Capítulo Três

“Viver, viver é ser livre, saber dar valor às coisas simples” Charlie Brown Jr.

— Sai de cima de mim, seus veados. — Comecei a tentar me mexer, para eles saírem de cima de mim, pois estava ficando sufocado já.

— Ui, a moça na TPM. — Carter começou a zombar de mim, rindo.

Dei um tapa no ombro dele, onde foi que eu conseguir acertar.

— Vamos, levanta, vamos pra balada. — Brian começou a pular na cama, mais parecia uma criança de dois anos, e não um homem barbado de vinte e seis anos.

— Acho que não vou, não. Eu cansado. Para de pular na cama, mas que inferno! parecendo uma criança! — gritei e deitei novamente, levando a mão à cabeça, a fim de tentar fazer com que os gritos dele cessassem.

— Iiih... o que pegando? — Ele finalmente parou de pular e se sentou na cama, com aquela cara de Zé dele.

Aqueles pulos estavam me fazendo ficar nauseado, mas eu não ia fazer isso, pois estava sem saco. A única coisa que eu queria era dormir e dormir, sabe, dormir até a vida acabar.

— Como foi no médico? — Carter se sentou ao meu lado.

Ele era sempre contido, na dele, calmo e com um sorriso nos lábios, o sorriso de que tudo ia ficar bem, de que não importasse nada, que ele estaria ali, hoje, amanhã e depois, depois, depois...

— É por isso esse baixo-astral, a notícia é tão ruim assim? — Brian abaixou a cabeça e seu tom parou de ser de brincalhão para se tornar sério e preocupado, o tom que eu odiava, porque eu sabia que para ele estar assim o negócio era realmente sério.

Mas, que merda! Eu não poderia esconder nada deles, eles eram meus melhores amigos.

Carter tinha vinte e seis anos. Eu o conhecera no jardim de infância, e desde então a amizade fortalecera, e nunca mais me separara dele.

Ele era alto, tinha cabelos negros e olhos azuis. Adorava malhar, e por isso tínhamos o apelidado de bombadinho, apelido que ele odiava, claro.

Já o Brian era de longe o mais doido de nós três. Também tinha vinte e seis anos. Havíamos nos conhecido na primeira série do ensino fundamental.

Ele era estranho, gordinho, meio desengonçado, usava aparelho nos dentes, mas era engraçado. Sua risada era estranha, foi o que fizera eu me aproximar dele. Toda aquela esquisitice fazia ele ser uma pessoa única. Eu estaria sempre do seu lado, não importasse qual fosse a situação. Fora por isso que a gente se tornara amigos. Três completos desajustados socialmente unidos. Não sei o que seria da minha vida sem esses caras.

Brian havia mudado muito, agora estava magro, cabelos arrepiados, loiro dos olhos verdes, barba sempre por fazer, e sempre conseguia nos constranger em qualquer situação.

— Sim.

Levantei-me, andei até a cômoda peguei os exames, os quais entreguei para eles, que leram, atentos. Em seguida, com os olhos perdidos, olharam para mim.

Caraca, mano! Você vai se tratar, né? — Brian disse, pulando da cama e andando de um lado para o outro.

Bem, talvez ele abra um buraco no chão e caia na cama da gostosa do andar de baixo.

— Não, eu não quero ficar preso em uma cama — disse, abaixando o olhar, com um aperto indescritível no peito.

— Mas se não fizer isso, vai morrer, tipo, vai acabar tudo, nossa amizade... — Carter estava assustado. — Você não pode... Não... não, tem que se tratar.

— Mas eu vou morrer do mesmo jeito, meninos — respondi, suspirando. — Me tratando ou não, entenderam? Eu não quero viver o que me resta de vida assim, numa cama de hospital, escutando os pi, pi, pi, e esperar que eles se cessem, assim como à minha vida.

— Então pretende fazer o quê? — Brian falava com a cabeça baixa e passava as mãos pelos olhos.

— Nada, deixar isso passar assim. — Estralei os dedos.

— Não, você não vai deixar a vida passar assim, você não pode, entendeu? — Brian pulou da cama, pegou um caderno, uma caneta e começou a escrever.

— O que você está fazendo?

— Sempre tive umas vontades doidas. Vamos fazer isso: cada um escreve dez coisas malucas que sempre teve vontade de fazer, mas que nunca teve coragem, então, nós três juntos vamos fazer, vamos realizar uma lista maluca, sair em numa viagem que mudará o rumo de nossas vidas, uma viagem que ficará marcada em nós, na história, e quando a gente lembrar dela, sorrisos tomarão conta, lembranças de bobeiras incríveis invadirão nossas cabeças e nós três juntos, juntos, vamos escrever a história de nossas vidas.

brincando, né? — Levantei uma sobrancelha.

— Não estou, não. Estou falando sério, muito sério.

— É, pode ser legal...

Comecei a pensar que poderia ser minha última aventura... quer dizer: a minha primeira e única aventura, uma de verdade, uma aventura para fechar com chave de ouro.

— Eu topo — respondi enfim.

— O que pode sair dessa sua cabeça de jaca? Só besteira mesmo. É, John, não incentiva não, isso vai dar merda, como sempre.

— A fé de vocês em mim é inacreditável, sabia? Pensa só, Carter: viajar, fazer tudo o que sempre teve vontade de fazer, mulher bonita, aventuras, sol, praias, surfe... Ainda acha bobeira? — Ele disse, animado.

Fez um gesto com a cabeça antes de responder:

— É, olhando assim, nem tanto.

— E aí, vamos?

Tá legal, vamos.

— Legal, vou comprar umas bebidas e trazer umas gatinhas. — Brian disse, saindo correndo, antes que eu falasse alguma coisa.

Balancei a cabeça é pensei bem... O que poderia acontecer demais? Ele traria algumas amigas dele e umas bebidas, decerto tomaríamos todas e acordaríamos de ressaca... Bem, nada de anormal para os padrões de Brian.

Meia hora depois ele voltou com todos os tipos de bebidas. Dessa vez ele me surpreendeu, porque além de ter muita coisa, ele trouxe algumas mulheres, que vou te contar, eram estonteantes! Ele sabia escolher muito bem!

Bebemos, bebemos muito, damos alguns pegas na mulherada, e a noite passou como uma criança. Adorei aquilo! A sensação de liberdade era agradável, liberdade até quando eu conseguisse.

Como era de se esperar, no dia seguinte acordei com uma puta dor de cabeça, a ressaca estava muito forte, e o apartamento todo bagunçado.

— Nossa, que noite doida! — pensei alto. — Brian, Carter, cadê vocês?

Andei pelo apartamento, e nada deles. Tropecei em um monte de roupas e caí.

— Cuidado, cara, eu aqui. — Escutei Brian reclamar quando acidentalmente pisei nele.

— Até que enfim te achei. Cadê o Carter?

aqui. — Ele levantou a mão atrás do sofá, enrolado na cortina.     — Cara, que noite! — Foi tudo o que ele conseguiu dizer.

— Boa, né? Muito boa. — Brian disse, deitando no sofá e pegando um copo com uma bebida, provavelmente uísque. — Precisamos fazer mais festinhas.

— Nossa! São nove horas?! — exclamei, assustado ao olhar para o relógio.

— E daí que são nove horas? — Carter se sentou ao lado de Brian, colocando as mãos na cabeça.

— Esqueceram da reunião?

Brian cuspiu o uísque que tomava, e Carter se levantou num pulo só.

— Vão para as suas casas e se arrumem rápido, anda!

— Merda! Mas, que caralho! Vamos, Brian. — Carter disse, levantando-se.

— O Senhor coloque as calças, por favor. — Comecei a rir, que cheguei a chorar. — Não quer ser taxado de tarado no condomínio, não é mesmo?

— Mas... o que a gente aprontou ontem à noite? — Ele colocou a mão na cabeça.

— Se veste — insisti, tapando os olhos.

Ver homem pelado a essa hora não era bem o que eu queria; aliás, era o que eu não queria nunca.

— Não lembro. Depois de tudo o que misturei, nem sabia mais meu nome. — Brian caiu na gargalhada.

— Claro que não se lembra, conveniente para você.

— Você se lembra?

— Claro.

— O que aconteceu? — Ele perguntou, pegando as calças

— Depois de você ter gritado lá no meio da rua que me amava peladão, a gente fez um sexo selvagem gato. — Ele imitou um rugido.

Eu olhei bem para o Carter e não me segurei, comecei a rir, que perdi o fôlego.

zoando, né? — Ele disse, assustado.

— Me sinto ofendida com isso! — Passou a mão na sobrancelha, pegou um casaco, estralou os dedos e saiu rebolando.

— Cara, não dá trela, ele brincando. Decerto bebeu mais que a gente e nem sabe o que aconteceu. Vai se trocar, nos encontramos no escritório.

— Isso não tem graça, não mesmo. — Ele disse, vestindo a calça.

— Tem sim, e muita. — Dei risadas.

— Até mais tarde, John.

— Até.

Eles moravam no mesmo prédio que eu. Eu morava na cobertura, e eles, dois andares abaixo do meu.

Tomei um banho rápido, me troquei e sentei no sofá para tomar um café. Vi o caderno da Alicia ali em cima. Peguei e comecei a ler.

Liguei o rádio, e no momento tocava uma música que eu ouvia frequentemente, mas nunca tinha parado para prestar atenção na letra. O refrão naquela manhã ensolarada pareceu ter todo o sentido.

“Histórias, nossas histórias. Dias de luta, dias de glória”.

— É, Chorão, dias de luta, muita luta.

Com isso, tive força para começar um outro dia, um novo dia, um dia diferente em minha vida, um dia que prometi para mim que seria diferente dos outros: nada mais de sofrimento, tristeza, trabalho... Seria um dia de felicidades, alegrias.

Peguei as chaves do carro e saí. Tinha no rosto um sorriso, e no coração, felicidade.

— Mônica... — disse, chegando e parando de frente para a mesa dela enquanto ajeitava a gravata.

— Oi, pois não, quer algo?

— Brian e Carter chegaram?

— Ainda não.

— Assim que chegarem, pede para irem na minha sala.

— Sim. Mais alguma coisa?

— Tudo pronto para a reunião?

— Sim senhor.

— Ótimo, ninguém chegou ainda certo?

— Não, o Senhor está quinze minutos adiantado.

Franzi levemente o semblante.

— Sério? Tudo isso?

— Sim. — Sorriso.

— Então, por favor, pede um megahambúrguer com uma coca bem geladinha.

— Hambúrguer e coca? Que estranho!

— Nada de estranho, vou aproveitar a vida, enquanto eu ainda tenho ela.

— Que papo é esse, John? — Ela levantou uma sobrancelha e cruzou os braços.

— Nada, é só que uma hora a gente morre e deixa de aproveitar a vida, então, para que se privar?

— Hum... estranho. Vou comprar o que o Senhor deseja, daqui a dez minutos eu volto.

— Tudo bem. Eu vou para a minha sala. Quando chegar, leva para mim, por favor.

Entrei na minha sala, sentei na minha cadeira e liguei o rádio, onde tocava uma música bem animada que eu não conhecia. Tirei o paletó e comecei a dançar. Dancei essa música e a próxima. Quando parei de dançar, já sem fôlego, Mônica me olhava com um sorriso no rosto.

— Dança muito bem. Essa sua reboladinha é uma coisa! — Ela mordeu o lábio e deu aquela piscadinha sacana para mim.

— Você viu? — perguntei, gaguejando.

É claro que viu! Corei de vergonha.

— Sim. — Sorriso, ao mesmo tempo que estendia a mim a sacola que trazia em mãos. — Seu lanche. Bom apetite. Ah! E quando você cora, fica uma graça. — Mandou um beijo no ar, e eu corei ainda mais

— Obrigado.

— De nada. — Sorriso. — Licença

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo