada pessoa que chegava. Mas também havia tensão. Clara não demorou a aparecer. Vestia um vestido branco impecável e salto baixo — destoando de todos os que estavam de luvas e tênis. — Que bonita a cena — disse em voz alta, aproximando-se de um grupo de moradores. — É sempre emocionante ver como relações pessoais podem acelerar projetos públicos. — O sorriso falso não deixava dúvidas de que se

Laís Os dias depois da notícia de que a verba da ONG estava, por enquanto, preservada, foram de respiro e tensão ao mesmo tempo. Eu sentia o alívio no rosto de todos — crianças enviando bilhetes agradecidos, professores mandando fotos do mutirão — mas também percebia o olhar atravessado de quem não acreditava na nossa vitória. Santa Amora tem o dom de transformar até vitória em boato. No mercado, ouvi duas mulheres comentando atrás de mim: — Bonito o discurso dela, mas a cidade não vive de poesia. — E ele? Se aproveitou bonito do projeto. Agora casaram trabalho e coração. Mistura perigosa. Segurei a sacola com força, respirei fundo e segui andando. Doía, mas eu sabia: se respondesse a cada voz, perderia a minha. *** Eduardo Na ONG, Clara se aproximava com sorrisos ensaiados. Uma manhã, trouxe uma planilha de custos com anotações em vermelho. — Vejam só — disse, como quem revela um segredo — aqui consta gasto duplicado em material gráfico. Precisamos justificar, certo? Nand