A cabana de madeira na Eslovênia parecia vazia. Isolada, com as janelas cobertas por cortinas pesadas, sem qualquer sinal de atividade. E ainda assim, Davide circulava o perímetro com a arma empunhada, atento a qualquer movimento. — Você está segura? — sussurrou pelo fone. Valentina, no interior da sala de estar, encarava a lareira apagada. O lugar estava morno, mas algo nela tremia. Porque ele estava ali. Depois de meses desaparecido. Sem mensagens. Sem rastros. Sem promessas. Enzo Moretti. — Não esperava me ver, imagino — disse ele, surgindo do corredor com o mesmo terno escuro, o mesmo olhar opaco, mas agora com uma barba malfeita e o cansaço marcado nos ombros. Valentina levantou-se devagar. — Eu pensei que estivesse morto. — Morrer... seria mais fácil. Ela o olhou com um misto de raiva, saudade e desconfiança. Tinha tantas perguntas, mas não sabia por onde começar. — Por que sumiu? Quando tudo começou a desmoronar... quando eu precisei de você... — Eu estava me reestr

O helicóptero cortava os céus da fronteira entre Suíça e Áustria, mas o interior da cabine era puro caos. — Está perdendo muito sangue! — gritou Davide, segurando o manche com uma mão e tentando estabilizar a altitude com a outra. — Valentina, pressione mais! Valentina pressionava a gaze contra o ombro de Enzo, enquanto o sangue escorria entre seus dedos. Ele estava pálido, ofegante, mas consciente. — Fica comigo! — sussurrou ela. — Você me prometeu uma conversa, lembra? Enzo esboçou um sorriso fraco. — Nunca... deixei... de cumprir promessas. Francesca, do outro lado do fone criptografado, dava instruções: — A base de evacuação em Innsbruck está pronta. Equipe médica, laboratório e blindagem total. Mas vocês precisam pousar em 10 minutos ou ele entra em choque. Valentina assentiu, olhando para o horizonte. O mundo abaixo parecia calmo. Mas ela sabia a verdade: a superfície era só a casca da tempestade que vinha. Horas depois, Enzo estava em uma maca de emergência, recebendo

Cinco dias após a destruição dos centros de contingência, o mundo já não era o mesmo. As quedas de sinal em regiões inteiras geraram apagões de mídia. Redes sociais foram temporariamente silenciadas. Plataformas de busca perderam indexação. Programas de notícias ficaram horas fora do ar. Milhões de pessoas começaram a questionar, pela primeira vez em anos, o que realmente sabiam. E então, vieram os vazamentos. Os documentos extraídos por Valentina — detalhando o controle genético, manipulação judicial, e o código de previsão comportamental — foram publicados em mídias independentes. E, apesar da censura, se espalharam como fogo entre fóruns clandestinos, transmissões pirateadas e rádios de resistência. Na Índia, estudantes tomaram universidades. Na Espanha, jornalistas se demitiram ao vivo, revelando scripts prontos enviados por “consultores externos”. No Brasil, servidores públicos denunciaram manipulações no sistema de pontuação social emergente. O mundo despertava. E estava

Praga amanheceu mergulhada em neblina. As torres góticas se erguiam sombrias sobre as vielas de paralelepípedos, como sentinelas antigas guardando um segredo moderno. Era ali, na capital tcheca, que batia uma das frentes financeiras da PROJETCIO — uma fachada chamada Rexal Dynamics, especializada em biotecnologia e criptografia, mas que, nos bastidores, movimentava bilhões em contratos para o desenvolvimento de inteligência estratégica e controle comportamental em populações. Era também o primeiro elo rastreável ao Projekt Nyx. Valentina caminhava sozinha pela rua estreita que levava à sede de vidro fumê da Rexal. A identidade que usava agora era Iveta Malinová, analista eslovaca contratada para uma consultoria temporária. Os documentos haviam sido forjados por Francesca com maestria — incluindo histórico profissional, passaporte e registros acadêmicos. Ela usava lentes de contato escuras, cabelo mais curto, tingido de castanho acinzentado. A postura era discreta, a fala, contida.

O mundo não mudou de um dia para o outro. Mas algo havia se quebrado. Em centros psiquiátricos da Alemanha, jovens antes classificados como psicóticos passaram a se comunicar com clareza, descrevendo memórias que batiam com os arquivos do Projeto Nyx. Em escolas públicas de Seul e Istambul, adolescentes com padrões neurológicos “anômalos” — antes rotulados como desafiadores, violentos ou antissociais — começaram a apresentar sincronia emocional entre si. A rede libertada por Valentina não apenas transmitia dados. Ela despertava conexões. Espalhava coragem. O “vírus de liberdade”, como a imprensa alternativa passou a chamar, era mais que uma falha no sistema da PROJETCIO — era uma mudança de arquitetura social. E como todo sistema que perde o controle... o império respondeu com força. Na semana seguinte, ataques coordenados foram registrados em pelo menos sete células da resistência ao redor do globo. Em Nairobi, uma explosão destruiu o bunker da Operação Fênix. Em Buenos Ai