Narrado por Maitê Como sempre, minha vida parece uma novela escrita por um roteirista sádico. Uma sequência infinita de desgraças, como se alguém tivesse jogado uma macumba bem-feita pra cima de mim. Nada dá certo. É uma coisa ruim atrás da outra, sem pausa, sem trégua. Um ciclo maldito.Depois da conversa com a Bruna, me recolhi no quarto e desabei na cama. Meu corpo estava cansado, mas a mente fervia de pensamentos e frustrações. Adormeci de tanto pensar, só pra acordar no meio da madrugada, por volta da 1h. O “lorde” ainda não tinha chegado. Claro. Por que chegaria? Homem não muda, né?Desci as escadas com o estômago embrulhado e me joguei no sofá da sala. Às 2h em ponto, ouvi a porta se abrindo. Ele tentou entrar sorrateiro, mas o molho de chaves caiu no chão, fazendo um estrondo.— Merda — ele resmungou.— Que bela hora pra chegar, não é? — falei sem levantar a voz, mas cada palavra era um soco.— Calma, amor, eu tava trabalhando. — Ele se aproximou, e foi aí que senti o cheiro.

Narrado por Lorde Depois do surto da Maitê, tentei acalmá-la, mas a raiva dela era evidente. Eu sabia que não seria fácil. Passei direto para a boca, buscando uma distração, mas ao chegar lá, percebi que mais uma carga nossa havia sido roubada pelos ratos. Já passava das 23 horas, e eu ainda não conseguia ir para casa. A tensão estava me corroendo, e, como sempre, fui até o bar do seu Zé. Precisava de algo para relaxar, ou pelo menos para esquecer a sensação de que estava perdendo o controle.Foi quando a vi. Uma ruiva, nunca antes vista no morro, e imediatamente me chamou a atenção. Era linda, pequena, e, sim, extremamente gostosa. Mas, por algum motivo, mantive distância. Sabia que tinha alguém me esperando em casa. Maitê. E, apesar de tudo, eu ainda me importava com ela — ou pelo menos queria acreditar que sim.Bebi, como sempre faço quando a raiva me consome. O álcool ajudava a suavizar a dor, mesmo que temporariamente. Quando percebi, já era tarde demais. A ruiva estava sentada

Narrado por Maitê Depois do dia em que Bruna veio à minha casa, fiquei dois dias trancada, colocando minha cabeça no lugar. A verdade é que eu precisava me afastar um pouco de tudo, refletir sobre as decisões que tomei e as que ainda precisavam ser feitas.Passados esses dois dias, tomei uma decisão importante: estava na hora de encontrar um novo emprego. Precisava me livrar da dependência do Cobra de uma vez por todas. Eu queria construir minha vida de forma independente, sem ter que me submeter àqueles jogos e regras sujas do tráfico.Comecei a ligar para vários hospitais e clínicas, mas deixei o mais importante para o final. Era um hospital diferente, com uma filosofia única. A dona estava envolvida com o tráfico, mas, apesar disso, o hospital tinha uma abordagem comunitária interessante, com vários programas para ajudar a população do morro. Eles tinham um código, o Code Black, utilizado quando um traficante precisava de atendimento. E isso, de alguma forma, me fazia sentir que a

Narrado por Maitê Entro no banheiro ainda tremendo. Meus passos estão desconexos, como se minhas pernas tivessem desaprendido a carregar o peso do meu próprio corpo. Apoio as mãos na pia e encaro meu reflexo: olhos marejados, a respiração curta, o rosto pálido. Jogo água fria no pescoço e no rosto, tentando espantar o medo que pulsa dentro de mim, mas é inútil. O pânico é mais forte do que a água gelada.As lágrimas caem antes que eu consiga impedir. Me agacho, abraçando as próprias pernas, me escondendo em mim mesma. “Você não pode ter uma crise agora, Maitê. Não aqui, não assim.”Puxo o ar como se ele fosse me salvar, mas é como tentar respirar debaixo d’água.Com mãos trêmulas, pego o celular e digito:“Preciso de ajuda. Vem ao banheiro, por favor.”Espero por Bruna. Rezo por ela. Mas quando ouço as batidas na porta, não é ela que está do outro lado.Abro, cambaleando… e dou de cara com ele.O homem que JP chamou de dono do Vidigal. A figura que todos respeitaram no camarote. Seus

Narrado por CaveiraMeu vulgo é Caveira. Mas antes de tudo isso, antes das guerras, das perdas, da favela e do sangue… meu nome era Carlos.Tenho 53 anos. Sou o dono do CDD, um dos lugares mais perigosos do Rio, e há décadas eu comando esse território com mão de ferro. Já fiz muita coisa nessa vida. Já mandei matar. Já salvei quem não merecia e deixei morrer quem precisava viver. Mas de tudo que me tiraram, nada me doeu mais do que perder minha filha. E com ela… minha neta.Falar disso ainda me rasga por dentro. Mas essa história, eu deixo pra outro momento.Faz meses que um dos meus informantes no Complexo me alertou. Disse que tinha uma garota nova morando na casa do King. Uma menina com o rosto muito parecido com o da minha filha. O tipo de coisa que não dá pra ignorar. A princípio achei que fosse só paranoia. Mas com o tempo… meu coração começou a gritar.Comecei a montar um plano de invasão. Não pra machucar ninguém. Só queria ver ela. Falar com ela. Confirmar se era quem eu pens