POV EMILY
Victor nos empurrou para a escadaria lateral, e o alívio de sair daquela multidão foi instantâneo. Mas o alívio durou pouco. A cada degrau de ferro que subíamos, o chão parecia mais instável, e a música ensurdecedora me engolia por inteiro.
Chegamos ao camarote. O lugar era uma sacada de concreto com grades de metal, isolada e com vista privilegiada para o formigueiro lá embaixo. Tinha um sofá de couro sintético e um balcão improvisado. Era uma área VIP, sim, mas me senti mais numa gaiola.
— É aqui que a gente fica suave, visse? — Amanda já estava de volta ao seu elemento. Ela pegou uma bebida que um segurança de colete já estava servindo e ofereceu a Júlia. — Chega mais, Emy! Bota esse short para jogo!
Eu me encostei na parede, tentando me misturar à sombra. O ar parecia mais denso aqui em cima. De longe, o baile era uma mancha vibrante: a luz forte do canhão de led girando sobre os corpos, o cheiro de suor, fumaça de narguilé e whisky barato. Eu não conseguia relaxar. Eu estava muito perto do perigo.
— Você tá muito pálida, amiga. — Amanda me avaliou, a testa franzida. — Toma uma água, respira. Não vai acontecer nada, eu juro.
— Eu sei, mas... — mal consegui completar. Meu coração começou a disparar.
De repente, o DJ cortou o set. Não era silêncio total, a batida pesada do beat ainda pulsava, mas o ritmo parou. Foi como se o mar tivesse recuado.
— Aí, Morro! Respeita a chegada do nosso homem! — A voz grave do DJ ecoou, distorcida pelo microfone. — Respeita o novo chefe! Traz a moral de verdade! Vem com tudo, Léo!
Toda a atenção, toda a luz do palco, focou na entrada.
Senti um arrepio gélido na nuca, como se a temperatura tivesse caído dez graus. Era ele. Leonardo. Meu destino.
Ele entrou pela multidão, mas parecia não tocar o chão. Era alto e parecia maior ao vivo do que eu tinha imaginado. Usava uma camiseta preta lisa que marcava os braços e calça jeans escura, a única ostentação era um cordão de ouro grosso. Tinha seguranças enormes cercando-o, mas ele não precisava deles para impor. O que realmente me atingiu foi o rosto. Era duro, jovem, sem sorriso e com um olhar incrivelmente frio, que varria a multidão com a calma de quem é dono de tudo. A barba por fazer só aumentava a expressão de cansaço e poder.
Aquele era o cara por quem meus pais me venderam.
— Caralho. — Ouvi Amanda sussurrar, fascinada.
Eu me encolhi ainda mais, torcendo para que a sombra da grade me engolisse. Léo subiu os degraus de dois em dois e veio direto para o camarote, seguido por Victor e mais uns três homens. Ele parecia um bicho hoje, exatamente como Victor havia dito.
Ele parou, o corpo a poucos metros do meu. Eu prendi a respiração. Se ele notasse meu desespero, estaria perdida.
Seus olhos, de um castanho escuro quase preto, fixaram-se na nossa direção. Ele não olhou para mim, mas para o grupo. Era o olhar de quem verifica a propriedade. Seus olhos se moveram, passando por Amanda, por Júlia... e por mim. Foi um piscar de segundos. Um lampejo frio, sem reconhecimento. Apenas mais uma garota no camarote do morro.
O alívio foi tão violento quanto a onda de pânico anterior.
Ele se virou para Victor, que falava algo em seu ouvido, e então Léo recostou-se no sofá, acendendo um cigarro com um movimento rápido e brutal. Ele era a personificação do perigo calmo.
Mas o breve olhar foi o suficiente. Senti que a minha janela de oportunidade estava se fechando. Não era mais sobre um boato antigo; era sobre aquele homem, a metros de distância, respirando o mesmo ar.
Agarrei o braço de Amanda com força, meus dedos cravando-se na pele dela.
— Amanda, me tira daqui! Agora! Por favor! — Minha voz saiu aguda, quase inaudível por cima do beat que recomeçou, alto e ensurdecedor.
— Calma, Emy! O que foi? Ele nem te viu direito! — Ela tentou me segurar, confusa.
— Ele não pode me ver! Eu tenho que ir! A gente tem que ir! É agora, Amanda! Antes que seja tarde demais!
Com um puxão forte, arrastei Amanda para longe da grade, para a escuridão dos fundos do camarote, determinada a descer as escadas e sumir antes que o olhar dele voltasse a se fixar no nosso canto.
Mas ela me segurou e disse pra eu esperar uns minutos que era iria avisar a Victor que iríamos embora.
LEONARDO
Minutos antes..
Depois de tantos anos, finalmente meu pai ia me passar o comando do morro. Eu estava cansado de esperar. A papelada já era minha, mas a coroa na cabeça só vinha com essa cerimônia besta. Subi na minha moto para brota no baile essa noite, queria resolver logo essa parada.
— Leonardo! — Meu pai correu na minha direção.
— Iae, Coroa. É Léo, pô. Chama meu nome não, que eu acho logo que é bo. — Eu não podia perder a moral por causa de um apelido, mesmo que fosse ele.
— Eu sou seu pai e te chamo da merda que eu quiser!
— Tá suave. — Coloquei o capacete. O peso da minha vida estava ali, na palma da mão dele.
— Te quero em casa antes do dia amanhecer.
— Isso é caô, né? — Rodei a chave. — Pra quê, Pai?
Eu podia ser o que fosse na rua, mas respeito meu pai acima de tudo. Ele era o motivo de tudo.
— Hoje é o dia de buscá-la.
O capacete escondia meu sorriso de lado. O bagulho era sério. Não era só o morro, era a dívida que seria finalmente quitada. A garota. Apenas assenti com a cabeça e saí dali direto pra quadra. Minha faixa estava me esperando.
Meu pai tinha deixado um aviso gravado para o DJ soltar à meia-noite em ponto. Ele disse que já tinha passado o tempo dele de ficar em baile.
Eu já sabia a história decorada. Há nove anos, ele me contou. Uma oferta irrecusável: a filha de uma viciada seria minha mulher. Meu pai perdoou a dívida da maluca se ela entregasse a filha pra mim quando a garota completasse dezoito. Depois, a mãe fugiu com um homem, e a guarda da garota foi passada para o pai, que era outro nó cego usuário de drogas.
Meu pai decidiu que a dívida seria cobrada na maioridade dela, já que o pai dela estava pegando drogas quase todos os dias. Essa garota era a garantia, a chave do morro. E hoje, a dívida era minha para cobrar.
NO BAILE...
Cheguei no baile. Mal deu tempo de descer da moto, e as putas brotaram em cima, como moscas no mel.
— Oi, bebê. — Uma delas agarrou meu pescoço, o cheiro de perfume doce me enjoando. — Vamos?
— Tá. Mas desgruda, porra. Não nasceu colada em mim, não! — Minha voz saiu impaciente. Hoje não era dia de putaria, era dia de assumir.
Entrei na quadra com a minha contenção. O som era uma porrada no peito. O funk batia forte e subimos para a minha área VIP.
— Fala, seus putos, qual a boa de hoje?
Mal cheguei, uma garota passou por mim correndo, parecendo apavorada. mas antes disso, lhe dei uma boa olhada.
— Ô, Mago, filho da puta, você deu muito pó pra essa ninfeta?
— Ei, Léo, tô suave, porra. Minha mulher tá aqui, respeito ela, mano.
A mulher dele passou por mim e foi atrás da garota. Duas doidas. A Amanda é suave, mas é braba, parece um pitbull.
— Mais idiota que você, só outro igual você! — disse Júlia, furiosa.
— Ela ficou com raiva. — Sorri, olhando pro meu mano. — Fica de boa, cara! Tu viu quem tá aí?
— Quem?
— A Rebeca. Quero nem ver o que a Amanda vai fazer! Criou seu pitbull muito solto, agora resolva aí. Tá ligado que briga aqui não tem vez e vai direto pro desenrolo.
— Suave, pô! Essa porra tá doida pra levar um quebra. Já dei vários avisos nela e na mãe dela, mas ela fica criando azinha pro lado da Amanda. Quero nem ver.
— Para, porra! Você pode ter as duas. Vai ficar só com uma? Qual a graça, Mago? Fica com as duas, porra, e pronto. Se uma não aceitar, tem várias aí que aceitam.
— É, Léo, tem várias que aceitam, mas nenhuma é a minha Amanda, não, tá ligado?! Quando você sentir por alguém o que eu sinto pela Amanda, você vai entender. E deixa minha pit quieta, que hoje eu quero transar, porra. Da outra vez você ficou de picuinha pro lado dela, e eu que me fudi. Fica quieto na tua, que se não, eu vou dormir na sua casa hoje.
— Na minha casa mesmo, não. Vai lá pra casa da Rebeca, pô, . — Tentei logo mudar de assunto para não ficar nesse papo de donzelo que ama. Amar, porra, não.
— Quem vai dormir na casa da puta da Rebeca, Léo? — Amanda falou atrás de mim. Não tem nem tamanho uma coisinha dessa. — Fala, Léo, que hoje eu tô bem de boa pra discussão e ladainha.
— Ela falou e sentou do meu lado, já ficou longe do marido. Fudi o Mago de novo.
— Era eu, pô. Vou arrastar com ela hoje, suave.
— Não era eu? — Sei nem quem é.
— Você disse alguma coisa? Pensei que tivesse dito aqui. Hoje eu tenho um compromisso, e pela gracinha, vai dar um rolê. Qualquer coisa, eu te dou um aviso.
— eu tenho que ir embora. - Ela saiu sem ao menos se despedir
— Muito obrigado!! - Mago sentou