— Você poderia se sentar aí?Harumi, apontando para a cadeira ao lado da penteadeira. Ela segura um tubo de pomada nas mãos, visivelmente inquieta, embora tente esconder a ansiedade com um ar contido.Depois que ela me deu permissão, subi para tomar banho. E não pude deixar de perceber que tudo já estava preparado, desde as roupas íntimas até os itens de higiene pessoal. Isso me incomoda mais do que gostaria de admitir. E uma pergunta insiste em se repetir na minha mente:Há quanto tempo eles estão planejando tudo isso?Seguro a camisa seca entre os dedos, mas sei que não posso vesti-la ainda. Fecho a porta do banheiro atrás de mim e vou até a cadeira onde ela apontou. Me sento sem dizer nada.A garota se aproxima. E, agora mais de perto, percebo como suas mãos tremem levemente. Pelo reflexo no espelho, vejo quando ela aperta o tubo de pomada com mais força do que o necessário. Seu olhar, antes vago, fixa-se no meu por um instante. Tento ler seu rosto, encontrar algo além da máscara q

Escuto os passos se aproximando do quarto. Sei que é Miller... e Takeshi.Fecho os olhos com força, tentando preparar minha mente. Me amaldiçoo por ainda me afetar. Já devia estar acostumada. Mas nunca estou. Nunca consigo.A porta se abre com um rangido seco. Eles entram como donos de tudo, fecham a porta atrás de si com calma, como quem sela uma cela. Me olham. Estou sentada no meio da cama, usando apenas uma camisola branca, fina como papel molhado. A transparência é proposital. Eles exigem assim.— Minha deusa... — diz Miller, e só de ouvir sua voz, tudo o que já sofri em suas mãos retorna como um golpe no estômago.Ele se aproxima. Suas mãos, frias como pedra, tocam meu rosto com uma adoração que beira o delírio.— Desde a primeira vez que pus os olhos em você, soube que estava perdido.Ele sorri. Eu só sinto náusea.A lembrança me atravessa como uma lâmina: ele me viu pela primeira vez aos dezesseis anos. Foi na minha primeira noite no ritual. Fui arrematada pelo jovem mestre.

— Não vou descontar minha raiva em você. — Long puxa a cadeira enferrujada no canto e se senta.Apoia os cotovelos nos joelhos, as mãos entrelaçadas, e fixa o olhar no chão. Seus olhos parecem vazios, como se estivessem presos em alguma lembrança distante.— Ela quase morreu hoje… — diz, a voz embargada. — Se eu não tivesse ido procurá-la naquele quarto maldito, seria tarde demais.Franzi a testa, cruzando os braços. Dou um passo em sua direção, tentando compreender a súbita mudança em seu humor.— Quem? — questiono, mesmo já desconfiando da resposta.— Harumi. — sussurra, como se pronunciar o nome dela fosse um pecado. — Eles vão matá-la, Leonardo. Vão usá-la até que não sobre nada além de um corpo frio e marcado. Toda vez que a Cosa Nostra revida, toda vez que tiram algo deles, é ela quem paga o preço. Com sangue. Com dor. Como se fosse a culpada quando, na verdade, sempre foi a vítima. Desde que chegou aqui, o alvo do ódio deles tem sido ela, por causa do sangue que corre em suas v

Alguns dias depois...Eu dispensei Mika, preparei o café da manhã com calma e desci as escadas do alçapão com o coração pesado de expectativa. Hoje à noite iríamos escapar. Dizer isso em voz alta ainda soava como um delírio. Um milagre impossível que, por algum motivo, decidira me alcançar.Assim que chego ao porão, encontro Leonardo ao telefone. Ele está focado, ouvindo atentamente o que a outra pessoa diz, mas seus olhos firmes e acinzentados se voltam para mim assim que sente minha presença. É estranho como esse gesto simples trás calma. Há algo diferente nele desde o dia em que jurei minha lealdade. Como se, a partir dali, uma trégua silenciosa tivesse sido firmada entre nós.Ele não é o mesmo homem que conheci ferido, desconfiado e duro como pedra. Ainda carrega as cicatrizes da guerra nos olhos, mas nos últimos dois dias passou a ser... mais gentil.Permitiu que eu cuidasse de seus ferimentos, até mesmo daquele na frente do corpo, o único que ele antes não deixava que eu me ap

— A insatisfação com a liderança de Takeshi Sakamoto é real — meu pai informa com a voz firme, mas baixa, como quem carrega o peso de uma verdade perigosa. — Os membros que foram expulsos por não aceitarem o favoritismo dele estão se unindo... e querem derrubá-lo. E, por mais inacreditável que pareça, a 'Ndrangheta tinha uma aliança antiga com a Yakuza. Tudo ruiu quando a única filha de Francesco foi sequestrada por Katakana. Mas Giovanni conseguiu firmar uma nova aliança com o líder que está emergindo entre os dissidentes. Isso nos dá uma grande chance. Se todos nos unirmos, será muito mais fácil atacar.Fecho os olhos por um segundo, absorvendo o peso daquelas palavras. O nome de Francesco ainda reverbera como um fantasma nas sombras da máfia italiana. A filha dele... Lembro do que ouvi sobre o sequestro, a jovem mulher na época era esposa de Otávio.Katakana não a poupou, e Otávio encontrou o seu fim.— O senhor parece... confiante, mesmo no meio de tudo isso — aperto o celular con