As semanas seguintes à demissão se arrastaram em um misto de ansiedade e silêncio. Cecília criara uma rotina que a mantinha em movimento: acordava cedo, abria o notebook e passava horas procurando anúncios em sites de vagas. Não eram cargos de prestígio, tampouco exigiam experiência acadêmica. Pelo contrário, ela focava em oportunidades como garçonete, atendente de loja, vendedora. Qualquer coisa que lhe garantisse um salário fixo e a sensação de autonomia.O apartamento, silencioso durante o dia, se enchia do som das teclas do computador e do leve raspar da caneta enquanto ela fazia anotações em um caderno. Era uma forma de organizar os lugares em que já havia enviado currículo, as datas das entrevistas, os contatos que precisava retornar.Enrico observava tudo à distância, respeitando aquele espaço que ela reivindicara como essencial. Mas cada vez que passava pela sala e via Cecília curvada sobre o computador, os olhos cansados e a expressão carregada, sentia um aperto no peito.Naq

As primeiras semanas na loja foram um turbilhão. Na maioria dos dias Cecília saía de casa antes das nove e voltava depois das dez da noite, com os pés latejando e a mente em frangalhos. Os turnos eram longos, o ambiente barulhento, os clientes impacientes. Havia metas de vendas, relatórios de desempenho, e supervisores que circulavam como aves de rapina, atentos a cada deslize.Ela se esforçava ao máximo. Sorria para os clientes mesmo quando sentia vontade de chorar, memorizava códigos de produtos, decorava promoções diárias que mudavam a cada semana. Seu caderno de anotações estava repleto de letras miúdas, rabiscos que só ela entendia.No início, cada venda era um triunfo. Mas, conforme os dias passavam, a euforia deu lugar ao cansaço. Os ombros doíam, as mãos estavam constantemente frias, e os olhos pesavam. Quando chegava em casa, mal tinha forças para jantar; muitas vezes tomava banho em silêncio e caía na cama, adormecendo antes mesmo de se deitar por completo.Enrico observava

A loja tinha um movimento constante, mas tranquilo. Quinta-feira de promoções, mas nada caótico, e Cecília estava em pé desde as nove da manhã, com os pés cansados, mas sem dor, e o sorriso leve no rosto. Caminhava de um lado para o outro atendendo clientes com calma, dobrando roupas, organizando prateleiras e atualizando o sistema, sem pressa, sentindo que conseguia acompanhar tudo com facilidade.O ambiente estava agradável, com o som suave de músicas nas caixas de som e o cheiro de café vindo da cafeteria próxima. Ela trocava algumas palavras com os clientes, orientava com paciência e até conseguia rir discretamente de pequenos comentários, aproveitando a rotina que fluía de forma natural.Mesmo quando precisava se abaixar para pegar peças no chão ou ajustar roupas nos cabides, sentia-se confortável, como se cada gesto fosse parte de um ritmo que ela finalmente conseguia acompanhar. No fim da manhã, ao olhar ao redor, percebeu que tudo estava em ordem e que conseguira conduzir o di

O som do relógio na parede parecia mais alto do que deveria, marcando cada segundo como um estalo seco no silêncio que se estendia entre eles.Enrico não se mexia. Continuava ali, de pé no meio da sala, como uma estátua prestes a rachar. O olhar fixo em um ponto do chão, os punhos cerrados, o peito subindo e descendo devagar demais — como se cada respiração fosse um esforço calculado para não explodir.Cecília sentiu o ar ficar mais denso, pesado, e a vontade de recuar se misturou à necessidade de não deixá-lo sozinho com aquela fúria silenciosa. Sabia que bastava um movimento errado, uma palavra fora do lugar, para ele desmoronar.— Enrico… — chamou, a voz baixa, vacilante.Ele ergueu os olhos, e o que ela viu neles a fez prender o ar. Não era apenas raiva. Era algo mais profundo, sombrio — um tipo de silêncio que gritava por dentro.— Ele fez isso? — A voz de Enrico saiu baixa, quase perigosa.A frase não veio como pergunta, mas como sentença.Cecília abaixou os olhos, sem responder

O sol brilhava alto, refletindo nos vidros do shopping e nos carros alinhados no estacionamento, mas nada disso diminuía a tempestade que queimava dentro de Enrico. O céu azul parecia zombar dele, como se o mundo inteiro tivesse decidido continuar girando normalmente enquanto dentro dele tudo desmoronava.Estacionou o carro com um gesto brusco, os dedos firmes demais no volante, as juntas esbranquiçadas pela força. Respirou fundo — uma, duas vezes — tentando, em vão, conter a fera que rugia em seu peito. Sentia o coração bater tão alto que parecia sacudir seu tórax por dentro.Não conseguiu.Desligou o motor com um clique seco e saiu do carro. Atravessou o estacionamento com passos decididos, cada passada ecoando contra o asfalto quente. O barulho de seus sapatos quase se perdia entre o tráfego da avenida próxima e o murmúrio distante dos clientes que entravam e saíam, sacolas nos braços e sorrisos distraídos nos rostos. Pessoas que viviam suas vidas como se nada de horrível pudesse t